Rio Grande do Sul seria pólo distribuidor de castanheira para Europa
Foto: Ouriço de castanha (Wikipédia)
O Rio Grande do Sul virou um centro de distribuição para países vizinhos e a Europa de madeira extraída ilegalmente da Amazônia. A principal espécie é a castanheira, uma árvore que atinge até 50 metros de altura. Com corte proibido desde 1994, tornou-se a preferida dos fabricantes de carrocerias de caminhões e de esquadrias usadas pela construção civil, por ser longa, macia e durável. Por Carlos Wagner, do Zero Hora, RS, 13/10/2008.
A descoberta aparece em um relatório da Operação Guardiões da Amazônia, do INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Colocada em prática em abril, a ação inverteu a lógica da fiscalização, que até então concentrava foco naquele que fazia o corte da madeira, geralmente um peão a serviço de madeireiras ilegais.
Agora, a investigação se iniciou pelo consumidor. A apuração é feita pela avaliação de notas fiscais, do depoimentos dos autuados e do Documento de Origem Florestal (DOF), uma guia que acompanha a madeira. Ainda não existem números nacionais da operação, mas já oferece informações valiosas.
– A ação nos permitiu conhecer toda a cadeia de ilegalidade: o comprador, o transportador, o beneficiado e o dono do corte da madeira – avalia o superintendente do IBAMA no Estado, Fernando da Costa Marques.
No Rio Grande do Sul, a operação já apreendeu 3,3 mil metros cúbicos de madeira – 70% de castanheira. Mas a maior parte da carga não fica no Estado. O principal destino é Buenos Aires, de onde embarca para a Europa.
A longa viagem de caminhão desde o norte do país até o Estado pode não fazer sentido do ponto de vista logístico, mas foi a estratégia encontrada para driblar a fiscalização, que é mais especializada na região amazônica.
Os fraudadores, segundo as investigações, apostam que, quanto mais afastado for o posto fiscal da selva amazônica, maior será o desconhecimento sobre as madeiras. Para dificultar a identificação do crime, eles falsificam o conteúdo do DOF, adotando o nome de árvores com corte permitido.
– Não é fácil identificar a origem de uma tábua. Na maior parte dos casos, é necessário enviar a amostra para o laboratório – diz Fernando Falcão, chefe da Divisão de Controle e Fiscalização do IBAMA no Estado.
Nas contas do chefe substituto do IBAMA em Uruguaiana, Silvino Edder da Silva, há alguns anos, uma média de quatro carretas de madeira passava por dia pelo município e por Santana do Livramento. Hoje, a média diminuiu para duas. Se conseguem cruzar a fronteira, a carga cai nas mãos de um atacadista em Buenos Aires ou Montevidéu. Lá, ganham documentos novos. Assim, confirma-se um segundo crime: evasão de divisas.
Guardiões
A ação já aplicou R$ 3 milhões em multas
> Porto Alegre, Caxias do Sul, Rio Grande, Santa Maria, Uruguaiana, Itaqui, Bagé, Passo Fundo, Três Cachoeiras e Iraí já registraram apreensões
“Há bônus à espera de quem passa com a bronca”
Entrevista: caminhoneiro que transporta madeira ilegal
Em posto de combustível às margens da BR-101, no Litoral Norte, ZH conversou com um caminhoneiro que, há uma década, traz madeira para o Estado na volta das viagens em que leva arroz e adubo para o Mato Grosso e o Pará:
Zero Hora – Ao sofrerem as apreensões de madeira, os caminhoneiros costumam afirmar que não sabiam da ilegalidade. Isso é verdadeiro?
Caminhoneiro – Todo caminhoneiro sabe o que transporta porque há bônus à espera de quem consegue passar com bronca.
ZH – De quanto é o bônus?
Caminhoneiro – Geralmente é de R$ 500. Um bom dinheiro.
ZH – O senhor já foi parado em barreira do IBAMA?
Caminhoneiro – Várias vezes, mas nunca tive problemas. Sempre segui em frente com a carga.
ZH – Quando foi parado, o senhor transportava madeira proibida com documentação falsa?
Caminhoneiro – Em várias ocasiões. Só que a grande preocupação deles é saber se estamos trazendo drogas no meio das tábuas. Eles não estão nem aí para as tábuas, a não ser que falte documentação. Tendo papel, passa.
[EcoDebate, 14/10/2008]
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A Castanheira proibida no Brasil desde 1994 é a Bertholletia excelsa – a Castanha-do-Pará, que ultimamente vem sendo conhecida como Castanha-do-Brasil (Brazil nuts). A foto mostrada é do fruto da castanha européia (Castanea sativa).
Resposta do EcoDebate
Agradecemos a crítica e a orientação adequada. Corrigindo a informação esta é a castanha-do-brasil (Bertholletia excelsa H.B.K.), também denominada castanha-do-pará, ocorre nos Estados brasileiros do Acre, Amazonas, Pará, Roraima, e Rondônia, bem como em boa parte do Maranhão, Tocantins e do Mato Grosso.
A informação do caminhoneiro é duvidosa, uma vez que o IBAMA não tem competência para combater o tráfico de drogas.
Este assunto me interessa muito, pela oportunidade que oferece de provocar algumas reflexões, que considero oportunas:
1°- Esse artigo retrata bem a contradição da legislação florestal no tocante a preservação dos castanhais nativos, assim como de seringais. Ambas espécies, castanheira (Bertholettia excelsa) e seringueira (Hevea brasiliensis)nativas da Floresta Amazônica, estão (mas não são) protegidas pelo Código Florestal contra o corte. Aí reside a 1ª contradição. A lei proibe o corte mas não proibe a queima e nem o afogamento, que, tal como o corte também matam a árvore. E daí vem a 2ª contradição, com base na lei surge a figura absurda da “castanheira desvitalizada” que nesse estado pode ser cortada e comercializada sua madeira, diga-se de passagem, de ótimas qualidades industriais. E por conta dessa brecha da lei muitos castanhais foram dizimados da floresta amazônica. E assim, muita gente está ganhando dinheiro na clandestinidade. Não é dificil se encontrar nas serrarias e marcenarias nas cidades paraenses onde há ocorrências de castanhais nativos, madeira beneficiada e móveis de castanheira à venda sem qualquer restrição. E aí eu acho outro contra senso da lei, quer dizer, o escopo da lei era garantir tão somente a produção extrativista dos frutos da castanheira, numa época em que essa produção representava um dos principais itens da pauta de exportação do País. Todavia, os tempos mudaram e a madeira da árvore também tem valor. Por que não agregar esse valor? Em vez de simplesmente ignorar;
2° – Nesse contexto, as políticas de ocupação regional que vieram sendo implementadas ao longo das últimas 5 décadas, eram de confronto e atropelamento a lei de proteção aos castanhais, e o que se viu como resultado foram cenários devastadores de castanheiras mortas em pé;
3° – Com o avanço das fronteiras agropecuárias na região feito na base de queimadas, com o calor do fogo e da fumaça, houve o desaparecimento do agente polinizador de flores das castanheiras, a caba Mangangá, e conseqüentemente um declínio importante na produção de frutos dos castanhais nativos, que repercutiu em perdas na exportação;
4° – Certamente que tais fatôres, a príncipio, contribuiram e ainda contribuem como ameaças determinantes ao desaparecimento dos castanhais nativos da floresta amazônica, muito mais do que a coleta excessiva dos frutos, que reflete a falta de manejo técnico adequado do castanhal;
5°- Finalmente, ao meu ver, o equacionamento dessa problemática se resume numa revisão e atualização da legislação vigente sobre a matéria, com foco no desenvolvimento de políticas públicas dirigidas ao manejo sustentado dos castanhais nativos, objetivando o aproveitamento dos frutos e da madeira, em vez de proibir o corte; ainda nesse sentido incentivo ao reflorestamento maciço de castanhais na proporção tecnicamente indicada como reposição das castanheiras cortadas. Enfim, mudar a atual visão míope de preservação da castanheira, para uma visão realista de conservação da espécie, valorizando-a economicamente e perpetuando-a ecologicamente, assim beneficiando socialmente as presentes e futuras gerações, ad eternum.
Grato pela oportunidade
Ricardo Luiz da Silva Costa
Eng° Florestal – Esp. em Gestão Ambiental
C.P. 5370-D CREA 1ª REGIÃO.