agrotóxicos: Revolução verde envenenou o celeiro indiano
“Sinto as moscas caminharem por todo o meu corpo, mas não posso espantá-las”, disse Jagdev Singh com os olhos desorbitados. É um adolescente com aspecto de criança que foi perdendo o movimento nas extremidades devido a uma doença degenerativa. Está impossibilitado de caminhar e movimentar os braços. “Os médicos dizem que se deve à excessiva exposição à uréia, um fertilizante”, conta sua mãe, Charanjeet Kaur. Em Jajjal, povoado de 3.500 habitantes no Estado de Punjab – no norte da Índia –, há outras três crianças com o mesmo diagnóstico. Nos últimos seis anos 40 pessoas morreram e 15 estão com câncer, explica Jarnail Singh, professor aposentado cujas duas cunhadas morreram. A reportagem é de Ana Gabriela Rojas e publicada no El País, 16-10-2008. A tradução é do Cepat.
Assim como em Jajjal, em Punjab o número de doentes não pára de aumentar. E os especialistas assinalam o uso excessivo de químicos na agricultura como a causa. Este Estado, um dos mais prósperos da Índia, se converteu no “celeiro” do país com a revolução verde, quando nos anos 60 se industrializou o campo e chegaram os fertilizantes, pesticidas e sementes melhoradas. A Índia alcançava seu sonho de sair da fome e tornar-se, quase de um dia para o outro, auto-suficiente em alimentos. E Punjab foi central nesse projeto: quadruplicou sua produção de trigo e arroz, provendo o país com quase a metade dos grãos.
Mas os camponeses se viram obrigados a aplicar cada vez mais químicos para manter a produção. A maioria tem poucos acres e quer maximizar as colheitas com produtos, alentados pelos subsídios do Governo que chegam a 85% de seu custo.
Dessa maneira, Punjab, com menos de 2% de terra cultivável do país, consome 18% dos fertilizantes. “Convertemos o campo em dependente químico. Hoje tenho que usar duas ou três vezes mais fertilizantes que antes. Queria deixar de fazer isso. São muito caros, mas temo não poder manter a minha família sem eles. Somos dependentes do veneno”, explica o camponês Amarjee Singh.
Assim, depois de quatro décadas de uso intensivo de químicos – alguns proibidos na Europa e nos Estados Unidos – chegaram à água subterrânea e à cadeia alimentar. As indústrias que jogam seus resíduos nos rios têm parte da responsabilidade, sem dúvida. Mas são os pesticidas que explicam o fato de a água em Punjab ser “um risco para a saúde” e uma das principais causas de morte, segundo um recente estudo do Conselho de Controle de Contaminação da Água do Estado. Os tóxicos poderiam estar na origem de doenças como a que impede Jagdev de se movimentar, ou o câncer.
O secretário de Saúde e Bem-estar Familiar de Punjab, Tilak R. Sarangal, que tem esse relatório sobre a mesa de seu escritório, disse: “Os níveis de contaminação e tóxicos na água são alarmantes, mas não podemos imputar a eles as doenças de câncer”. Outros especialistas coincidem em que é impossível estabelecer uma relação direta de causa-efeito. “Mas encontramos correlações epidemiológicas. Cada vez são usados mais pesticidas e há mais pessoas doentes”, garante GPI Singh, diretor do Colégio Médico e Hospital Dayanand.
Singh trabalhou na zona durante mais de 25 anos. Sabe do que está falando quando assegura que aumentaram de forma impressionante os índices de câncer, os abortos espontâneos, os defeitos no cérebro, a alteração no DNA, a ocorrência da menstruação cada vez mais cedo e o pouco esperma nos homens. “A revolução verde ajudou a alimentar uma geração, mas ao custo de prejudicar a saúde e com alimentos tóxicos”. No sangue dos moradores de Punjab se pode encontrar de seis até 13 resíduos de pesticidas diferentes.
As perdas também começaram a ser notadas nos bolsos dos camponeses e na economia da agricultura devido à maior necessidade de pesticidas e ao aumento do preço do petróleo. “A revolução se tornou marrom. Os lucros se reduziram ao mínimo”, garante o professor de economia da Universidade Punjabi, R. K. Mahajan. Também tornou os camponeses dependentes do mercado, segundo Umendra Dutt, diretor da Kheti Virasat Mision, Ong que promove a produção orgânica. “Necessita de muitos investimentos e absorve muitos recursos. Devastou completamente o ecossistema, a nossa sociedade e a economia”, disse.
Mas o Governo tem outra opinião e continua apostando no uso dos produtos químicos na agricultura. “Sem eles não poderíamos ser auto-suficientes e sofreríamos mais neste tempo de aumento dos preços dos alimentos”, disse Dharam Pal, comissionado para o manejo da nutrição integrada do Ministério da Agricultura. Mas os detratores da agricultura química apontam outros motivos. “A produção de alimentos não diminuiria com a produção orgânica. Essa é uma mentira que as empresas venderam ao Governo para lhe vender seus produtos”, de acordo com Devinder Sharma, diretor do think thank de agricultura Fórum.
Os especialistas são pessimistas: “Ao menos no médio prazo o celeiro da Índia continuará envenenado. Os tóxicos que já estão no ambiente continuarão contaminando ainda por décadas”, disse Singh.
(www.EcoDebate.com.br, 20/10/2008) publicado pelo IHU On-line, 17/10/2008 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta que envie um e-mail para newsletter_ecodebate-subscribe@googlegroups.com . O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.