Pará: Castanhais são ameaçados pela retirada excessiva de sementes, pelo corte da árvore e pelo próprio do desmatamento
PREOCUPAÇÃO – ‘A floresta está ficando cada vez mais inflamável’. Arquivo pessoal
Algumas estimativas chegam a falar que são necessárias de 50 mil a 100 mil sementes de castanha-do-pará para ter uma árvore adulta
SÃO PAULO – O biólogo paraense Carlos Peres ainda estava no início da adolescência quando percebeu que a atividade do pai, um grande exportador de castanha-do-pará em Belém, iria sucumbir em algum momento, se continuasse sendo feita de modo intensivo. Aos 11 anos, via todas as castanhas sendo retiradas das árvores e começava a se questionar como é que elas iriam gerar novas castanheiras. Por Giovana Girardi, de O Estado de S. Paulo, 01/10/2008.
A dúvida, que provocou algumas brigas com o pai – “ele achava que aquilo tudo era bobagem”-, impulsionou o garoto a investigar os processos de devastação da Amazônia. Aos 16 anos, bateu na porta do Museu Paraense Emílio Goeldi e pediu estágio. “Eu tinha passado uns tempos nos Estados Unidos, falava bem inglês, então todos os associados estrangeiros do Goeldi me levavam para o campo. Descobri que era aquilo que eu queria da vida.”
Enquanto estava no museu, entrou em biologia na Universidade Federal do Pará. Depois fez mestrado, doutorado e pós-doutorado no exterior, deu aulas na USP, em São Paulo, até não agüentar mais a capital paulista. Foi para a Universidade de East Anglia, na Inglaterra, mas nunca deixou de estudar os problemas do seu “quintal de infância”.
“Já era muito óbvio quando eu era pequeno que os castanhais poderiam sucumbir, se alguém vai lá e cata 99% das sementes, mas eu só tinha 11 anos e não tinha como comprovar”, lembra. Hoje, passados 20 anos de estudo de campo, o biólogo coletou estatísticas suficientes para pode dizer com segurança que o tão propalado desenvolvimento sustentável baseado em sistemas extrativistas supostamente benignos está fadado ao fracasso, se não houver um bom plano de manejo por trás.
Como as castanheiras têm alta longevidade, esses problemas só são percebidos com trabalhos também de longo prazo. Investigando os castanhais mais antigos, Peres notou que vem ocorrendo um “estrangulamento na taxa de recrutamento de plantas” – traduzindo, não está havendo tempo para nascerem novos indivíduos.
Algumas estimativas chegam a falar que são necessárias de 50 mil a 100 mil sementes para ter uma árvore adulta. Isso porque as sementes e as plântulas (um tipo de brotinho) podem ser comidos por predadores. “Se essa fase começa com poucas sementes, não chega nem a saciar a predação. Precisa ter muitos para que alguns sortudinhos possam crescer”, explica com um leve sotaque inglês, adquirido após mais de dez anos vivendo em Norwich, na Inglaterra.
Além da retirada excessiva de sementes, os castanhais ainda são ameaçados pelo corte da árvore que, apesar de proibido, continua sendo feito, e pelo próprio avanço do desmatamento – a árvore não consegue sobreviver por muito tempo, se estiver isolada na floresta.
Para piorar, lembra Peres, a pressão de caça sobre mamíferos como as cutias, dispersores naturais das sementes, também ameaça a sobrevivência dessas árvores e das populações que vivem dela.
GENTE DEMAIS
Segundo seus cálculos, quando a presença humana ultrapassa a taxa de 0,1 pessoa por km² em algumas áreas, os mamíferos tendem a fugir dali. O que leva a concluir que um dos problemas mais difíceis de resolver é que na região tem gente demais.
Seu resultados, publicados em revistas científicas de peso como a americana Science têm chamado a atenção da imprensa e, por conseqüência, dos órgãos públicos. “Eles (o governo) ainda não lêem os artigos na fonte, mas, se sai no jornal, vêm me procurar”, conta. São dados que estão servindo para modificar o paradigma sobre o desenvolvimento sustentável e podem em breve, espera Peres, balizar as políticas públicas.
O trabalho com os castanhais foi apenas parte de uma preocupação mais ampla do pesquisador com o que ele chama de “perturbação estrutural da floresta”, onde avalia a cadeia de ações que têm levado a incêndios espontâneos cada vez mais freqüentes na mata. “Um dos maiores problemas da Amazônia hoje é que a floresta está ficando cada vez mais inflamável por uma conjunção de fatores, como secas promovidas pelo aquecimento global e pela ação de madeireiros.”
De acordo com Peres, quando as árvores são retiradas seletivamente da mata acabam abrindo buracos no dossel que possibilitam o ressecamento das plantas remanescentes naquele espaço, ficando suscetíveis ao fogo. “A única coisa com capacidade para segurar essa vulnerabilidade são grandes extensões de floresta primária intacta, que funcionam como barreiras ao fogo”, explica. A descoberta é mais uma justificativa para a criação de áreas protegidas.
[EcoDebate, 03/10/2008]
Este assunto me interessa muito, pela oportunidade que me oferece de provocar algumas reflexões, que considero importantes.
1°- Esse artigo retrata bem a contradição da legislação florestal no tocante a preservação dos castanhais nativos, assim como de seringais. Ambas espécies, castanheira (Betholettia excelsa) e seringueira (Hevea brasiliensis)estão (mas não são) protegidas pelo Código Florestal contra o corte. Aí reside a 1ª contradição. A lei proibe o corte mas não proibe a queima e nem o afogamento, que, tal como o corte também matam a árvore. E daí vem a 2ª contradição, com base na lei surge a figura absurda da “castanheira desvitalizada” que nesse estado pode ser cortada e comercializada sua madeira, diga-se de passagem, de ótimas qualidades industriais. E por conta dessa brecha da lei muitos castanhais foram dizimados da floresta amazônica. E assim, muita gente está ganhando dinheiro na clandestinidade. Não é dificil se encontrar nas serrarias e marcenarias nas cidades paraenses onde há ocorrências de castanhais nativos, madeira beneficiada e móveis de castanheira à venda sem qualquer restrição. E aí eu acho outro contra senso da lei, quer dizer, o escopo da lei era garantir tão somente a produção extrativista dos frutos da castanheira, numa época em que essa produção representava um dos principais itens da pauta de exportação do País. Todavia, os tempos mudaram e a madeira da árvore também tem valor. Por que não agregar esse valor? Em vez de simplesmente ignorar;
2° – Nesse contexto, as políticas de ocupação regional que vieram sendo implementadas ao longo das últimas 5 décadas, eram de confronto e atropelamento a lei de proteção aos castanhais, e o que se viu como resultado foram cenários devastadores de castanheiras mortas em pé;
3° – Com o avanço das fronteiras agropecuárias na região feito na base de queimadas, com o calor do fogo e da fumaça, houve o desaparecimento do agente polinizador de flores das castanheiras, a caba Mangangá, e conseqüentemente um declínio importante na produção de frutos dos castanhais nativos, que repercutiu em queda de exportação;
4° – Certamente que tais fatôres, a príncipio, contribuiram e ainda contribuem como ameaças determinantes ao desaparecimento dos castanhais nativos da floresta amazônica, muito mais do que a coleta excessiva dos frutos, que reflete a falta de manejo técnico adequado do castanhal;
5°- Finalmente, ao meu ver, o equacionamento dessa problemática se resume numa revisão e atualização da legislação vigente sobre a matéria, com foco no desenvolvimento de políticas públicas dirigidas ao manejo sustentado dos castanhais nativos, objetivando o aproveitamento dos frutos e da madeira, em vez de proibir o corte; ainda nesse sentido incentivo ao reflorestamento maciço de castanhais na proporção tecnicamente indicada como reposição das castanheiras cortadas. Enfim, mudar a atual visão míope de preservação da castanheira, para uma visão realista de conservação da espécie, valorizando-a economicamente e perpetuando-a ecologicamente, assim beneficiando socialmente as presentes e futuras gerações, ad eternum.
Grato pela oportunidade
Ricardo Luiz da Silva Costa
Eng° Florestal – Esp. em Gestão Ambiental
C.P. 5370-D CREA 1ª REGIÃO.