Rio de Janeiro: Decisão sobre novas regras de ocupação de encosta no Itanhangá fica para depois das eleições
Depois da polêmica envolvendo a criação da Área de Especial Interesse Urbanístico do Itanhangá, o próprio líder do governo na Câmara de Vereadores, Paulo Cerri (DEM), pediu ontem o adiamento da votação, em primeira discussão, do projeto de lei de autoria do Executivo. Para o vereador, a proposta – que permite, inclusive, a ocupação da encosta acima da cota cem (cem metros acima do nível do mar) – não seria aprovada se fosse votada antes das eleições: – Não poderia correr o risco de que uma matéria dessa importância não obtivesse número suficiente de votos para ser aprovada. Pedi que a votação fosse adiada por duas sessões, para depois do dia 5, quando as críticas ao projeto vão diminuir muito. Por Isabela Bastos e Selma Schmidt, do O Globo, 25/09/2008.
Faltam dez dias para as eleições e os vereadores querem ver seus nomes nos jornais, criticando uma matéria urbanística importante. É natural.
Na sessão, alguns vereadores fizeram discursos inflamados contra a proposta. Eliomar Coelho (PSOL) anunciou que apresentará projeto substitutivo. Segundo ele, a proposta fere ao menos seis artigos da Lei de Crimes Ambientais. Para Rogério Zouen, diretor do Grupo Ação Ecológica, a aprovação do projeto não estimularia a ocupação regular da encosta junto a favelas já consolidadas: – A classe média alta não vai querer ser vizinha de favela. O filé mignon é a mata densa depois da Favela do Banco, no sentido Barra.
Já o secretário municipal de Urbanismo, Augusto Ivan, rebateu críticas de representantes de órgãos federais, que alegaram não ter sido ouvidos.
– Os órgãos terão de ser ouvidos quando for pedido o licenciamento para um empreendimento.
Vereador pode mudar lei já sancionada
A lei que declara o Parque Ecológico do Mendanha como área de especial interesse para fins sociais, sancionada na semana passada pelo prefeito Cesar Maia, também poderá ser modificada.
Autor do projeto, o vereador Jorge Felippe (PMDB) afirmou ontem estar disposto a alterar a lei, tornando área de especial interesse apenas o local já ocupado por imóveis, e não o parque todo.
– Quando criei o parque (ele é autor da lei de 1993), prometi que as pessoas que moravam ali receberiam a titulação de seus imóveis. Fizemos um cadastramento em 2001 dessas famílias.
Eram cerca de 400. Elas é que têm de ser beneficiadas.
Para o biólogo Jorge Antônio Lourenço Pontes, apenas o trecho onde estão as construções deve ser declarado como de especial interesse: – Além disso, com a supressão desse trecho, será preciso ampliar os limites do parque para que ele não perca em área.
Moradores vêem projeto com bons olhos
Eles alegam que novas construções de classe média ajudariam a impedir favelização
Um grupo de moradores de condomínios do Itanhangá está se mobilizando para pressionar a Câmara de Vereadores a aprovar o projeto de lei complementar 45/2007, que faz modificações na legislação urbanística do bairro. Uma comissão de 18 pessoas foi formada para acompanhar a tramitação do projeto e faixas pedindo que a proposta seja levada em consideração pelos parlamentares já começaram a ser estendidas às margens das estradas da região. Entre as modificações previstas, o projeto permite construções acima da chamada cota cem (cem metros acima do nível do mar) por pequenos condomínios de casas de até dois andares nas imediações do Parque Nacional da Tijuca. O grupo acredita que novas construções de classe média ajudariam barrar a favelização do Itanhangá, que já tem 11 comunidades catalogadas.
Favelas da Floresta e da Fazenda podem virar uma só comunidade
Dados do Instituto Pereira Passos revelam que, em 2004, essas comunidades já ocupavam 565.298 metros quadrados de terrenos no bairro. As informações disponíveis sobre número de moradores nas favelas ainda são do último Censo do IBGE, de 2000, quando foram identificadas 9.855 pessoas morando em 2.917 domicílios.
Os moradores das 11 comunidades correspondiam a uma fatia de 45% dos 21.813 moradores do bairro há oito anos.
Os números oficiais são antigos, mas o crescimento das comunidades, segundo os moradores, pode ser medido visualmente. A Favela da Floresta (mais conhecida como Morro do Banco) teria mais que dobrado de tamanho em oito anos, segundo proprietários de casas na Estrada da Barra da Tijuca. A comunidade, que ficava camuflada em meio às árvores, hoje já ocupa um bom pedaço da encosta próxima à Pedra da Gávea. Uma trilha na mata permite que os moradores do Banco cheguem à Favela da Fazenda, cuja entrada principal fica na Estrada do Alto da Boa Vista. O temor é que as duas comunidades avancem sobre a faixa de floresta que as separa, virando um só complexo.
– A a construção de condomínios criaria um paredão de proteção da encosta. Os condomínios ocupariam de 10% a 30% dos terrenos. As favelas ocupam 100% dos espaços – defende o oficial da Marinha Edson Lopes, que mora no Condomínio Neves da Rocha.
Numa prova de que as comunidades no Itanhangá só fazem crescer, a Fazenda – que em 2000 tinha 312 moradores em 93 domicílios, segundo o IBGE – tem hoje 415 famílias, segundo o presidente da Associação de Moradores, Erisvaldo do Vale Lima. Segundo ele, a comunidade está apreensiva com o projeto e teme uma remoção: – Querem limpar a área para a construção de condomínios bacanas.
Secretário defende a ocupação ordenada
Membro da comissão, o engenheiro aposentado Sebastião Laércio Machado diz que a retirada do projeto da pauta não esmorecerá o movimento.
Ele afirma ainda que os moradores não temem que a flexibilização da legislação estimule a ocupação desordenada da área verde, uma vez que eventuais construções estariam condicionadas à concessão de licenças.
Professor de direito ambiental, o advogado Paulo de Bessa Antunes diz que é preciso rever conceitos: – As encostas já estão ocupadas.
Precisamos, sem tabus, discutir essa ocupação, para que ela se dê de forma ordenada. Só assim vamos impedir o crescimento da favelização.
O secretário municipal de Urbanismo, Augusto Ivan, disse que o projeto do Itanhangá faz parte de um conjunto de proposições urbanísticas para aquela região. Ele citou o Projeto de Estruturação Urbana (PEU) da Taquara, que foi aprovado, e a legislação proposta para Vargem Grande e adjacências, em tramitação na Câmara de Vereadores: – Com o desinteresse da construção regular, vem crescendo a construção irregular no local. A ocupação ordenada é a melhor forma de proteger o lugar.
[EcoDebate, 26/09/2008]