Viagem pela região de Chapadinha: onde ficam os bacuris? artigo de Amanda Freire
Mayron Regis e Amanda, pelo Forum Carajas, em busca das vozes das comunidades para saber onde ficam, ainda, os bacurizeiros, efetuaram uma viagem cerrado adentro. Os dois, na garupa de motos, foram pulando pelos areais ou pelos solos pedregosos, passando por imensas extensões de babaçuais e jussarais, subindo e descendo entre chapadas e baixões. No primeiro dia foram 10 horas de viagem efetiva, no qual puderam ver a inteira representação dos biomas dessa região no nordeste do Maranhão, proxima ao Municipio de Chapadinha. A transição de um ecossitema ao outro era colorida e surpreendente como o desabrochar de flores de baixo de um sol intenso. No céu nuvens como ilhotas vagavam pelo mar turquês.
Nas áreas mais baixas o calor era pegajoso, a estrada avermelhada corta o verde dos cocais. Ao lado das motos corriam os dominantes babaçus, com os cachos cheios de coquinhos, as carnaúbas de casca pontuda, os buritis flexuosos, com suas raízes afundadas nos brejos coberto por ninféias. Palhas secas tombadas pelo caminho. Riachos a superar por pontes precárias, poças de lama, poeira subindo pelas costas e pelo rosto, que ia se cobrindo de manchas pretas.
Subindo apareciam os arbustos secos e cinzentos da caatinga,como garras, depois são substituídos pela vegetação rala e pequena do agreste. Ladeiras a subir, até alcançar uma nova chapada. Foram muitas as que subimos: Chapada da Pandoca, do Sangue, Chapada dos Caboclos, dos Remédios, da Vila Chapeu e da Vila Januaria. Isso porque objetivo da viagem era a realização de um mapeamento sócio-ambiental das áreas de bacurizeiros, para ao final efetuar uma proposta de criação de áreas protegidas do avanço das monoculturas e reservadas ao extrativismo do procurado fruto do bacuri. E é próprio nas chapadas é que se encontra essa arvore, cobiçada por sua madeira e por seus frutos, em uma dualidade que parece não encontrar um equilíbrio.
Parar em cada comunidade para ouvir as famílias de colhedores, perguntar sobre os bacurizais mais densos, pegar dados sobre a renda que o período da safra lhes garante. Dona Francisca da Vila Pandoca conta que passa o ano todo economizando e comprando com fiança esperando só a safra chegar. A única ajuda é os 92$ por mês da Bolsa Família, mas trata-se de uma família numerosa, que conta um recém nascido. Com um rápido calculo feito junto á Chico da Pandoca, estabelecemos que cada família que colhe na sua área de cerca 150 hectares, ganha durante os três meses da safra entorno a dois salários mínimos. Uma das moradoras da Vila Chapeu confirmou que é só por meio da renda dos bacuris que eles conseguem comprar uma roupa, um par de sapatos ou objetos pra a cozinha. Moveis? Perguntamos. “Não, não chega a tanto”. Em fim das contas eles vendem somente o fruto inteiro, sem nenhum tipo de beneficiamento porque carecem de congelador para guardar a polpa, limitando assim o valor que podem cobrar aos atravessadores.
São comunidades isoladas, que vivem de pequenos animais e pequenas roças, em muitos casos até poucos anos atrás eram tolhidos de varias liberdades e direitos pelo proprietário das terras. “Só agora começamos a abrir as asinhas” diz uma jovem, agora que eles tem uma própria associação, mobilizada pela obra infatigável do Chico da Cohab, agora que não são mais obrigados a vender todo o fruto do próprio trabalho ao patrão, aos preços por ele estabelecidos.
Assim eles vão vivendo suas vidas no meio daquelas florestas e matas, em casas de taipa sem energia elétrica e sem água corrente.
Comer juntos, cutia no leite de babaçu, recém caçada. Fornos para a mandioca, cestas e portas de palha de coco, observar o pequeno mundo das comunidades que fica exatamente sobre o sutil limite entre subdesenvolvimento e vivencia harmônica.
Mas essas comunidades continuam a ser cercadas pelos campos monotemáticos da soja. Terras são compradas, terras são vendidas por quem não agüenta mais as pressões. E as chapadas, áreas tradicionalmente abertas e usadas coletivamente para a alimentação da pequena criação, são, primeiro, desmatadas por meio de correntões e depois cercadas. Só o gado dos proprietários pode circular, como testemunha irritado o seu Francisco da comunidade Gameleira. A alimentação das comunidades vai perdendo sua variedade de oferta de proteínas animais.
Mas então onde ficam os bacurizeiros?
Desce e vai subindo de novo. Cerrado, cerradão, carrascos e capoeiras. O ar fica mais leve, o sol mais próximo. Os bacurizeiros persistem, majestosos, começam já a segurar seu frutos que todos esperam.
Continuar pulando sobre a moto; a tarde já desceu quando encontramos o desmatamento, o deserto negro das derrubadas, e uma longa fileira de fornos para fazer carvão com suas pequenas bocas mudas.
Essa é a área de Santa Fé onde ficavam os bacurizeiros, muitos, em volta de 50.000 pés. A comunidade da Vila dos Caboclos, que lá colhia, está arrasada. O senhor Alfonso diz que aquela área tinha uma produção recorde. Uma outra moradora confirma: em algumas safras abençoadas chegava a colher até 900 bacuris por dia. Mas os olhos de quem comprou a terra não enxergaram nada disso: não enxergaram as comunidades, não enxergaram os bacurizeiros. Sobram só alguns tocos, no meio da imensidão desmatada, em uma área bem próxima a um olho d´água.
Era ai, que ficavam os bacuris. Muitos.
O ar fica mais leve na chapada, o sol mais próximo. O caminho é longo e vamos ficando cansados. Seguimos pra frente, tem muito pra fazer.
Amanda Freire, cientista política e colaboradora Fórum Carajás.
Esse texto faz parte do programa Territórios Livres do Baixo Parnaíba, apoiado pela ICCO e realizado de forma conjunta com a SMDH, CCN e Fórum em Defesa do Baixo Parnaíba.
* Artigo enviado pelo Fórum Carajás
[EcoDebate, 14/11/2008]
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