O planeta é o que você come
Os ecotarianos, a tribo do momento, defendem um tipo de alimentação que prejudique o mínimo possível o meio ambiente
Se você tem uma horta no quintal de casa, prefere os alimentos orgânicos e evita comer carne para não contribuir para o desmatamento da Amazônia e o aquecimento global, pode não saber, mas é um ecotariano. O ecotarianismo é a palavra do momento no Hemisfério Norte, especialmente na Inglaterra, onde o termo foi cunhado em 2005 por um grupo de universitários de Oxford. Dá nome a um movimento alimentar que visa, antes mesmo da preferência de cada um pelo sabor de uma comida ou outra, à preservação do meio ambiente. Apoiado no mantra do mundo moderno de que o planeta sofre influências diretas de nossos hábitos de consumo, o ecotariano prefere alimentos in natura, orgânicos, produzidos próximo de sua casa e, em grande parte das vezes, não come carne. “Quem busca minimizar a sua “pegada ecológica”, se preocupa em saber como foi produzido e transportado o alimento que irá comer”, explica o engenheiro Rubens Born, coordenador executivo da ONG Vitae Civilis. Por Claudia Jordão, da Revista IstoÉ, 2033 – 22/10/2008.
Pegada ecológica é o termo usado para medir o impacto que o consumo de cada um exerce sobre o meio ambiente. Ou seja, por que consumir um tomate encharcado de agrotóxico que vem de longe, se você puder pagar, mesmo que um pouco mais, por um orgânico plantado próximo de sua casa? Afinal, o transporte de alimentos contribui para a diminuição das reservas fósseis do planeta e descarrega grandes quantidades de CO² na atmosfera e o uso de agrotóxicos em plantações contamina a terra, os lençóis freáticos e os rios. “Se peço uma água em Porto Alegre (RS) e me trazem uma garrafa de Campos do Jordão (SP), me recuso a tomar”, diz Born, que, numa situação assim, recorre ao filtro. “Quando vejo pessoas no Brasil comprando água francesa no supermercado, fico chocado ao imaginar quanto de CO² foi emitido no transporte desse produto que há em abundância aqui.”
Outra questão, tão complexa quanto, gira em torno do consumo de carne. “No Brasil, mais de 80% da carne vermelha consumida internamente vem da Amazônia Legal”, diz Lisa Gunn, coordenadora-executiva do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec). “Sem saber, ao comprar seu bife, o consumidor está sendo cúmplice desse desmatamento.” Para ela, a preservação ambiental não deve ser preocupação apenas das instâncias governamentais, mas de todo mundo. “Temos que trazer a realidade do aquecimento global, tão falado e discutido por todos, para o nosso dia-a-dia”, diz. A australiana Cristy Clark, autora do blog www.nopod.blogspot.com, um dos poucos no mundo a dar voz ao ecotarianismo, é vegetariana por questões meramente ecológicas. “A criação de animais gera um impacto ambiental muito maior do que a plantação de verduras e legumes”, diz ela. Além da preservação ambiental, a ética é uma preocupação constante do movimento dos ecotarianos. Eles preferem alimentos oriundos de pequenas propriedades locais, mantidas por famílias, e rejeitam os cultivados a partir de mão-de-obra escrava, por exemplo.
Engana-se, portanto, quem pensa que a vida dessa tribo é fácil. No Brasil, por exemplo, é praticamente impossível saber de onde vem, como foi produzido e transportado o alimento in natura encontrado nas gôndolas dos supermercados. “O brasileiro não consegue exercer a sua responsabilidade por falta de informação”, diz Lisa. Atentos a isso, a Vitae Civilis e o Idec lançaram a campanha “Mude o consumo para não mudar o clima”. Dessa forma, pressionam as principais redes de supermercados do País a informar a procedência da carne que vendem. A legislação brasileira também caminha para proporcionar ao consumidor ferramentas que o auxiliem na hora de comprar pensando no meio ambiente. Uma das cinco instruções normativas que devem sair até o final do ano, regulamentando a Lei de Orgânicos, exige que esses produtos in natura tenham informações no rótulo – ou na própria gôndola do estabalecimento comercial – sobre a procedência do produto que está sendo vendido. Na Europa, onde informações desse tipo são muito fáceis de serem obtidas, as dificuldades são outras. Quem reza pela cartilha dos ecotarianos fica em dúvida na hora de optar pelo tomate plantado em estufa, que gasta energia elétrica, e o que vem de uma cidade vizinha, por exemplo. “Ninguém deve ser radical na hora de definir o que comer”, defende a ecotariana australiana Cristy Clark. “E sim fazer o melhor que pode dentro de suas possibilidades.”
Proprietária do restaurante carioca Celeiro, freqüentado por dez entre dez celebridades globais, Rosa Herz gostaria de poder oferecer a seus clientes só alimentos orgânicos, mas consegue apenas, por enquanto, folhas e temperos livres de agrotóxicos. “É muito difícil para os produtores e para nós”, lamenta Rosa. Ela afirma que quem produz alimentos ecologicamente corretos não tem incentivos do governo e isso reflete na qualidade, quantidade e logística da produção e no preço final do produto. Mesmo assim, a proprietária sempre fez questão de passar para suas filhas, Beatriz e Lúcia, que trabalham com ela no restaurante, a idéia do consumo sustentável. “Fazemos o máximo que podemos para que as pessoas comam bem e, assim, vivam com qualidade”, diz Rosa, no melhor estilo ecotariano.
[EcoDebate, 24/10/2008]
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