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Notícia

Um pacote verde para sair da crise

Em novo best-seller, o americano Thomas Friedman propõe que uma corrida tecnológica em busca de energia limpa seria capaz de reerguer os Estados Unidos

A combinação de uma das crises mais agudas de todos os tempos com as eleições presidenciais americanas aqueceu o debate sobre como o desastre atual poderia ter sido evitado. O novo best-seller do jornalista do The New York Times Thomas Friedman coloca lenha nessa discussão. Segundo ele, uma agenda verde teria evitado a atual bancarrota e a desmoralização internacional do país. Em vez de torrar trilhões de dólares na Guerra do Iraque e no mercado imobiliário nos últimos cinco anos, os Estados Unidos deveriam ter investido pesadamente em novas fontes de energia. O livro Hot, Flat and Crowded – Why We Need a Green Revolution and How It Can Renew America (“Quente, plano e congestionado – Por que precisamos de uma revolução verde e como ela pode renovar a América”), recém-lançado nos Estados Unidos, já chegou ao topo das listas de mais vendidos por lá. Na obra, que deverá ser publicada no Brasil em 2009 pela editora Objetiva, Friedman tenta demonstrar que ainda há tempo de iniciar essa revolução verde. Além de livrar o mundo dos efeitos do aquecimento global, essa busca poderia servir como uma versão do século 21 para o New Deal, o conjunto de políticas de estímulo econômico adotadas pelos Estados Unidos durante a Grande Depressão. Por Angela Pimenta, na Revista Exame, Edição 0929 – 16 de Outubro de 2008.

Há três anos, Friedman tornou-se mundialmente conhecido com o best-seller O Mundo é Plano, que vendeu cerca de 10 milhões de exemplares ao dissecar o fenômeno da globalização em linguagem acessível ao grande público. Desde então, tanto em suas colunas de jornal quanto em freqüentes aparições no rádio e na TV americanos, ele tem batido na mesma tecla: a de que seu país enfrenta três desafios hercúleos. Os dois primeiros – e mais evidentes – são o declínio econômico e o desprestígio internacional. Friedman destaca as tragédias climáticas, como furacões e enchentes causados pelo aquecimento global, como o terceiro problema a ser vencido.

Num planeta cada vez mais quente, plano e superpovoado, Friedman defende que os Estados Unidos – a despeito de todas as suas mazelas, que segundo ele resultam em boa parte de uma atuação desastrosa de George W. Bush – ainda representam a única nação do mundo apta a liderar uma revolução verde. Ele demonstra que o país seria um dos maiores beneficiados com a adoção da causa. Além de evitar os efeitos catastróficos do aquecimento global, Friedman argumenta que essa bandeira pode mudar padrões indesejados de relações econômicas e geopolíticas ao longo das próximas décadas. Um bom exemplo são os atentados terroristas suicidas perpetrados por militantes fundamentalistas islâmicos. “Quem financia o terrorismo? Recursos vindos de ditaduras petrolíferas como a Arábia Saudita, hoje cada vez mais rica graças ao preço estratosférico do barril pago pelos americanos e o resto do mundo”, afirma ele. Uma mudança tecnológica, que tornasse o petróleo uma coisa do passado, poderia romper esse ciclo.

A maior virtude do livro não está no diagnóstico do problema, e sim na agenda proposta por Friedman. Para dar conta de tamanha missão, ele foi buscar respostas com um time estelar de entrevistados, gente como o ex-cientista-chefe do Banco Mundial Robert Watson, o fundador da Microsoft, Bill Gates, o presidente mundial da General Electric, Jeffrey Immelt, e o ex-vice presidente americano Al Gore. Segundo esse pessoal, para tornar um novo pacote verde possível, o governo americano deveria começar a taxar pesadamente a importação de petróleo, estabelecendo um piso para o barril. Tal política funcionaria assim: o Congresso aprovaria uma lei estabelecendo o preço do barril em 100 dólares. Sempre que a cotação internacional do petróleo caísse abaixo desse patamar, o governo americano cobraria uma sobretaxa – de modo a manter o preço em 100 dólares. A lógica é evitar que os investimentos em novas tecnologias substitutas esfriem no caso do petróleo se tornar mais competitivo. Essa taxa seria rateada entre o consumidor final e também pelos produtores – em forma de impostos de importação. A receita gerada pelo novo sistema, estimada por Friedman em alguns trilhões de dólares ao longo das próximas décadas, seria canalizada para institutos de pesquisa, universidades e empreendedores privados envolvidos com pesquisa de ponta em energia solar, eólica, motores elétricos e biocombustíveis.

Com medidas como essa, segundo Friedman, os Estados Unidos dariam um sinal exemplar ao mercado mundial, incentivando a adoção maciça de fontes limpas de energia e ao mesmo tempo penalizando os combustíveis fósseis, os maiores responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa. Para Jeffrey Immelt, da GE, é necessário que esse tipo de sinal seja claro e duradouro. “Os grandes investidores não irão fazer uma aposta multibilionária num mercado que dure apenas 15 minutos”, afirma o executivo no livro. Num sistema capitalista, diz Friedman, não caberia ao governo decidir quais seriam as novas tecnologias vencedoras. Tal tarefa caberia às próprias lideranças científicas e ao setor produtivo, capazes de selecionar os projetos de novas fontes de energias mais promissores. Friedman, aliás, condena a distorção gerada pela concessão de subsídios aos produtores de etanol de milho do Meio-Oeste americano. Tais subsídios seguiram critérios políticos – e acabaram afetando negativamente o mercado. No começo do ano, a expansão subsidiada da produção de etanol de milho causou um aumento repentino nas cotações globais do grão. O resultado foi uma gritaria de proporção mundial, que levou multidões às ruas da Indonésia ao México em protesto contra a inflação dos alimentos.

Friedman também se declara contrário às tarifas impostas pelos Estados Unidos à entrada do etanol brasileiro no país – embora não acredite que os biocombustíveis sejam uma alternativa suficiente para a substituição do petróleo em escala global. “Para um país como o Brasil, que tem uma quantidade tremenda de terra e grandes plantações de cana, os biocombustíveis fazem sentido”, diz. “O mesmo pode ser verdade para outros países dos trópicos, da África ao Caribe.” Mas no caso de países de clima temperado Friedman sustenta que apenas uma nova geração de biocombustíveis, obtida de plantas não alimentícias e do lixo orgânico, possa se revelar bem-sucedida em larga escala.

Além de abordar a eficácia do etanol brasileiro, Friedman discute a expansão do agronegócio no Centro-Oeste e na Amazônia. Durante uma visita ao Pantanal, que ele descreve como uma Arca de Noé povoada por jacarés, araras-azuis, tucanos e emas, o autor se convenceu de que a região é uma das vítimas da globalização. O jornalista argumenta que o aumento da área plantada de soja na região tem contaminado os rios que alimentam o Pantanal com resíduos de fertilizantes e defensivos agrícolas. Friedman também condena o projeto dos governos brasileiro e peruano para fazer a rodovia Transoceânica, na selva Amazônica, que pretende ligar a capital do Acre, Boa Vista, ao porto de San Luis de Marcona, na costa peruana.

Longe de ser um militante xiita, Friedman advoga que seu pacote verde e a defesa da causa ecológica são a melhor resposta capitalista ao aquecimento global. “Se souber liderar uma genuína revolução verde, os Estados Unidos estarão cumprindo a mais ambiciosa missão já enfrentada pela humanidade em tempos de paz.” E, de quebra, vão arrastar o país para fora da crise.

[EcoDebate, 20/10/2008]

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