‘Vivemos num capitalismo de cassino’, entrevista com Ignacy Sachs
Economista defende desenvolvimento sustentável e intervenção do Estado. E alerta: “Estamos condenados a inventar”
O economista francopolonês Ignacy Sachs – um dos pais do conceito de desenvolvimento sustentável, que prega crescimento econômico com justiça social e preservação ambiental, é categórico: a crise mostra a falência do neoliberalismo e a importância do Estado. Em entrevista ao GLOBO, em Paris, ele defende uma revisão do New Deal, o programa intervencionista que o ex-presidente americano Franklin Roosevelt aplicou para fazer os EUA saírem da Grande Depressão nos anos 30.
Mas, aos 81 anos, faz um alerta: História não se repete. “Estamos condenados a inventar”, diz Sachs, que dirige o Centro de Pesquisas do Brasil Contemporâneo na Escola de Altos Estudos de Ciências Sociais, em Paris. Por Deborah Berlinck, Correspondente, para O Globo, 19/10/2008.
O GLOBO: Os mercados oscilam entre abismo e euforia.
Como o senhor avalia o momento atual?
IGNACY SACHS: Estamos em pleno capitalismo do cassino.
Cada vez que as bolsas sobem e descem, tem gente que ganha muito dinheiro. O aspecto fundamental é que 30 anos de neoliberalismo arrogante, que acreditava no mito dos mercados auto-reguladores, sofreram o mesmo baque que o socialismo real com a queda do muro de Berlim. É mais um paradigma falido.
É o fim do paradigma neoliberalista?
SACHS: É o começo do fim. Se o presidente (francês, Nicolas) Sarkozy, junto com os líderes da União Européia, pede uma refundação do capitalismo, quer dizer que reconhecem as limitações do sistema atual. Isso é um enorme passo adiante.
A UE quer uma reunião em novembro para discutir isso. O que poderia ser decidido? SACHS: Se a reunião ocorrer em novembro, não vai sair grande coisa (ontem, ficou acertado com os EUA uma reunião de cúpula para discutir a crise). Sejamos realistas. O capitalismo tem mostrado uma enorme adaptabilidade.
Poderíamos imaginar um cenário irreal, em que o único país que ainda pretende ser socialista, a China, sacrifique seu colchão de dólares (reservas) para tentar solapar o sistema capitalista. Vai acontecer exatamente o contrário. Para que o colchão dos dólares dos chineses não perca valor, eles farão tudo para manter o valor do dólar. Portanto, falar hoje do fim do capitalismo… a História não procede assim tão facilmente.
Mas estão falando em refundar o capitalismo.
SACHS: Isso permite começar a discutir em que base e a partir de que postulados vamos refundar.
Lembra o New Deal de Roosevelt e os “30 anos gloriosos” (período de grande crescimento na França pósguerra), que foram de um capitalismo reformado. Não acredito que a História se repita.
Mas temos de reatar com esse debate, porque no centro está a questão fundamental do desenvolvimento.
Qual Estado, para qual desenvolvimento?
Qual o caminho, então?
SACHS: Temos de voltar à idéia de pleno emprego do pós-guerra, acrescentando o que a Organização Internacional do Trabalho chama de trabalho decente. Há um bilhão de pessoas com fome. Se analisarmos a evolução humana, tivemos duas grandes transições.
A primeira há 12 mil anos, quando se saiu de caça e colheita para agricultura e pecuária.
Depois, entramos na era das energias fósseis, no fim do século XVII, com o petróleo e o gás. Isso acabará em algum ponto do século XXI.
Ou seja, teremos de caminhar para a transição…
SACHS: Já está acontecendo. O petróleo está em sua fase final.
Se o senhor participasse da reunião para refundar o capitalismo, o que sugeriria? SACHS: Se formos mexer em tudo, reformular Banco Mundial, FMI, Conselho de Segurança, G8, não vai dar em nada!
O que é preciso, então?
SACHS: Temos de voltar a uma idéia de base, totalmente esquecida: a moeda é um instrumento para organizar a economia real. O que vimos foi uma financialização da economia.
Como trazer o sistema financeiro de volta para a economia real, com mais regras? SACHS: Temos de redefinir: qual a função do Estado numa economia? Mas temos de tirar lições do passado. Não queremos monstros burocráticos.
Não se corre esse risco?
SACHS: Claro que sim. Mas para isso é que serve a História.
Saímos da Segunda Guerra Mundial com três idéias de consenso: pleno emprego, Estado atuante e planejamento. O neoliberalismo colocou abaixo não só a idéia do planejamento, como a da regulamentação. Temos de voltar a esse debate.
Talvez um meio termo entre essas duas épocas históricas?
SACHS: Não devemos pescar na História soluções prontas.
Estamos sentados em cima de vários paradigmas falidos: o socialismo real, que entrou em agonia com a invasão da antiga Tchecoslováquia e morreu com a queda do muro de Berlim.
Agora, o paradigma neoliberal, do capitalismo auto-regulador.
Vivemos um vácuo hoje?
SACHS: Em vez de vácuo, prefiro dizer: estamos condenados a inventar. Haverá também uma enorme margem para ver, no capitalismo reformado, qual será o papel de organizações que não se regem pelo princípio da apropriação individual do lucro, como cooperativas etc. Dizer “é capitalismo ou socialismo” não leva a soluções. Dizer “vamos mudar tudo” leva a muita confusão e pouca ação.
O modelo europeu sai fortalecido?
SACHS: O último livro de Paul Krugman, “The conscience of a liberal” (“A consciência de um liberal”), defende um novo New Deal. Não devemos refazer o New Deal, mas sim tirar as conclusões da experiência. Roosevelt chegou a discutir um imposto sobre a renda que confiscaria 95% acima de um certo nível. A rapidez com a qual nos esquecemos dos debates dos anos 30 ou 40 é fabulosa.
Mas se uma idéia similar fosse aplicada hoje nos EUA haveria uma revolução, não? SACHS: Mas sem essa idéia não vamos para a frente. Por que os lucro especulativos na bolsa não devem ser altamente taxados?
[EcoDebate, 20/10/2008]
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