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Luta em defesa do Rio Madeira é retomada por Ongs

NÃO entregaremos o rio Madeira. Não passarão sobre os nossos povos.” Essas frases sintetizam com precisão a determinação dos participantes do Seminário-Acampamento contra a Privatização do Rio Madeira e pela Soberania da Amazônia, realizado entre os dias 16 e 18 de setembro, na área do canteiro de obras da barragem de Santo Antônio, às margens do rio Madeira, em Porto Velho (RO). A proposta de ação também é clara: retomar com mais força e unidade a defesa do maior afluente do Amazonas (que, por sua vez, é o maior rio do mundo) diante das ameaças e severos impactos da construção das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau. No atual contexto, em que as polêmicas licenças de instalação já foram concedidas e as obras estão iniciando, essa persistência na luta pela defesa do rio e dos ribeirinhos tem um significado ainda maior. Do Na Hora Online, RO, 10/10/2008 – 23:07.

O seminário foi promovido pela Via Campesina (Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST e Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA), em parceria com diversas organizações socioambientais e culturais, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Instituto Madeira Vivo, Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, Comissão de Justiça e Paz, Movimento Hip Hop da Floresta, Ada Açaí e Kanindé, dentre outras. Mais de cem comunitários participaram do encontro, entre ribeirinhos e lideranças de diversas regiões do Estado, como Baixo Madeira, Jaci-Paraná, São Sebastião, São Domingos, São Carlos, Joana D’ Arc, Candeias do Jamari, Itapuã do Oeste, Triunfo, Ouro Preto do Oeste, Porto Velho, além de participantes de Humaitá (AM) e camponeses de Cachoeira Esperança, do departamento de Pando, na Bolívia.

Segundo José Josivaldo de Oliveira, da coordenação nacional do MAB, o seminário teve como um de seus principais objetivos reafirmar a posição de grande parte da sociedade contrária a essa obra. “Acampar dentro do canteiro de obras, no pé da barragem, é extremamente simbólico. Com esse ato, estamos demonstrando claramente que continuaremos a lutar contra a privatização do rio Madeira e essa lógica perversa da construção de grandes obras na Amazônia pelas multinacionais, com o objetivo de se apropriarem dos nossos recursos naturais”, afirma.

Por trás das máscaras

Foram três dias de debate e reflexão, que contaram com uma entusiasmada participação dos presentes. Dentre os temas abordados, estão: a matriz energética brasileira e mundial; os projetos do Complexo Madeira: desenvolvimento para quem e para quê? Qual a lógica que o sustenta?; e a soberania da Amazônia e os desafios de defendêla. Além desses tópicos, uma profunda análise de conjuntura foi feita por Gilberto Cervinsky, da coordenação nacional do MAB.

A participação do professor de engenharia elétrica da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Dorival Gonçalves Júnior, enriqueceu as discussões, já que ele expôs de forma didática a lógica o atual modelo energético no Brasil. “Trata-se de um modelo que defende os interesses dos grupos mais poderosos do planeta. Ou seja, das maiores multinacionais da energia, água e minérios, das indústrias eletrointensivas, das indústrias de turbinas e equipamentos de energia, das maiores construtoras, dos maiores bancos e dos produtores do agronegócio.

São muitos interesses em jogo”, avalia. Os participantes reconheceram a importância de discutir com mais cuidado e amplitude as conseqüências do barramento do Madeira, já que isso implica, necessariamente, no futuro de suas próprias vidas. “Muita coisa foi esclarecida para mim. Nós, do Alto Madeira, somos muito reservados e não temos muita informação.

Agora, estou mais ciente dos meus direitos e da importância da gente se unir para ter mais forças e não deixar que esse projeto se instale. Ninguém quer sair daqui”, desabafa Neuzete Paulo Afonso, de 50 anos, nascida e criada no Sítio Bela Vista do Teotônio, na margem esquerda do rio Madeira.

Unidos e fortes

Na avaliação do sociólogo Luiz Fernando Novoa Garzon, membro da ATTAC e da Rede Brasil, o que faltava para a resistência local com relação a esse empreendimento, foi demarcado no evento. “A unidade passou a ser construída não de maneira conceitual, mas em um enfrentamento real ao modelo, com um acampamento em uma área que já pertence aos empreendedores. Os compromissos e as coordenadas de resistência que saíram dessa jornada guiarão nossa forma de organização para os próximos meses e anos”, avalia.

A nova audiência pública de Jirau, que teve seu canteiro de obras modificado em nove quilômetros pelo consórcio vencedor do leilão – Energia Sustentável do Brasil -, deverá ser um espaço para as organizações e os movimentos mostrarem a sua força e unidade. A data da audiência ainda não está marcada, mas, devido à pressa dos empreendedores e dos governos, deverá ser realizada ainda neste ano.

Ao final do evento, uma das maiores expectativas era que, já a curto prazo, as ações de resistência local ao Complexo serão mais coletivas e, por isso mesmo, fortalecidas. Para Iremar Ferreira, membro do Instituto Madeira Vivo, o seminário avançou na percepção da necessidade de um maior aprofundamento das articulações locais, regionais, nacionais e internacionais.

“Temos a clara percepção de que, em nível local, precisamos juntar nossas forças e fortalecer-nos politicamente. Além disso, é essencial atrair outros atores para essa nossa luta e expandir para os outros países do mundo a verdadeira dimensão dos impactos dos projetos da IIRSA [Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-americana] para a Amazônia”, constata ele.

No último dia do acampamento, os participantes saíram em uma caminhada simbólica. Eles passaram por casas abandonadas, destruídas ou queimadas para dar lugar ao canteiro de obras. Foi feito também um ato de protesto, com testemunhos de ribeirinhos, contra a forma violenta de despejo dos moradores. Os ribeirinhos começaram a ser despejados antes mesmo da licença de instalação da hidrelétrica ser concedida.

[EcoDebate, 13/10/2008]

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