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Mudar é mais fácil do que evoluir


Segundo Michael Donoghue, da Universidade Yale, corredores ecológicos são fundamentais para determinar a distribuição das espécies. Entender essa dinâmica é importante para avaliar o impacto das mudanças climáticas na biodiversidade (Foto: Eduardo Cesar)

Em suas pesquisas, o professor Michael Donoghue, do Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade Yale, nos Estados Unidos, procura entender por que existem mais espécies em certas áreas do planeta e quais são os fatores ecológicos e evolutivos que explicam os padrões de distribuição dos organismos.

De acordo com o biólogo, unindo os estudos sobre biodiversidade e evolução será possível compreender melhor essa dinâmica e fazer previsões sobre os futuros impactos das mudanças climáticas na distribuição das espécies. Donoghue também é diretor do Museu Peabody, fundado em 1866, um dos mais antigos museus de história natural no mundo.

Os estudos do norte-americano indicam que, quando uma mudança climática ocorre em determinado ambiente, a evolução pode se encarregar da adaptação das espécies locais. Mas é mais provável, de acordo com ele, que a área vá receber novas espécies, já adaptadas ao novo clima em outros locais – contanto que existam corredores que permitam essa migração.

O problema, segundo ele, é que a ação humana causou uma fragmentação da paisagem sem precedentes, dificultando a comparação com períodos anteriores de mudanças climáticas. Esse problema, aliado à escassez de dados biológicos, torna as previsões extremamente difíceis.

Em visita ao Brasil para participar do simpósio “Biologia evolutiva e conservação da biodiversidade: aspectos científicos e sociais”, na sede da FAPESP, em São Paulo, Donoghue concedeu à Agência FAPESP a seguinte entrevista:

Agência FAPESP – Um dos focos centrais de seu trabalho é compreender por que existem mais espécies em algumas áreas do planeta do que em outras. Por que é tão difícil entender essa distribuição?
Michael Donoghue – Há muitos anos estudamos a biodiversidade, mas ainda temos muito poucos elementos para responder a perguntas como essa. Por exemplo, não sabemos quantas espécies existem na Terra. Na realidade, não temos a menor idéia. Há cerca de 1,8 milhão de espécies descritas, mas estima-se que existam mais de 10 milhões ainda desconhecidas. Não conhecemos, provavelmente, mais que 10% ou 20% do total das espécies na Terra. Então é muito difícil responder a esse tipo de pergunta, porque nosso conhecimento é muito limitado.

Agência FAPESP – Também não há dados suficientes sobre a distribuição das espécies conhecidas?
Donoghue – Sabemos muito pouco sobre isso. Se eu apontar para um animal específico e perguntar onde aquela espécie está distribuída na Terra, a resposta mais freqüente será “não se sabe”. Não temos um inventário integrado que dê uma boa noção de onde os organismos vivem. Isso é especialmente verdadeiro para microrganismos. Temos realmente muito pouca noção de quantas espécies de microrganismos existem e onde elas estão distribuídas. Tentamos responder a essas questões muito amplas e temos que lidar com muitas lacunas de informação. Há muita informação básica que simplesmente não temos.

Agência FAPESP – Por que seria importante responder a esse tipo de questão?
Donoghue – Se pudermos determinar com mais precisão o número de espécies e onde elas vivem, talvez possamos ter melhores respostas sobre as mudanças que elas sofrerão no futuro. Esse tipo de informação nos colocará em posição muito melhor para fazer previsões sobre o futuro da biodiversidade.

Agência FAPESP – Que tipo de pesquisa precisa ser feita para compreender por que há mais espécies em determinados lugares do planeta?
Donoghue – Para explicar os padrões de biodiversidade é preciso conectar diversas áreas do conhecimento, unindo especialmente a biologia evolutiva e a ecologia. Precisaremos saber o máximo que pudermos sobre a ecologia desses organismos, mas também sobre sua história evolutiva, em que lugares suas linhagens tiveram origem e por quanto tempo ocuparam determinada área. Para construir essa biogeografia histórica, temos que unir muitos métodos diferentes – moleculares e ecológicos – que precisam ser integrados. A combinação dessas informações provavelmente dará as melhores respostas.

Agência FAPESP – Essa combinação nunca foi feita?
Donoghue – Até agora, ao observar a biodiversidade, os padrões de distribuição e por que há mais espécies nos trópicos, a ênfase tem sido dada principalmente nas características ecológicas. O que estamos tentando fazer é trazer essas informações para a história evolutiva. E acho que isso pode dar um quadro mais refinado.

Agência FAPESP – Além do inegável avanço científico, essa combinação de conhecimentos teria implicações importantes para a aplicação?
Donoghue – Tem imensas implicações, porque neste momento estamos enfrentando vários desafios ambientais. Temos a destruição dos hábitats, o desmatamento, espécies invasoras de diferentes áreas e as mudanças climáticas globais. Tudo isso terá efeito sobre a biodiversidade e sua distribuição. E isso é muito importante de entender. Gostaríamos de fazer previsões sobre o que acontecerá com a biodiversidade onde houver mudanças climáticas. Os organismos vão apenas se mudar, outras espécies vão se extinguir, outras vão se originar? É o tipo de questão que teremos que responder.

Agência FAPESP – O conhecimento sobre períodos anteriores de mudanças climáticas também pode contribuir para tornar essas previsões mais precisas?
Donoghue – É claro que no passado houve vários episódios de mudança climática e, portanto, esse conhecimento nos dará condições de começar a ter alguma idéia sobre as conseqüências que podem ocorrer. Mas a tarefa de fazer previsões atualmente é mais difícil do que nunca, porque estamos em um momento crítico. O ser humano construiu cidades e expandiu a agricultura, fragmentando a paisagem em um nível inédito. Isso dificulta qualquer analogia com o que ocorreu anteriormente. Mesmo melhorando o conhecimento do passado será mais difícil projetá-lo para o futuro.

Agência FAPESP – Seus estudos indicam que é mais fácil para as espécies mudar de lugar do que evoluir. Poderia explicar essa idéia?
Donoghue – Se isolarmos uma montanha, fechando suas bases, as espécies que vivem na parte baixa podem evoluir e criar habilidades para viver no topo. Essa seria uma maneira de se ter novas espécies no topo da montanha: elas fariam adaptações. Isso certamente ocorre. Mas, com freqüência, o que acontece é que os organismos já estão adaptados a viver em um clima semelhante, mas desenvolveram essas adaptações em algum outro lugar. E aí eles simplesmente se mudam e tomam posse da nova montanha, antes que os organismos tenham chance de ir para cima. Os estudos mostram que é mais fácil mudar para uma área que desenvolver adaptações.

Agência FAPESP – Por que esses organismos mudam de ambiente?
Donoghue – Algumas das mudanças são apenas por acaso, são circunstanciais. Mas na maior parte das vezes trata-se de mudança climática. Os climas estão mudando e há novos ambientes ficando disponíveis. Quando há a origem de uma nova montanha, também temos um novo ambiente. E se os organismos tiverem um corredor disponível, alguma passagem para alcançar esse novo ambiente, eles se mudam para lá e assumem o local. A questão então é: qual é o balanço, o equilíbrio entre as mudanças e as adaptações dos organismos? Isso é muito crítico também para se fazer previsões sobre o futuro. Quando o clima muda, há uma evolução rápida para se adaptar ao novo clima, ou há simplesmente um remanejamento de organismos para outras áreas? O que sugiro é que não acontece uma evolução rápida. Em vez disso, os organismos se mudam. Mas para isso é preciso que haja um corredor. E agora os humanos estão tornando isso difícil porque estamos fragmentando a paisagem natural.

Entrevista realizada por Fábio de Castro, da Agência FAPESP e publicada no EcoDebate, 14/11/2008.

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