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Modernização agravou problemas sócio-ambientais do Piauí

Carnaubeira
Carnaubeira (Wikipédia)

Desde o final da década de 90 o nordeste ocidental (sul do Maranhão e do Piauí e oeste da Bahia) tem vivido um boom econômico devido ao aumento da produção de soja na região. No entanto, esse crescimento teve conseqüências como a exclusão social, o trabalho escravo, a grilagem de terras, a degradação ambiental e o monopólio da terra a partir de grandes latifúndios. Esse foi o resultado de 10 anos de pesquisa de mestrado e doutorado do geógrafo Vicente Eudes Lemos Alves, apresentada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Por Naila Okita, especial para a Agência USP de Notícias.

A população camponesa dessas terras que antes vivia da agricultura de subsistência, em sua grande maioria, foi expulsa para dar lugar a latifúndios para a agricultura moderna exportadora de soja. A produção do grão se tornou a principal atividade econômica da região, atraindo grandes investimentos estrangeiros, empresas multinacionais, produtores e trabalhadores especializados do Sul do País. Por outro lado, a atividade não absorveu a mão de obra existente, que foi obrigada a migrar para as cidades, onde hoje vive em habitações precárias nas periferias.

“A modernização gerou um grande impacto nos cerrados nordestinos”, comenta Alves. “Houve um crescimento econômico acelerado, mas essa prosperidade foi para poucos”. Ele cita o historiador e geógrafo Caio Prado Jr, que diz que o Brasil ainda não superou o sentido do processo de colonização, porque cresce preocupado com o mercado externo. É exatamente esse o caso da soja, cuja produção é quase em sua totalidade destinada à exportação. Isso faz com que não se desenvolva um mercado interno e que a agricultura fique dependente de grandes empresas que monopolizam a compra do produto, mas que também foram responsáveis pelo boom de sua produção, como as multinacionais Bunge, Cargill e ADM.

Crise
A agricultura moderna (melhores máquinas, controle informatizado, melhor escoamento da produção) fez com que muitos dos produtores de soja grilassem terras devolutas dos platôs (pertencentes ao Estado) utilizadas até então de forma de uso comum pelos camponeses. O êxodo rural conseqüente gerou um crescimento urbano desordenado. Na cidade de Luís Eduardo Magalhães (BA), por exemplo, a 950 quilômetros de Salvador e uma das mais importantes para o setor, a população aumentou de 20 mil pessoas, em 2000, para 50 mil, em 2005. “Ao mesmo tempo em que se construiu condomínios de luxo, de casas que valem em torno de R$ 1 milhão, houve o crescimento das periferias urbanas, desempregos, violência e pobreza”, critica Alves.

Para os que conseguiram emprego nas lavouras, a situação não foi melhor, segundo o geógrafo. Relatórios de fiscais do Ministério do Trabalho denunciavam não somente más condições de trabalho como também o uso de mão-de-obra escrava em muitas dessas plantações.

O impacto ambiental também foi forte. Para o plantio da soja foi necessário desmatar grandes áreas de terra, gerando erosão, assoreamento dos vales úmidos, desaparecimento de nascentes e mananciais, expansão de pragas. O clima da região foi alterado – em Bom Jesus (PI) a temperatura chegou a 44,6ºC em novembro de 2005, de acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), até então a maior temperatura registrada no Brasil em 96 anos. A temperatura máxima média anual da cidade era de 34,5ºC. Tudo isso além do mau uso de agrotóxicos, que prejudicam a vegetação, o solo e a saúde humana.

A pesquisa está inserida na linha de estudos do Krisis, um grupo de estudos de origem alemã que mobilizou alguns pesquisadores do Departamento de Geografia da USP coordenados pelo professor Heinz Dieter Heidemann. Eles analisam a crise gerada pela atual sociedade de consumo baseada na produção de mercadorias, característica forte do capitalismo, mas que acaba por não conseguir absorver toda a força de trabalho disponível.

Mais informações: (0XX11) 3082-4553 ou email veudes@terra.com.br, com Vicente Eudes Lemos Alves. Doutorado orientado pelo professor Heinz Dieter Heidemann

[EcoDebate, 02/10/2008]

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