Laboratórios estimulam uso não-aprovado de remédios
[Laboratories encourage use of non-approved drugs]
Estudos apontam que prescrição de droga para fim diferente do autorizado apresenta risco
Um estudo divulgado ontem na revista científica Public Library of Science Medicine (PLoS, www.plosmedicine.org) apresenta técnicas utilizadas por indústrias farmacêuticas nos Estados Unidos para promover o uso de remédios para fins diferentes dos que justificaram sua autorização pelas agências de vigilância sanitária, prática conhecida no jargão médico como uso off-label de medicamentos. Em geral, os médicos têm liberdade para prescrever o uso off-label. As empresas farmacêuticas, no entanto, só podem promover seus produtos para os fins aprovados pelas agências. Por Alexandre Gonçalves, no O Estado de S.Paulo, 29/10/2008.
Segundo o trabalho, as empresas estimulam pesquisas clínicas que comprovariam a eficácia da droga para usos alternativos. Depois, influenciam o discurso, em congressos, dos “formadores de opinião” – médicos de prestígio que dão credibilidade aos resultados obtidos, pois não são funcionários diretos das empresas. Também financiam a publicação de “separatas de artigos científicos”, coletâneas que só trazem dados positivos sobre o uso off-label.
A pesquisa cita o exemplo da gabapentina. A empresa responsável pelo remédio pagou o equivalente a R$ 910 milhões em multas e indenizações, pois foi comprovada a promoção do uso off-label. A gabapentina é usada no tratamento da epilepsia, mas foi associada a cerca de dez aplicações off-label, entre elas, transtorno bipolar.
Ao Estado, a pesquisadora da Universidade Georgetown, Adriane Fugh-Berman, principal autora do artigo, afirmou que, muitas vezes, o uso off-label é “necessário ou desejável”, principalmente quando não há alternativas terapêuticas aprovadas para a doença ou para a população que necessita do tratamento (por exemplo, crianças, idosos ou gestantes).
Para que o uso off-label seja considerado ético, Adriane aponta que as indústrias não deveriam exercer qualquer influência sobre a formação médica. “Somente médicos sem conflitos de interesse com farmacêuticas poderiam educar outros médicos”, afirma a pesquisadora.
O presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica, Antonio Carlos Lopes, aponta que o País sofre com o excesso de faculdades de medicina e a falta de profissionais qualificados para lecionar. “Nesse contexto, ?propagandistas? assumem o lugar dos professores”, afirma Lopes. “Os alunos não aprendem a diferenciar estudos confiáveis de publicidade.”
O secretário executivo da Sociedade Brasileira de Vigilância de Medicamentos (Sobravime), José Ruben Bonfim, concorda. “Os médicos devem se habituar a consultar os boletins farmacológicos independentes e os sites das agências internacionais de vigilância. Não podem depender apenas das informações da indústria”, aponta Bonfim.
Para Dominique Levêque, da Universidade de Estrasburgo (França), os governos devem oferecer benefícios para as empresas que investem em pesquisas para ampliação do uso autorizado dos seus remédios. Levêque publicou anteontem uma pesquisa na revista The Lancet Oncology que mostrava como até 33% dos medicamentos utilizados em alguns tratamentos de câncer têm prescrição off-label.
A pesquisadora Sandra Brassica, da Faculdade de Saúde Pública da USP, lembra que o governo americano oferece extensão para as patentes de remédios com pesquisas clínicas que fundamentem o uso pediátrico autorizado dos medicamentos.
Em 2004, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) alertou sobre casos de morte de mulheres, por falência hepática, em razão do uso contra acne de uma droga indicada no País apenas para casos graves de câncer de próstata. Na época, dermatologistas renomados disseram que não estava clara a associação entre as mortes e a droga e afirmaram que exames de acompanhamento evitariam problemas com o uso dermatológico do medicamento.
[EcoDebate, 30/10/2008]
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