Usina no rio Madeira esbarra em tribos indígenas
Funai aponta 5 grupos isolados na área de Santo Antônio, um deles muito perto, e põe cronograma da usina em risco
Há três semanas, máquinas do consórcio Madeira Energia iniciaram as obras para a construção da hidrelétrica de Santo Antônio, no Rio Madeira, em Rondônia, um dos principais empreendimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Mas a obra, orçada em cerca de R$ 10 bilhões e considerada essencial para se evitarem apagões, pode esbarrar em um problema de cunho antropológico e até sofrer atrasos. Por Jailton de Carvalho, do O Globo, 20/10/2008.
Relatório interno da Fundação Nacional do Índio (Funai) obtido pelo GLOBO aponta referências a, pelo menos, cinco grupos de índios isolados na área de abrangência da usina.
Um dos grupos estaria a apenas 14 quilômetros do canteiro central da hidrelétrica. Eles viveriam numa área já considerada de uso restrito, chamada Jacareúba Katawixi. Referências são indicações da existência de grupos indígenas que nunca tiveram contato com nãoiacute;ndios.
Pelo entendimento interno da Funai, índios isolados não devem ser contatados, a menos que estejam sob risco de morte.
Experiências anteriores mostram que o encontro entre índios isolados e não índios é desastroso, devido ao choque cultural e à transmissão de doenças, entre outros problemas.
– Se for constatada a presença dos índios, as obras não seguirão o calendário deles (empresas do consórcio Madeira Energia, as principais sendo a Odebrecht e a estatal federal Furnas) – afirmou Elias Bígio, coordenador-geral de Índios Isolados da Funai.
A informação sobre referências de índios tão próximos do canteiro de obras surpreendeu o gerente de Sustentabilidade do Madeira Energia, Ricardo Márcio, encarregado de ajustar o empreendimento às exigências socioambientais. Márcio disse que sabia das referências aos índios isolados e que o Madeira já se comprometera a financiar as expedições para confirmar a presença deles. Mas ele sustenta que a Funai nunca mencionou indícios da existência de índios em Jacareúba Katawixi.
– Gostaria que a Funai nos formalizasse isso. Quatorze quilômetros não são nada. Isso muda tudo – disse o executivo.
Brasil pode ser condenado por crime, diz sertanista O sertanista Sidney Possuelo, ex-presidente da Funai e um dos maiores especialistas do país no assunto, é ainda mais incisivo.
Para ele, é inaceitável que a Funai tenha concordado com a liberação das obras antes mesmo de iniciar os estudos de campo para checar a presença dos índios na região. Possuelo entende que a construção da hidrelétrica deve ser suspensa imediatamente. Caso contrário, o governo federal pode ser denunciado em tribunais internacionais por um possível massacre de povos indefesos.
– O governo pode ser condenado em fóruns internacionais por ações imprevidentes contra povos indígenas. Por isso, pesa grande responsabilidade para a Funai em bater o pé e dizer: não tem canteiro de obras até que se verifique se os índios existem.
As referências aos índios isolados constam no documento “Plano de Trabalho”, elaborado pelos servidores da Funai Ester Silveira, Antenor Vaz e Altair Algayer em 14 de julho, um mês antes de IBAMA e Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) liberarem as obras. Pelo relatório, “os grupos isolados e as terras onde habitam, passíveis de serem atingidos” pela usina, estão localizados às margens esquerda e direita do Rio Madeira.
Três grupos viveriam em Rondônia e outros dois habitariam trechos da floresta no estado do Amazonas.
Entre estes grupos estariam cerca de 150 índios sirianós e um número não calculado de índios uru weu wau wau. Sobre os demais grupos, a Funai diz nada saber. Por falta de informações seguras, todos eles aparecem nos estudos vinculados aos números 12, 45, 46 e 47. São as referências geográficas de onde estariam vivendo esses índios. Um deles é associado à sigla “s/n”, ou seja, seria um grupo sobre o qual ainda não se tem idéia da localização.
– Existem referências de índios na terra Jareúba Katawixi.
Essa terra está a 14 quilômetros do lugar onde vai ser construído o canteiro de obras. Essa área sofrerá impacto direto.
Mas a definição de áreas indígenas só pode ser feita depois da conclusão dos estudos – argumentou Bígio, da Funai.
Em março deste ano, representantes da Funai e do Madeira acertaram que o consórcio financiaria expedições para localizar, identificar e definir medidas de proteção aos índios isolados. Esta seria uma das condicionantes para a concessão da licença ambiental. Mas a promessa ainda não saiu do papel, e, para a Funai, não há mais condições técnicas de iniciar as expedições neste ano.
Funai foi favorável ao início das obras, afirma IBAMA Estudos dessa natureza demoram de dois a três anos. As expedições devem localizar os índios, descobrir hábitos e costumes e, a partir daí, definir as áreas de que necessitam para a sobrevivência. Cada grupo tem suas peculiaridades.
– O Brasil está na base do “tudo ao mesmo tempo agora”, tomando decisões ligeiras premido por previsões catastróficas do tipo novos apagões, e beneficiando empreiteiros – queixou-se o procurador regional (Rondônia) da República, Alexandre Camanho.
A Aneel informou que concedeu licença a partir de relatório de impacto ambiental favorável do IBAMA. Em nota, o IBAMA transfere à Funai a responsabilidade sobre a questão indígena. Segundo o IBAMA, a licença só foi assinada “após a manifestação favorável daquela Fundação”. No texto, acrescenta que “não houve oposição por parte do órgão competente para a continuidade do processo, apenas foi recomendada a implementação do plano por ele elaborado, que foi acatado”.
[EcoDebate, 21/10/2008]
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O Parecer Técnico n.º 014/2007 do Ibama, que negou a Licença Prévia para o empreendimento, na p. 103, afirma: “Os Katawixi, por outro lado, estão mais próximos que qualquer outro grupo indígena identificado no EIA, cerca de 9 km”. Na conclusão, o mesmo documento reitera: “Neste sentido, é necessário ampliar o diagnóstico e incorporar os assentamentos da reforma agrária Joana D’Arc I, II e III, em processo de legalização pelo Incra/RO, comunidades ribeirinhas como Porto Seguro e Engenho Velho, e outras identificadas nas Audiências Públicas e no Relatório oferecido pelo Ministério Público; a adequada identificação e caracterização das pessoas que sobrevivem da atividade garimpeira; A Terra Indígena Jacareúba/Katawixi, no Estado do Amazonas, os povos indígenas Kaxarari, na região de Extrema, os indígenas sem-contato do igarapé Karipuninha e outros povos presentes na real área de influência direta/indireta; a incorporação das áreas a jusante como potencialmente impactadas, a caracterização destes impactos e as medidas de mitigação cabíveis; e demais aspectos considerados neste Parecer.”