Fundação suíça quer cautela com o etanol
Um novo estudo internacional sugere ao Brasil e a outros países “tirar o pé do acelerador” na produção de etanol enquanto não houver informações mais seguras sobre o impacto do desenvolvimento da bioenergia na mudança da forma de uso da terra.
A recomendação foi feita ontem pelo Conselho Internacional para Governança de Riscos, fundação sediada em Genebra com financiamento de alguns governos ricos (como Suíça, Estados Unidos, Áustria e Coréia) e empresas privadas (entre as quais a seguradora Swiss Re, a companhia francesa de energia EDF, a suíça Atel, a alemã E.ON e a consultoria Oliver Wyman). Assis Moreira, de Genebra, para o Valor Econômico, 02/10/2008.
A fundação, que diz querer “antecipar riscos emergentes”, aponta “expectativas irreais” sobre o potencial da bioenergia, que considera “freqüentemente ineficiente”. Diz que a expansão dos biocombustíveis chegou a tal ponto que passou a exigir uma avaliação científica de riscos de longo prazo para a degradação do solo, perda de biodiversidade, utilização excessiva de água e para o conflito com a produção de alimentos, recorrentemente negados pelo governo brasileiro e pelas usinas sucroalcooleiras instaladas no país.
Considera a fundação que esses impactos indiretos colocam em xeque a lógica ambiental para a bioenergia se amplas áreas são necessárias para a produção de etanol e biodiesel, indiferentemente da localização e dos métodos de produção empregados. Exemplifica, ainda, que o Brasil tem a mais eficiente produção de etanol do mundo, com a cana-de-açúcar, mas que mesmo políticas bem sucedidas trazem persistentes problemas ambientais e sociais.
“Há o problema da expansão da produção na Amazônia [que será coibido por Brasília], a mudança no uso da terra em São Paulo, o impacto no cerrado e os efeitos na migração da população rural”, afirmou Jeff McNeely, cientista-chefe da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) e principal autor do relatório.
De acordo com o estudo, o Brasil já pode “estar sofrendo com as conseqüências do crescente desmatamento para a produção de soja para ocupar o vácuo deixado pelos produtores americanos que partiram para a produção subsidiada e lucrativa de etanol a base de milho”. Em entrevista coletiva em Genebra, McNeely repetiu queixas de “pobres condições de trabalho” de 1 milhão de pessoas no segmento sucroalcooleiro no Brasil. Ele observou que a mecanização da colheita de cana no país “vai piorar ainda mais as emissões de gás carbônico”.
O representante do Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD), George Weyerhaeuser, indicou um suposto desconforto de investidores internacionais com “falta de clareza” na política do governo sobre o uso de terra na produção de etanol. Ele não deu exemplos de suposta hesitação de investidores em apostar no etanol brasileiro. Deu, na verdade, seu exemplo pessoal, no sentido contrário. Disse que sua companhia, sediada em Seattle (EUA), investe na produção de madeira no Sul do Brasil junto com a Aracruz, e que pretende ampliar esses aportes.
O argumento do documento sobre o uso da terra para cana vai na linha daquele de oito multinacionais de bebidas e alimentação – Nestlé, Unilever, Kellog”s, Danone, Cadbury, Mars, Heineken e Pepsi -, que pediram à União Européia para “desistir” da meta de utilização de 10% de biocombustíveis no transporte até 2020, pois ela podia “erodir” a competitividade da indústria alimentícia local.
A idéia é que a produção de etanol no Nordeste, por exemplo, tira espaço da produção de alimentos e impele os agricultores a desmatar a Amazônia. Dessa forma, o cálculo da eficiência ambiental do etanol importado do Brasil teria que incluir o volume de emissões de gases de efeito estufa no desmatamento da Amazônia, mesmo se ele não foi para produzir biocombustíveis. Se o critério for aceito na UE, o etanol brasileiro não atenderá às exigências de redução de gases em relação à gasolina.
[EcoDebate, 03/10/2008]