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Entrevista com Michael Jenkins: Conservação da natureza pode ser lucrativa

[Interview with Michael Jenkins: nature conservation can be profitable]

Trecho da floresta amazônica
Trecho da floresta amazônica

Por muito tempo, o discurso em defesa do meio ambiente tentava sensibilizar as pessoas pela importância que matas, rios e biodiversidade têm para toda a humanidade, seja no seqüestro de carbono, na regulação do clima, no fornecimento de água limpa e até mesmo na eventual possibilidade de se encontrar em plantas e animais a cura para as mais diversas doenças.

O pensamento continua o mesmo, mas agora se percebeu que o apelo tem de ser mais pragmático. É necessário pagar para poder conservar. E também é possível lucrar com conservação. O tema é explorado em caderno especial que circulou com a edição desta quinta-feira, 6, no O Estado de S. Paulo. Abaixo, está a íntegra da entrevista sobre o assunto concedida ao Estado por Michael Jenkins, ambientalista e presidente da ONG Forest Trends. Por Giovana Girardi, de O Estado de S. Paulo.

Como é possível calcular o valor do ambiente?

Nos últimos 10 anos vários trabalhos tentaram mostrar o valor do ambiente. Mas na Forest Trends estamos focando mais em transações em mercados que vão dar o sinal de quanto as pessoas estão dispostas a pagar pelos serviços ambientais. Acho que no momento é menos importante agora saber qual é o potencial valor do ambiente e mais demonstrar na prática o quanto as pessoas estão dispostas a pagar, seja sequestro de carbono, água limpa, biodiversidade de espécies.

E as pessoas estão convencidas de que é necessário pagar por isso?

Sim. Infelizmente, sempre há uma relação entre uma crise que acaba com alguma coisa e pessoas querendo pagar por isso. A crise climática e a emissão de carbono estão colocando um preço real nesse desafio, reconhecendo o papel que a floresta desempenha no seqüestro e no armazenamento de carbono. O preço é estabelecido ali, mas só porque temos uma crise. O mesmo é verdade para água. Onde há estresse hídrico, pessoas estão mais propensas a investir naquela água. A escassez determina o valor.

Mesmo os países mais pobres?

Sim. A Tanzânia, por exemplo, que é um dos países do sudeste da África com uma das maiores pressões por água, tem muito interesse em desenvolver programas para recompensar pessoas por proteger nascentes de água e a qualidade de água para a capital Dar es Salam. A cidade é dependente da água que vem das montanhas do leste. Estão interessados em desenvolver programa que incentive os donos de terras com nascentes em suas terras a protegê-las, para que água limpa possa chegar a Dar es Salaam, para agricultura, consumo humano. Água é um exemplo bem claro de que um mercado está emergindo rapidamente por causa da escassez.

Água tem esse apelo de ser uma necessidade humana. Mas o senhor acha que as pessoas tem essa mesma compreensão para florestas, por exemplo?

Acho que há mais e mais compreensão do papel da floresta na estabilização do clima. Por isso, temos esse novo mercado surgindo, o RED, que significa redução de emissões pelo desmatamento. Há um claro entendimento de cientistas e políticos de que precisamos reduzir nossas emissões de carbono, e a floresta desempenha um papel muito importante no equilíbrio de carbono. Então esse é outro exemplo sobre em que espaço de carbono nos já estamos.

O senhor acredita que o RED será incorporado na reunião do clima da ONU no ano que vem para o acordo pós-Kyoto?

Sim. Acho que em Copenhague, onde ocorrerá a próxima reunião da COP, em 2009, o RED será uma parte central da negociação. E acho muito importante se pensar o RED como um outro tipo de instrumento direcionado para tratar o problema das emissões de carbono e a conexão que a floresta tem com esses problemas. Nós já temos desde Kyoto a habilidade de engajar em mercados e comércios em torno do reflorestamento. Então, prevenir o desflorestamento é outra chave lógica para o papel que a floresta desempenha. Quando você pensa em RED, é só um mecanismo que faz parte do conjunto total de ferramentas de que precisamos para reduzir o nível de emissão que temos hoje. E na minha perspectiva, deveria ser mais dentro de um mecanismo de mercado, porque só dessa maneira é possível levantar os recursos necessários para tratar a questão da perda de florestas em todo o mundo.

O discurso ambientalista tem mudado. Não é mais uma questão de só dizer coisas como: ”É importante preservar porque na biodiversidade amazônica podemos achar a cura do câncer” ou algo assim. Agora precisamos pagar para poder conservar?

Acho que nos últimos 50 anos, nós temos tentado convencer o mundo de que a infra-estrutura natural do planeta, as florestas, os rios, os corais etc, tudo isso é crítico para o mundo de muitas maneiras. Nos últimos 50 anos, nós temos perdido essa batalha porque as forças econômicas ao nosso redor em desenvolvimento, como a produção de soja, foram mais atrativas a investimentos do que florestas. Por isso, o conceito básico é que temos de tornar as florestas tão valiosas ou mais valiosas do que todos os outros usos concorrentes para as áreas em que elas estão. Se você consegue fazer a floresta ter o mesmo valor da soja, então eu e você como donos de áreas que têm florestas vamos pensar em manter as florestas por seus valores adicionais, acima dos valores financeiros. Mas se os valores não são iguais, a experiência dos últimos 50 anos indica que a floresta será cortada e a terra, convertida para outro uso. Acho que fundamentalmente temos de fazer conservação acima de como fazemos negócios globalmente. Se não fizermos uma conexão, continuaremos a perder a batalha de manter floresta e outros sistemas.

O senhor acha que esse mercado funcionaria como o mercado de carbono?

Cada um desses mercados tem uma ampla gama do que chamamos de serviços de mercado de ecossistemas. Há categorias principais: carbono, água e biodiversidade. Cada uma delas tem um leque de instrumentos diferentes. Por exemplo, estávamos falando de RED, e é um instrumento de mercado (de carbono). Há ainda nos mercados de água e de biodiversidade um número de diferentes de tipos de negociação.

Os mercados de carbono são globais, e a natureza, é uma commodity global perfeita, afinal é uma atmosfera. Não importa se você negocia dentro da mesma atmosfera. A água é mais regional, baseada em bacias hidrográficas. E é dessa forma que esse mercado vai se desenvolver. E o mercado de biodiversidade pode ser ou local ou global. O mercado de carbono pode ser o maior mercado de commodities do mundo. O de biodiversidade tende a ser menor, mas será igualmente importante nas questões locais como o de carbono.

Nos rastreamos cerca de 24 diferentes tipos de mercados de ecossistemas. Cada um deles tem características diferentes de escala e funcionamento. É quase como pensar em uma caixa de ferramentas. Não é um mercado, há uma linha toda de mercados diferentes e é preciso entender como eles funcionam.

Mas quanto falta ainda para essa “caixa de ferramentas” de mercados começar a funcionar?

Acho que estamos bem perto. Os mercados de carbono estão se movendo muito rapidamente. A iniciativa do RED vai acelerar a inclusão de florestas nos mercados de carbono. Acho que estamos a 3 ou 4 anos de um mercado de floresta/carbono bem robusto. Temos um programa aqui na Forest Trends chamado Ecosystem Marketplace que rastreia cada um desses diferentes mercados. Eles provavelmente valem 100 milhões de dólares em transações que envolvam carbono/floresta. Já tem atividade ocorrendo, mesmo com o RED ainda não acordado. Nós veremos o mercado de água crescer rapidamente nos próximos anos pela escassez hídrica. Os mercados de biodiversidade estão se desenvolvendo nos EUA por exemplo, e em outras parte do mundo como Austrália. E eles se desenvolverão um pouco mais lentamente.

O mercado de carbono será o primeiro. Em três anos estaremos em uma onda muito grande. O mercado de água estará logo atrás. De algumas maneiras, será mais importante que o mercado de carbono, porque nunca vamos achar um substituto para a água. Teremos de trabalhar com ela enquanto estivermos por aqui. Já o carbono o que tentaremos fazer é nos afastar de uma economia baseada nele.

Então daqui a 50 anos nenhum de nós vai estar dirigindo carros, e portanto o mercado de carbono será menos importante. Mas daqui a 50 anos nós ainda estaremos bebendo água. Logo, o mercado de qualidade da água será mais importante.

E como o senhor acha que o tema da conservação será inserido em um momento de crise como o atual? As pessoas e países darão seguimento ao isso ou poderá haver uma interrupção?

É uma questão muito boa, porque estamos nessa incrível crise financeira global. Será que vai haver continuidade do apoio para conservação? Acho que é um perfeito exemplo do porquê precisamos nos afastar dos modelos tradicionais dos quais dependemos, que se baseiam na habilidade do governo de pagar por isso, ou doações de fundações para apoiar a atividade, para um modelo em que a conservação se torna parte da maneira que fazemos negócio, realmente parte da medida do desenvolvimento sustentável.

Essa é a exata razão, porque agora as fontes de financiamento tradicionais, governo e fundações, estão tendo dificuldades, o dinheiro pode ser reduzido. Não acho que isso ocorra, entretanto, porque o meio ambiente, em geral, é uma questão primordial, não é mais a 15ª preocupação da lista. A mudança climática e a crise da água estão se tornando as principais questões/problemas de governos e outros setores. Enquanto estamos passando por esse revés econômico doloroso, não vamos nos afastar dos problemas globais do meio ambiente, como mudança climática ou perda de recursos naturais como água, ou perda de biodiversidade, de modo que o apoio permanecerá. Mas para mim é mais importante ter esses novos instrumentos para trazer novas receitas para os problemas.

Como conseguir isso?

Estamos nos comunicando com instituições financeiras e empresas e tentando convencê-las a pagar por serviços que já foram gratuitos no passado, como água limpa, a possibilidade de poluir o ar. E uma maneira que usamos para explicar a questão é que o ecossistema é a infra-estrutura natural do planeta. Todos na sociedade entendem que temos de construir infra-estrutura, como estradas, hospitais etc. Nós temos igualmente de investir na infra-estrutura natural do planeta. Temos de começar a descrever os produtos e serviços de conservação do planeta em termos que homens de negócios possam entender.

O senhor também poderia dizer para empresários que conservação pode ser lucrativa.

Exato. Água limpa pode ser uma maneira de gerar lucro assim como soja. E será mais e mais importante na medida em que serviços como ar limpo, água limpa e biodiversidade se tornarem cada vez mais raros e ameaçados. E caros.

Matéria do O Estado de S.Paulo, publicada pelo Estadao.com.br, quarta-feira, 5 de novembro de 2008, 20:20

[EcoDebate, 06/11/2008]

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