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Sentença de morte, artigo de Oded Grajew

Poluição em São Paulo, foto de arquivo
Poluição em São Paulo, foto de arquivo

O acordo judicial foi uma sentença de morte e um estímulo à impunidade. A sociedade brasileira deve cobrar explicações

[Folha de S.Paulo] EM OUTUBRO de 2002, o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) emitiu a resolução 315 determinando que, a partir de janeiro de 2009, a quantidade de enxofre no diesel baixasse de 2.000 ppm -quando vendido nas áreas não urbanas (70% do total)- e de 500 ppm -vendido nas áreas metropolitanas- para 50 ppm. Nos EUA, por exemplo, essa proporção é de 15 ppm; na Europa, de 10 ppm; e, em alguns países da América Latina, já é de 50 ppm.

O Conama determinou também que a indústria automobilística passasse a comercializar a partir da mesma data motores menos poluidores (Euro 4). A resolução se deve ao terrível impacto que as partículas de enxofre têm sobre a saúde pública, sendo responsáveis por graves doenças pulmonares e pela morte prematura (sobretudo de crianças e idosos) de cerca de 3.000 pessoas por ano na cidade de São Paulo e de 10 mil nas principais regiões metropolitanas do país.

Embora tivessem quase sete anos para se prepararem, a Petrobras e a Anfavea (representando a indústria automobilística) declararam que não irão cumprir a resolução, apesar de a Petrobras possuir imensos recursos financeiros e tecnológicos e as indústrias automobilísticas fabricarem os motores da geração Euro 4 nos seus países de origem e mesmo no Brasil (só que apenas para exportação).

Ao assumir o Ministério do Meio Ambiente, Carlos Minc disse publicamente que seria inadmissível o descumprimento da resolução. Pouco a pouco, atemorizando-se diante das pressões econômicas e políticas, mudou de atitude e, em vez de continuar exigindo o cumprimento, enviou o caso para o Ministério Público.

A promotora Ana Cristina Bandeira Lins, encarregada de conduzir o processo, adotou inicialmente, em declarações e entrevistas, uma atitude firme pelo cumprimento integral da resolução. Pouco a pouco se recolheu, passou a não atender a mídia, afastou qualquer contato com a sociedade civil, negociando basicamente com Petrobras, Anfavea e Minc.

Diante da mobilização e pressão de várias organizações sociais que tentavam evitar um péssimo acordo, o ministro Carlos Minc se comprometeu a promover uma audiência pública com a sociedade civil antes da assinatura de qualquer acordo judicial. Mas não cumpriu sua promessa.

A promotora Ana Cristina aceitou praticamente todas as propostas da Petrobras e da Anfavea (por exemplo, só em 2014 o diesel 2.000 ppm será substituído totalmente pelo diesel 500 ppm -o mesmo que hoje já circula nas regiões metropolitanas) e impôs compensações pífias (doação de um laboratório e campanha educativa para regulagem de motores).

Todos os leitores deste artigo e suas famílias, especialmente se estiverem morando em algum centro urbano, terão a saúde afetada por essa decisão. Desse episódio, ficam uma pergunta e algumas conclusões.

1) Quem pagará pelas graves doenças pulmonares e pelas mortes resultantes do descumprimento da resolução 315 do Conama? A Faculdade de Medicina da USP estima em U$ 400 milhões por ano o custo para o SUS apenas na cidade de São Paulo.

2) Descumprir a legislação ainda compensa no Brasil para quem tem poder político e econômico.

3) A promotora Ana Cristina B. Lins, ao aceitar acordo tão lesivo à saúde pública, ao cobrar um preço baixíssimo pelo desrespeito à legislação, ao recusar qualquer diálogo com a sociedade civil, arranhou a imagem do Ministério Público, instituição tão importante para a democracia e a defesa dos direitos humanos no Brasil.

4) Há ainda empresas que confundem responsabilidade social com marketing, com patrocínios e ações filantrópicas, e não entendem que a ética deve se estender a todas as atividades produtivas e, de forma igual, a todos os países em que atuam.

5) O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, não deveria aceitar passivamente pagar a conta em doenças, vidas e recursos, mas exigir o cumprimento integral da resolução.

6) O ministro Minc, por descumprir a palavra e por se mostrar tão vulnerável a pressões econômicas e políticas, perde importante patrimônio para um servidor público: a credibilidade, a confiança e o respeito da sociedade. Não se confundem ações pirotécnicas e performances midiáticas com real compromisso com o meio ambiente, a saúde pública e a ética.

O acordo judicial foi, na realidade, uma sentença de morte para milhares de brasileiros e um estímulo à impunidade. A sociedade brasileira deve cobrar explicações e responsabilidade de quem patrocinou, participou, assinou e compactuou com essa lamentável decisão.

ODED GRAJEW , 64, empresário, é um dos integrantes do Movimento Nossa São Paulo e presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. É idealizador do Fórum Social Mundial e idealizador e ex-presidente da Fundação Abrinq. Foi assessor especial do presidente da República (2003).

Artigo originalmente publicado na Folha de S.Paulo, 13/11/2008.

[EcoDebate, 14/11/2008]

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3 thoughts on “Sentença de morte, artigo de Oded Grajew

  • Personalidade tão famosa e respeitada deveria aprofundar o exame do assunto para, somente após, emitir sua conclusão. O exame afoito e perfunctório de questões altamente complexas e intrincadas não permite simples condenação daqueles que efetivamente estudaram para encontar soluções, dentre todas as pressões existentes, não podendo tais partícipes do acordo serem considerados debilóides ou irresponsáveis. No afã de simplesmente condenar, o artigo demonstra que não houve interesse de analisar os vários aspectos da questão, basicamente relacionados à falta de regulamentação, pelo Poder Público Federal, de pressupostos para o cumprimento da Resolução CONAMA 315. Como exemplo, cito os seguintes: 1) a especificação do diesel veio a lume em outubro de 2007, sendo certo que as montadoras têm o prazo legal de 3 anos para desenvolver os produtos; 2) a questão da uréia, necessária para o uso correto do S-50, não foi, até hoje, regulamentada; 3) a distribuição do novo diesel em todo o território nacional não foi até hoje regulamentada, sendo necessários tanques e dutos específicos para o combustível, sob pena de contaminação; 4) a ANP reconheceu que o diesel especificado não existe; 5) os motores no Brasil são adaptados ao nosso clima e as emissões guardam relação com as específicas condições locais, matéria sequer aventada na legislação. Em suma, concluiu-se, fundadamente, pela inviabilidade de implantação da fase P-6 do PROCONVE buscando-se, ao invés de um bom processo judicial de 10/15 anos de discussão sem nenhuma solução, algum ganho ambiental, mesmo que baixo e, principalmente, o equacionamento desses e de vários outros aspectos para que a redução das emissões seja, de fato, uma realidade medida, sentida e percebida, nos próximos anos.
    Criticar é sempre muito fácil.

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