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A crise e a luta contra a mudança climática. ‘Se a Europa der marcha a ré, provocará um efeito dominó’, entrevista com Rajendra Pachauri

Ao lado de Al Gore, Rajendra Pachauri é o rosto visível da luta contra a mudança climática. Um rosto grande e misterioso: a pela é escura e as rugas, formadas em 68 anos de vida, mais escuras ainda. No ano passado, o indiano Rajendra Pachauri, que ocupa a presidência do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o grupo de especialistas que chamou a atenção do mundo para o problema, compartilhou com o ex-candidato à Casa Branca o Prêmio Nobel da Paz 2007. Ontem [15 de outubro] passou 24 horas em Madri para participar, como convidado de honra, de uma reunião da Comissão Mista Congresso-Senado para a Mudança Climática.

Segue a entrevista que Rajendra Pachauri concedeu a Maruxa Ruiz del Árbol e que está publicada no El País, 16-10-2008. A tradução é do Cepat.

Vários dirigentes europeus disseram que a crise poderia obrigar a flexibilização dos objetivos para combater a mudança climática. Isso criaria um efeito dominó em outros países?

A Europa tem uma liderança e deve conservá-la. Se engatar a marcha a ré, isso necessariamente terá efeitos em outras regiões do mundo.

Que conseqüências terá?

Não é como vai afetar, já está afetando e os prejuízos continuarão sendo visíveis nas próximas décadas. Se não se fizer nada, nos próximos cinco anos as conseqüências serão graves. Espero que na Cúpula de Copenhague de 2009 se adotem medidas adequadas que nos permitam ir, todos juntos, na direção certa.

As medidas contra a mudança climática podem prejudicar a economia?

Dentro de dois ou três meses, começaremos a ver estabilidade nos mercados e as pessoas se perguntarão pelas razões fundamentais subjacentes a estes problemas, que repousam sobre o fato de que o nosso sistema econômico não é sustentável. Esta é uma oportunidade única para criar uma nova indústria, ecológica, que substitua a antiga. A Alemanha já fez isso e, além de reduzir emissões, criou milhares de postos de trabalho.

Que expectativas deposita nas eleições dos Estados Unidos?

Sou muito otimista. Com o novo governo haverá uma mudança de política. A pressão dos Estados é cada vez maior. A Califórnia e os Estados do nordeste, e cidades como Nova York ou Chicago, já estão fazendo grandes esforços pela redução do CO2. Outro fator é que a população se dá conta de que a dependência do petróleo está tendo um impacto negativo sobre os Estados Unidos. Daí a importância de passar de combustíveis fósseis a outros tipos de energia. Por isso, tanto econômica como estrategicamente o novo presidente terá que ter em conta o aquecimento global.

A energia nuclear é uma alternativa válida para reduzir emissões?

É certo que tem praticamente nenhuma incidência quanto à emissão de gases de efeito estufa, mas, como apontamos no 4º relatório do IPCC, tem muitos problemas que devem ser considerados, como a proliferação de armas nucleares ou a gestão do lixo radiativo. E para piorar, não está ao alcance de todos os países e nem todos dispõem da tecnologia para consegui-la.

E os biocombustíveis?

Alguns são bons outros ruins. Se falarmos da conversão de alimentos em combustíveis, creio que não é a resposta. Mas também existem biocombustíveis feitos a partir da jatrofa, que pode ser cultivada em solo muito pobre e da qual se extrai um óleo similar ao diesel. É uma planta que não serve nem para pasto porque tem determinados elementos tóxicos.

Muitos economistas estão aconselhando opções mais drásticas para reduzir as emissões como diminuir a natalidade ou deixar de comer carne. Qual é a sua opinião?

A redução da natalidade passa necessariamente pelo respeito aos direitos humanos. A redução da taxa de natalidade terá que ser feita de maneira voluntária. É preciso educar para que a população se dê conta das vantagens de ter uma família pequena, recorrer aos contraceptivos ou abrir para a possibilidade da prática do aborto. Mas a natalidade é apenas uma parte da equação. A outra é o consumo. Um norte-americano médio consome 40 vezes do que um cidadão de Bangladesh, razão pela qual cada norte-americano tem o mesmo impacto ambiental que 40 indianos.

E em relação à carne?

Sou daqueles que pensam que conviria frear um pouco o consumo. Não deixar totalmente de comer carne, mas comer menos. Um estudo da FAO [Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação] demonstrou que o circuito de produção de carne é responsável por 18% dos gases de efeito estufa. Se pudéssemos reduzir apenas 5% já teríamos ganhado bastante. Eu sou vegetariano há anos.

Quanto à questão de tomar medidas realmente efetivas, inclusive revolucionárias, os países emergentes e os desenvolvidos parece que sempre esperam que o outro dê o primeiro passo.

Na Índia há 400 milhões de pessoas sem eletricidade. Se dissermos que a Índia e a China não devem emitir gases de efeito estufa, o que isso significa, que esses milhões de indianos vão ficar sem eletricidade? Se vivemos num único planeta não se pode admitir que haja dois sistemas e dois modelos de vida. Os países que já chegaram a certo nível têm que mostrar o caminho a seguir para evitar que se repitam erros, mostrar que há maneiras de fazer as coisas de forma responsável.

(www.EcoDebate.com.br, 18/10/2008) publicado pelo IHU On-line, 17/10/2008 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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