Acordo possível, artigo de Ana Cristina Bandeira Lins
Poluição atmosférica em São Paulo, foto de arquivo
A resolução Conama 315/02 não impunha a adoção do diesel com 50 ppm de enxofre, nem extinguia o diesel S-2.000 ou o S-500
[Folha de S.Paulo] COM O fervor de um Robespierre, Oded Grajew assinou ontem neste espaço o artigo “Sentença de morte”, em que, a propósito de acordo sobre a melhoria da qualidade do diesel no Brasil, investe contra todos os que o firmaram, em particular contra esta procuradora da República, que foi quem propôs uma das ações e aditou outra.
A verdadeira sentença de morte proferida pelo sr. Oded Grajew contra mim parte de premissa falsa. A resolução Conama 315/02 não impunha a adoção do diesel com 50 ppm de enxofre (S-50), nem extinguia o diesel S-2.000 ou o S-500. Apenas criava nova etapa do Proconve, reduzindo limites de poluentes dos veículos novos.
Só dois artigos tratam de combustível: o 18 e o 27. Um impõe a disponibilização de combustível para testes à indústria automobilística com três anos de antecedência. Outro estabelece que tal combustível de testes deverá estar conforme especificação da Agência Nacional do Petróleo.
Entretanto, a ANP especificou tal combustível apenas em novembro de 2007. E mais, em 19 de setembro de 2008, noticiou que tal combustível não está disponível no mercado nacional e internacional. Ou seja, o prazo legal de três anos para os fabricantes não se teria nem mesmo iniciado.
A lei que rege o Proconve prevê esse prazo porque ele é necessário à indústria automobilística para adaptar motores ao diesel que será fornecido, à Petrobras para que produza ou importe o diesel especificado e à cadeia logística de distribuição e fornecimento de combustível para a construção de novos tanques, oleodutos e veículos de transporte.
A resolução ANP estabelece que o S-50 comercial é destinado aos veículos novos. Essa também era a intenção dos elaboradores da resolução Conama. A decisão judicial foi taxativa: o S-50 se destinaria exclusivamente aos veículos novos. Isso porque tais veículos dependem do fornecimento de combustível com baixo teor de enxofre para evitar a corrosão dos sistemas pós-tratamento, os quais garantem a redução dos níveis de poluentes aos limites legais. Tampouco havia norma impondo a distribuição do S-50 aos novos veículos.
Nenhuma sentença judicial poderia criar do nada as condições necessárias a isso. Em 2012, quando, pelo acordo, serão exigidos níveis de poluentes ainda menores que os previstos pela resolução, a ação ainda estaria longe do julgamento definitivo.
Se veículos novos não fossem produzidos a partir de 2009, causaríamos graves problemas ambientais, além de sociais e econômicos, já que os veículos antigos teriam seu uso intensificado. A poluição do ar decorre principalmente dos veículos antigos.
Enquanto os veículos produzidos até 1999 (31% da frota) emitem 63% dos poluentes, os veículos produzidos a partir de 2006 (26% da frota) emitem apenas 8% dos poluentes.
Por isso a necessidade do acordo, para o qual contribuíram consultores independentes e foram convidados todos aqueles que demonstraram interesse: o representante do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas Globais, Fabio Feldmann, a das Entidades Ambientalistas no Conama, Ivy Karina Wiens, e o da Associação dos Municípios no Conama, Thiago Camargo Lopes. Grajew compareceu à reunião no Ministério Público Federal no dia 7/10, sem comparecer às que se seguiram, apesar de expressamente facultada a sua presença.
O acordo impôs muito mais que o noticiado: além do diesel S-50 para as frotas de ônibus das metrópoles, destacamos a extinção do diesel S-2.000 (75% do diesel comercializado), que passará a S-500 apenas em virtude do acordo; campanhas de revisão nas frotas e educação dos motoristas nas 14 regiões metropolitanas; a construção de laboratório público para testes de homologação; duas novas fases do Proconve, exigindo redução ainda maior das emissões de poluentes por veículos novos; a criação de política de renovação de frota. Tais medidas implicarão investimentos pela indústria da ordem de bilhões de reais. Ressalte-se ser imprescindível a realização de inspeção veicular pelos Estados, disciplinada há mais de 15 anos e ainda não efetivada.
Resta, por fim, lembrar que as investigações não se encerraram e que o Ministério Público Federal continua na busca dos responsáveis pelas omissões que impossibilitaram a implantação da fase P6 do Proconve, os quais responderão administrativa e criminalmente.
ANA CRISTINA BANDEIRA LINS, 36, procuradora da República em São Paulo, especialista em direito penal e mestre em tutela do patrimônio cultural e ambiental, atua na defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e das populações tradicionais em São Paulo no Ministério Público Federal.
Nota do EcoDebate: para acessarem o artigo “Sentença de morte“, de Oded Grajew, clique aqui
[EcoDebate, 15/11/2008]
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