Jornada Mundial de Jejum e Oração pela Paz e Soberania Alimentar: Manifesto Águas para a Paz
Por 24 dias, ao final de 2007, em Sobradinho-BA, Brasil, o bispo franciscano D. Fr. Luiz Cappio fez jejum e oração contra o Projeto de Transposição de Águas do Rio São Francisco para a região setentrional do Nordeste brasileiro, em favor de um programa de convivência com o Semi-árido e pela revitalização verdadeira e integral da Bacia do Rio São Francisco. A Pax Christi Internacional está outorgando o seu Prêmio da Paz 2008 (2008 Pax Christi International Peace Award) ao bispo e aos que com ele lutaram ou foram solidários. A entrega se dará durante a 5ª Romaria das Águas em Sobradinho, em 18 e 19 de outubro de 2008, com o tema “Águas para a Paz”, e a participação de milhares de pessoas e entidades.
Em torno a Dom Luiz Cappio, expressou-se um movimento que foi muito além daquele gesto, momento e lugar e dos que o acompanharam de perto. Mundo afora cresceu o que se chamou informalmente Movimento Jejum Solidário. Centenas de pessoas em todo o mundo, por um ou mais dias, anônima ou publicamente, jejuaram solidariamente. De maneira inovadora, ganhou novos contornos, energias e visibilidades a luta por um outro mundo, outro desenvolvimento, ou melhor, outros modelos de vida e produção, outras relações entre as pessoas, as comunidades, os povos e com o planeta, marcadas pela paz que é fruto da justiça, inclusive a ambiental.
Agora, quando as atenções se voltam de novo para Sobradinho e a causa que ali se defendeu e se viveu, num momento em que se esfacela a economia mundial refém da especulação financeira, prisioneira do falido neoliberalismo, os movimentos sociais e organizações populares do São Francisco e do Nordeste, a Pax Christi e a Via Campesina Brasil propõem uma Jornada Mundial de Jejum pela Paz e Soberania Alimentar, entre os dias 16 e 18 de outubro de 2008, integrada também à Jornada da Via Campesina Brasil contra os transgênicos, na Semana Mundial da Alimentação. Queremos com este gesto chamar atenção para as questões gravíssimas da degradação, do desperdício e dos conflitos crescentes pelas águas no Planeta e do gradativo controle do território, da produção e do acesso à comida por algumas poucas empresas multinacionais que visam o oligopólio do capital na agricultura e na agroindústria, dominando territórios, terras e águas, tecnologias, insumos e sementes.
Este Movimento une Política e Espiritualidade. A greve de fome de D. Luiz Cappio nos recorda a tradição da Não Violência e Firmeza Permanente, de Gandhi, Luther King e tantos outros, e que remonta ao próprio Jesus Cristo. É um gesto físico de recusar comida por uma causa de valor mais alto. Mas é também um ato de força espiritual, pois mobiliza energias imateriais que alimentam a causa e contagiam outras pessoas. Resulta disso uma sinergia que tem poder agregador e transformador.
Em meio à abundância e desperdício dos ricos, alimentos contaminados, má comida nos fast food, aumento da fome, esse gesto afirma a necessidade urgente da reforma agrário-agrícola, da água como direito humano à alimentação e da soberania alimentar. Cada povo e região têm o direito de produzir e comer sua própria comida em quantidades e qualidades suficientes sem imposições do mercado controlado por corporações globais.
Ao confrontar um projeto como o da Transposição que destina 70% das águas transpostas de um rio moribundo à produção de frutas nobres e agrocombustíveis, camarão e aço, para exportação, evidencia-se a insanidade de empreendimentos econômicos hoje expandidos em escala global. Por trás a implantação do mercado da água bruta, como já acontece em vários países, em benefício de empresas como Vivendi, Suez Lionnaise des Eaux, Nestlé, Coca-Cola, etc. Multinacionais da agricultura, tais como a Syngenta, Monsato, Bunge, ADM, Cargill, Dupont, Bayer e BASF, querem o gradativo controle dos mananciais hídricos, das terras agricultáveis, da biodiversidade e da agrobiodiversidade, das bio e agrotecnologias e do mercado mundial de alimentos. As variedades de sementes transgênicas são seu principal instrumento e a eles os governos vêm cedendo, em desprezo ao princípio da preocupação, promovendo a bio-insegurança, ao invés de preveni-la.
Povos e comunidades tradicionais e seus territórios atuais e pleiteados são erigidos em inimigos principais destes processos tidos como “modernizadores”. A reforma agrária passa a ser esvaziada e até combatida. Os impactos das mudanças climáticas na natureza e nas relações comerciais, a crise econômica global, deverão agravar ainda mais esse quadro. É urgente que a sociedade organizada em todo o mundo se levante e proponha limites e alternativas viáveis.
No Brasil, é preciso rever os grandes projetos do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento – à luz de outros modelos de desenvolvimento. Qual a real necessidade de empreendimentos como o da Transposição do Rio São Francisco e do Rio Tocantins, as Hidrelétricas do Rio Madeira, as Usinas Nucleares e Hidrelétricas, as ferrovias, hidrovias, gasodutos, alcooldutos, minerodutos etc? A quem servem, quais os custos e danos sociais e ambientais? Que alternativas sustentáveis existem, quais é preciso criar?
Por exemplo, o que existe de melhor que a transposição? A sociedade civil organizada do Nordeste Semi-árido há décadas vem criando e comprovando diversas tecnologias de captação, armazenamento e uso de água, de resultados tão mais excelentes quanto mais exercitam a soberania hídrica e alimentar como dimensões da soberania popular sobre seu próprio território e seu desenvolvimento. Ao revés, as adutoras propostas pelo Atlas Nordeste da ANA – Agência Nacional de Águas -, que potencializariam iniciativas como estas, continuam no papel.
Os outros modelos de vida e produção que propomos são mais de “envolvimento” do que “desenvolvimento”. Vêm de baixo para cima, envolventes das pessoas, famílias e comunidades, a partir de suas necessidades reais e através das suas organizações autônomas. Modelos que nasçam delas, que dinamizem seus potenciais humanos e naturais, que respeitem a soberania das comunidades sobre seus territórios e sobre os recursos essenciais para a produção e a reprodução da vida: alimentos, águas, terra, ar, florestas e biodiversidade, e até mesmo sobre o dinheiro gerado pelo seu trabalho! Modelos democráticos e participativos, que resultem de uma integração solidária com os de outras comunidades, e de um diálogo criativo com os governos nos diversos níveis. Modelos planejados e geridos pelas próprias comunidades, em articulação com os outros níveis de governança, em construção de uma contra-hegemonia, local e global.
São razões suficientes que apelam à nossa sensibilidade e solidariedade humanas, às quais é possível agregar outras de importância local específica. Toda pessoa de boa vontade, individualmente ou em grupo, sinta-se interpelada a se integrar à Jornada Mundial de Jejum pela Paz e Soberania Alimentar, entre 16 e 18 de outubro de 2008, e se manifestar em defesa das águas, do direito humano à água, dos alimentos sadios e da agricultura camponesa, pelo fim da fome, pela ecologia e pela paz.
Assinam: Pax Christi International, Via Campesina Brasil (MST, MPA, MAB, MMC, FEAB e CPT), CESE, CARITAS
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Comunique sua adesão à CPT Bahia (e-mail cptba@cpta.org.br ou tel. 0055 – 71.8714-5724 – Andréa) ou à Via Campesina / Brasil (e-mail ou tel. ), informando o número de pessoas em jejum e sua organização. O conhecimento e divulgação posterior destes dados são importantes!
[EcoDebate, 13/10/2008]
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