Eletricidade: tratamento eletrolítico é método alternativo para tratamento da água
Processos convencionais de tratamento de água podem apresentar limitações e inconvenientes, como a necessidade de grandes áreas de instalação e altos custos para sua implementação. Por isso, ao longo das últimas décadas, pesquisadores têm desenvolvido métodos e técnicas para o tratamento de águas de abastecimento e residuárias. Uma delas, estudada na Unesp de Rio Claro, é o tratamento eletrolítico, que usa a eletricidade para separar elementos químicos da água e pode contribuir como tratamento alternativo ou complementar aos sistemas convencionais (biológicos e físico-químicos). Por Nereide Cerqueira, da ComCiência.
O processo eletrolítico consiste basicamente na aplicação de energia elétrica em eletrodos separados, dispostos paralelamente e mergulhados na solução a ser tratada, a fim de melhorar sua qualidade sob o ponto de vista sanitário e ambiental. Esse tipo de tratamento produz transformações de oxidação e redução em substâncias presentes nas águas, como microrganismos ou substâncias químicas com potencial poluidor ou contaminante. Para os resíduos domésticos, ou seja, o esgoto urbano ou rural, os sistemas eletrolíticos foram aplicados em várias cidades do Estado de São Paulo nas décadas de 80 e 90, mas não tiveram muito sucesso.
O tratamento eletrolítico, porém, pode ser utilizado em qualquer efluente líquido, seja para desinfecção ou transformação das substâncias poluidoras. Associado ao tratamento fotoquímico, que utiliza radiação ultravioleta, o sistema eletrolítico mostrou-se eficiente na degradação de um corante encontrado em águas descartadas pela indústria têxtil. Os métodos mais conhecidos de tratamento de efluente têxtil consistem na degradação biológica e química e métodos físicos, como adsorção (processo pelo qual átomos, moléculas ou íons são retidos na superfície de sólidos) e filtração, mas esses métodos envolvem a produção de grande quantidade de lodo ou a ocupação de grandes áreas. Assim, os tratamentos eletrolítico e fotoquímico são considerados muito promissores para o tratamento de efluentes orgânicos e podem contribuir como tratamento alternativo ou complementar de efluentes têxteis.
Apesar disso, antes de sua utilização, deve ser feito um estudo de viabilidade para cada situação, já que ainda não há um tratamento padrão que possa ser utilizado para a maioria dos casos, alerta Ederio Bidoia, químico do Laboratório Multidisciplinar de Pesquisas em Meio Ambiente do Departamento de Bioquímica e Microbiologia da Unesp de Rio Claro, onde a pesquisa foi realizada. As maiores vantagens dos sistemas eletrolíticos são a portabilidade, o uso de pequenos espaços para a instalação, a rapidez do tratamento e a facilidade da automação. O custo financeiro mais elevado por metro cúbico tratado e a necessidade de integrar esses sistemas a outros tratamentos convencionais são as principais desvantagens.
Bidoia ressalta que o Brasil possui um déficit gigantesco em saneamento e há pouco pessoal preparado e com conhecimentos mais profundos sobre sistemas de tratamentos. Além disso, o país ainda utiliza tecnologia estrangeira de diversas multinacionais que dominam esse segmento. “As pesquisas nas universidades e nos institutos de pesquisa podem contribuir na redução do déficit de saneamento brasileiro e é preciso investir em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias de tratamento de águas”, alerta.
O processo eletrolítico já é utilizado em larga escala há muitas décadas em diversos setores industriais, entretanto, apenas recentemente para fins ambientais. Atualmente, existe um sistema em escala piloto sendo utilizado para tratar o efluente hospitalar da Unicamp e outro sistema em fase de licenciamento de patente para uma empresa, ambos desenvolvidos durante o doutoramento de Peterson Bueno de Moraes, que atualmente coordena as pesquisas para tratamento de efluentes no Departamento de Tecnologia em Saneamento Ambiental do Centro Superior de Educação Tecnológica da Unicamp de Limeira. “Tanto em escala laboratorial como em larga escala, o processo deve ser ajustado para cada tipo de efluente em particular, não sendo possível uma avaliação sem testes”, explica o pesquisador.
Segundo estimativas, as indústrias brasileiras reaproveitam menos de 3% da água que usam. Esse é um dado preocupante, já que somente 3% da água do planeta é disponível como água doce e, destes, cerca de 75% estão congelados nas calotas polares e cerca de 10% estão reservados nos aqüíferos. “Portanto, somente 15% dos 3% de água doce do planeta estão disponíveis. Destes, aproximadamente 23% são consumidos pela indústria no nosso país”, alerta Moraes.
Outra pesquisa sobre tratamento das águas foi realizada por pesquisadores do Laboratório de Bioprocessos da Unesp de São José do Rio Preto, que conseguiram 90% de pureza com a utilização de processos biológicos aeróbicos (feitos com a presença de oxigênio) e anaeróbicos (sem a presença de oxigênio) no tratamento de resíduos em uma fábrica de farinha de mandioca. “No caso da fabricação da farinha de mandioca, em geral, os sistemas utilizados são baseados em lagoas anaeróbias, que, em vários casos, devido a um manuseamento equivocado, geram um odor muito forte e agressivo e são facilmente assoreadas”, diz Vanildo Del Bianchi, que coordenou a pesquisa.
Nesse caso, as pesquisas buscaram soluções alternativas, como os processos aeróbios com paralisação de aeração e o reator anaeróbio compartimentado. A paralisação da aeração, sendo bem delineada, não interfere no rendimento do processo e tende a diminuir o consumo de energia e a produção de células. O reator compartimentado é um sistema anaeróbio onde as etapas de geração de ácidos e geração de gases são separadas por compartimentos pertencentes a um mesmo reator, o que facilita o controle do processo. O objetivo é melhorar cada vez mais os sistemas de tratamento de efluentes, com um menor custo e com maior eficiência, sejam eles biológicos ou físico-químicos. “Essas técnicas são alternativas e ainda não foram implementadas”, diz Bianchi. “Qualquer indústria que trate biologicamente seus resíduos pode empregar essa técnica mediante um estudo prévio, mas cada resíduo tem uma característica própria e merece um estudo particular”, ressalta.
Da ComCiência, Revista Eletrônica de Jornalismo Científico, SBPC/LABJOR
[EcoDebate, 24/09/2008]