Uma nova agenda para o ambientalismo? artigo de Angela Alonso
[A new agenda for environmentalism? Article by Angela Alonso]
SXC
O sucesso do PV na eleição do Rio mostra que a via eleitoral pode ser estratégia eficaz para o ativismo verde nos anos 2000
[Folha de S.Paulo] “FAÇA AMOR , não faça guerra” e “saudações ecolibertárias” eram slogans de que Fernando Gabeira e Carlos Minc usavam e abusavam na virada dos anos 70 para os 80. Essa pegada de crítica cultural à sociedade capitalista alimentava um socialismo que boa parte da esquerda “séria” considerava “festivo”. Ninguém decerto imaginava naquela hora que os dois verdes fossem sair das bordas da oposição ao regime militar para ir parar um no ministério, o outro quase na prefeitura de uma das grandes metrópoles do país.
O ano de 2008 trouxe essa surpresa para quem acompanha a trajetória do movimento ambientalista brasileiro.
Aliás, duas surpresas.
A primeira diz respeito à forma de organização preferencial dos ambientalistas entre nós. Em meados dos anos 80, eles brigaram muito tentando decidir qual a melhor estratégia para levar avante seu proselitismo.
Diante da iminência da Constituinte, gente como Gabeira e Minc defendia que os verdes deviam seguir a trilha de outros movimentos sociais formados no processo de redemocratização e fundar um partido político.
Mas a maioria dos ambientalistas suspeitava que a partidarização significasse um engessamento, uma burocratização do movimento. Preferiram, por isso, manter-se no âmbito da sociedade civil, lançando candidatos por partidos de esquerda ou apoiando políticos simpáticos à sua causa.
Nessa queda-de-braço entre partidarizar ou não o ativismo ambientalista, o grupo de Gabeira e Minc perdeu. É certo que formaram o Partido Verde, mas não angariaram apoio eleitoral e tiveram de acompanhar o debate do lado de fora do Congresso.
Já os ambientalistas que apostaram em manter suas associações civis elegeram Fabio Feldmann e o alçaram a grande articulador da questão na Assembléia Constituinte -ao final da qual a proteção ambiental foi parar na letra da lei.
Daí por diante, o movimento ambientalista centrou fogo na estratégia bem-sucedida e fortaleceu seu associativismo no plano da sociedade civil, multiplicando organizações, grupos e redes. Ficou, assim, minguada e residual a estratégia de partidarização dos verdes.
Contudo, e essa é a surpresa a que me refiro, o sucesso do PV na eleição municipal do Rio de Janeiro mostra que a via eleitoral, descartada pela maioria do movimento ambientalista, pode, sim, ser estratégia eficaz para o ativismo verde nos anos 2000.
A campanha de Gabeira e a chegada de Minc ao Ministério do Meio Ambiente também anunciam, e essa é a segunda novidade, uma inflexão de agenda.
Nos anos 70 e 80, os ambientalistas brasileiros se concentraram numa crítica ampla à sociedade capitalista: da poluição ao estilo de vida acoplado à sociedade de consumo, passando pela desigualdade social. Falavam de uma “sociedade alternativa”, na qual as tecnologias limpas andavam de mãos dadas com os direitos das minorias e cujo ponto de fuga era uma sonhada revolução cultural e comportamental. Um programa que associava, à maneira européia, questão ambiental e questão urbana.
Essa tônica sumiu na década seguinte, quando a maioria dos verdes brasileiros migrou para a floresta.
Durante a Rio 92, os verdes ganharam a modulação dos “marrons”: movimentos sociais de seringueiros, de barragens e os vinculados aos direitos de povos indígenas que se convertiam ao ambientalismo. Com eles, subiu ao primeiro plano o tema dos “povos da floresta”, a associação entre meio ambiente e grupos sociais vivendo nele e dele, de que Chico Mendes, primeiro, e Marina Silva, depois, se tornaram emblema.
A nova abordagem atraiu financiamentos internacionais para projetos de “desenvolvimento sustentável” e de proteção à “biodiversidade” e fomentou dezenas de novas associações, algumas altamente profissionalizadas, voltadas para gerir reservas florestais. Com isso, as questões urbanas e o estilo de vida associado à sociedade de consumo foram relegados ao segundo plano no debate público sobre a questão ambiental no Brasil.
A ascensão política de Gabeira e Minc repõe essa agenda. Porém, o apoio que recebem vem justamente da classe média urbana de alta escolaridade -de quem, as pesquisas de opinião mostraram, Gabeira arrancou mais votos-, isto é, do grupo cujo estilo de vida seria potencialmente mais atingido pela implantação do programa do Partido Verde.
A pergunta que fica, então, é: caso continuem alcançando cargos de comando, os verdes terão força para implementar sua agenda ou ficarão no plano das “saudações ecolibertárias”?
ANGELA ALONSO, 39, doutora em sociologia, é professora de sociologia da USP e coordenadora da área de Conflitos Ambientais do Cebrap. É autora, com Sergio Costa e Sergio Tomioka, de “Modernização Negociada: Expansão Viária e Riscos Ambientais no Brasil”, entre outros livros.
Artigo originalmente publicado na Folha de S.Paulo, 29/10/2008.
[EcoDebate, 30/10/2008]
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