RJ: Para limpar baías e lagoas, governo vai usar rios e galerias pluviais como redes de esgoto
Foto de arquivo EcoDebate
O sistema de saneamento convencional – com tubulações distintas para esgoto e água pluvial – foi para o ralo.
Diante da dificuldade de fazer ligações da rede coletora às residências em regiões de maior aglomeração, como as favelas, o governo do Rio anunciou que dará prioridade a tecnologias de saneamento de tempo seco, que levam esse nome por só funcionarem em dias sem chuva. As verbas serão direcionadas para novas captações em redes pluviais e fluviais contaminadas com esgoto e estações de tratamento de rios poluídos – nos moldes das existentes no Rio Carioca e no Canal da Rocinha. Por Tulio Brandão, do O Globo, 23/10/2008.
Tanto na captação de tempo seco quanto nas novas estações, rios e galerias de águas pluviais poluídas passam a ser tratados como valões. É o preço que o estado vai pagar pela impossibilidade de se fazer a conexão das casas à rede de esgoto convencional em áreas densamente povoadas de baixa renda. Por outro lado, essas tecnologias possibilitam uma melhora na qualidade da água de lagoas, baías e praias. A secretária estadual do Ambiente, Marilene Ramos, anunciou que o estado vai espalhar captações pelos rios e canais que desembocam nas lagoas da Barra e de Jacarepaguá. Estão previstas intervenções nos canais das Taxas e do Cortado, no Arroio Pavuna e no Rio do Anil. Serão projetadas captações no entorno da Baía de Guanabara – em Itaboraí, São Gonçalo, Caxias e Nova Iguaçu.
O investimento nas estações de rio ainda depende de verbas externas. O estado vai sugerir ao Comitê Olímpico Brasileiro que inclua na candidatura às Olimpíadas de 2016 a instalação de seis unidades nos rios mais poluídos da Baía de Guanabara. O projeto, apresentado ao governo pelo biólogo Mário Moscatelli, é considerado pela Secretaria do Ambiente uma solução emergencial para melhorar a qualidade da água da baía a tempo de realizar os jogos. Já a prefeitura do Rio pediu ao COB, entre outras coisas, a implantação dessas estações nas lagoas da Barra: em Rio das Pedras, Anil, Arroio Pavuna e Pavuninha. Marilene defende a expansão do saneamento de “tempo seco” como saída para uma cidade complexa como o Rio: – Esse é um dos três pontos-chave do pacto de saneamento, programa que prevê a coleta de 80% do esgoto do estado nos próximos anos.
Emissário atingirá limite de capacidade
Com a instalação das tomadas de tempo seco em rios e arroios das lagoas da Barra e de Jacarepaguá, o emissário submarino da região vai atingir a vazão de 3.500 litros por segundo – limite de sua capacidade com o equipamento já instalado, segundo Marilene. Já em São Gonçalo e Itaboraí, a poluição captada com a tecnologia seguirá para um emissário terrestre e submarino que a Petrobras terá de construir para levar os efluentes produzidos no Complexo Petroquímico do Estado do Rio. Marilene acredita que o estado entregará as captações de tempo seco prontas em cerca de um ano e meio.
A secretária reconhece, porém, que o novo saneamento não pode ser considerado solução final para o tratamento de esgoto, e sim complementar, à espera da instalação futura de uma rede de esgoto. Para o presidente da Cedae, Wagner Victer, o problema é que, no varejo, ou seja, na ligação de esgoto casa-acasa, o consumidor muitas vezes não faz a conexão: – Por isso, o saneamento de tempo seco costuma ser mais eficaz em grandes concentrações urbanas, sobretudo as de baixa renda.
Autor da idéia de cercar a Baía de Guanabara com estações de rio, o biólogo Mário Moscatelli é pragmático: – Temos que entender que aqueles rios viraram valões a céu aberto.
As unidades de tratamento visam a evitar a exportação desse passivo ambiental para a baía.
CONHEÇA OS SISTEMAS DE SANEAMENTO
Sistema convencional
Existente em quase toda a cidade. Prevê a existência de duas redes independentes – uma de esgoto e outra, pluvial. A maior dificuldade é fazer a ligação de todas as casas abastecidas ao sistema, especialmente em áreas de favela.
COMO SERÁ FEITO
Captação de tempo seco Bombeamento da água contaminada por esgoto da rede pluvial ou de canais e rios para tubulações de esgoto convencional, que levam a emissários ou estações de tratamento.
Estações de tratamento de rio
Todo o volume do rio é tratado através de um sistema de flutuação dos resíduos.
Apesar de apresentar números satisfatórios em outros estados, no Rio de Janeiro essas unidades têm um histórico de problemas.
Especialistas criticam as tecnologias
Secretária defende mudança na legislação
As tecnologias de saneamento de tempo seco não são unanimidade no Rio. A própria secretária estadual do Ambiente, Marilene Ramos, reconhece que as estações de tratamento de rios ainda não deram certo na cidade, fazendo referência às unidades construídas em São Conrado e no Rio Carioca. Ela diz que essas soluções só darão certo caso a Constituição estadual, que permite a cobrança de taxa de esgoto apenas para o saneamento convencional, seja alterada: – Nossas experiências com tratamento de rio não são boas. Não encontramos uma forma de financiar a operação e a manutenção das estações. A única saída é alterar a lei, para permitir que a taxa de esgoto também seja usada para bancar essas tecnologias.
A captação de tempo seco também sofre críticas, especialmente por conta do sucateamento de algumas bombas e do manejo das comportas que regulam a vazão dos canais. Em São Conrado, onde há, além de estação de rio, uma captação de tempo seco, não são raras as línguas negras na areia e no mar. Segundo moradores, a elevatória que bombeia a água do canal para a rede convencional de esgoto vive com problemas. Adacto Ottoni, professor de engenharia sanitária da Uerj, não questiona as captações de tempo seco, mas ataca as estações de rio: – É um atestado de incompetência do poder público. Tecnicamente, é absurdo deixar o esgoto entrar num rio. Se não é possível botar rede coletora nas favelas, então que instalem tubulações que corram pelas margens dos rios, para interceptar o lançamento do esgoto clandestino. As estações só fazem mais sucesso porque são grandes instalações, enquanto a tubulação fica embaixo da terra.
A sanitarista Theresa Rosso lembra o histórico de problemas das unidades de tratamento de rio: – A saída do saneamento é trabalhar as causas do problema, e não as conseqüências. É preciso ter mais soluções preventivas.
No Leblon, um sistema para o bem e para o mal
Em dias de chuva, canal da Visconde de Albuquerque despeja resíduos no mar
O canal da Avenida Visconde de Albuquerque, no Leblon, é um exemplo de como o saneamento a tempo seco funciona para o bem e para o mal. Um sistema formado por uma comporta e uma tubulação (tomada de tempo seco) capta, em dias sem chuva, todo o volume que desce pelo canal, vindo do poluído Rio Rainha e da Lagoa. A água, que desce contaminada pelo esgoto clandestino de casas da região, é retida pela barragem e bombeada para uma tubulação de esgoto convencional e, por sua vez, segue até o emissário submarino de Ipanema, juntamente com os rejeitos da Zona Sul. Quando chove, no entanto, não há saneamento: a comporta do canal se abre e todo o caldo poluído segue direto para o mar da Praia do Leblon, sem qualquer tratamento.
Em São Conrado e no Flamengo, apesar dos constantes problemas de poluição, o saneamento de tempo seco é duplicado. Além da captação parecida com a da Avenida Visconde de Albuquerque – a diferença é que, em vez da comporta, degraus barram a água do Canal da Rocinha e do Rio Carioca -, a água poluída passa pela estação de tratamento de rio, que baixa índices de poluição, como demanda bioquímica de oxigênio, a níveis aceitáveis. As duas unidades também só operam em tempo seco. Quando as captações funcionam, porém, o esgoto é levado para o emissário submarino.
Mesmo em dias de sol, há registros de que esses sistemas de saneamento ficaram fora de operação, por problemas nas elevatórias que bombeiam o esgoto para a rede convencional ou nas estações de tratamento de rio, que têm alto custo de funcionamento e manutenção.
A Cedae informa que opera dezesseis captações de tempo seco na cidade – as mais conhecidas ficam na Avenida Visconde de Albuquerque, no Canal da Rocinha, no Rio Carioca e no entorno da Lagoa Rodrigo de Freitas.
Tradicionalmente, a captação é feita de casa em casa e lançada numa tubulação exclusiva de esgoto.
Esse volume segue para os emissários submarinos de Ipanema e da Barra, e para estações de tratamento que despejam o esgoto na Baía de Guanabara. No entanto, uma parte do esgoto ainda não está ligada a esses dois sistemas. Nesses casos, a poluição é jogada sem qualquer tratamento nas lagoas, rios e baías da cidade.
[EcoDebate, 24/10/2008]
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Primeiro, há uma confusão de conceitos, canal fluvial não é sinônimo de rio. Segundo, lançar esgoto nos rios pra depois tratar os rios é gasto em dobro. Porque não manter o esgoto separado das águas fluviais? Imagina o cheiro dos rios podres como ficará? O poder público investiu e muito no centro para a construção de um sistema de coleta de esgoto civilizado!! PORQUE Não FAZEM O MESMO NAS FAVELAS?? nem que demore mais mas é necessário fazer algo digno e civilizado!! isso sem falar da aberração ambiental!? cadê os ecohistéricos pra protestar contra esse absurdo?