O mundo está perdendo a batalha contra a fome
Foto de arquivo mostra catadores de lixo assando bifes para o almoço no meio do aterro sanitário conhecido como Lixão da Estrutural. Relatório divulgado ontem (18) pela FAO mostra que o problema da fome se agravou com a inflação dos alimentos Foto: Janine Moraes (Estagiária sob sup. Marcello Casal Jr/ABR
Número de desnutridos no planeta cresceu 75 milhões no ano passado e chegou a 923 milhões, cada vez mais distante dos Objetivos do Milênio, segundo as Nações Unidas. Na América Latina e Caribe, aumento foi da ordem de seis milhões.
Alta no preço dos alimentos agrava problema da fome no mundo, afirma ONU
Pelo menos 75 milhões de pessoas foram colocadas abaixo do limiar da fome em todo o mundo no ano passado, de acordo com relatório da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Com isso, o número de desnutridos chegou a 923 milhões de pessoas, contra uma estimativa de 848 milhões para o período 2003-2005.
Para a FAO, um dos principais motivos foi o aumento nos preços internacionais de alimentos. E com a alta contínua nos valores dos principais cereais e do petróleo em 2008 – apesar de o preço do barril ter retornado à faixa dos US$ 100 recentemente -, a expectativa da organização é de um crescimento ainda maior da fome no mundo.
A região onde a fome se agravou mais é a Ásia e o Pacífico, com 41 milhões de novos desnutridos. Na América Latina e Caribe, a FAO estima que o aumento foi da ordem de seis milhões.
Os números mostram uma reversão na tendência positiva rumo ao cumprimento dos Objetivos do Milênio (ODM), entre eles o de reduzir pela metade a proporção de pessoas com fome no mundo até 2015.
De acordo com a FAO, chegar à meta fixada na Cúpula Mundial sobre Alimentos, em 1996, é um desafio cada vez mais difícil, já que seria necessário reduzir o número de famintos em 500 milhões para se chegar à metade do número estimado em 1990-1992, que era de 842 milhões.
Além disso, a tendência negativa também coloca em risco os outros ODMs. Segundo a organização, é necessário romper o círculo vicioso da fome e da pobreza, agindo em duas frentes. Uma é fazer com que a população mais pobre e vulnerável tenha acesso a alimentos e outra é ajudar os pequenos produtores a aumentar sua produção e renda.
Ainda de acordo com a FAO, os países mais atingidos pela crise dos alimentos, a maioria na África, vão precisar de pelo menos US$ 30 bilhões por ano para garantir a segurança alimentar da sua população e reativar sistemas agrícolas. No entanto, a redução da fome pode trazer grandes benefícios, de forma a permitir que se alcance os outros objetivos do milênio, como a redução da pobreza, do analfabetismo, da mortalidade infantil.
Estratégia para evitar subnutrição deve ser aumentar oferta de alimentos, diz FAO
Além de conter a alta dos preços de alimentos e estabilizar a atual situação da fome no mundo, a meta de governos e organizações internacionais deve ser incentivar o aumento da produção na agricultura familiar, para evitar um aumento maior no número de pessoas com subnutrição crônica. Foi o que afirmou hoje (18), em entrevista à Agência Brasil, o representante da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) no Brasil, José Carlos Tubino.
De acordo com um informe da FAO divulgado hoje, em todo o mundo mais de 75 milhões de pessoas entraram no grupo daqueles que estão abaixo da linha da fome no mundo, fazendo com que o número de famintos chegasse a 923 milhões, cerca de 17% da população mundial. “Eu diria que as perspectivas não são positivas, estamos muito preocupados”, afirmou.
“A política brasileira de aumentar a produção de alimentos é uma política que está no sentido correto”, disse Tubino, que também destacou a Iniciativa relativa ao Aumento dos Preços dos Alimentos, lançada pela FAO em dezembro de 2007, para ajudar os países mais vulneráveis à escalada de preços a aumentar a oferta de alimentos e facilitar o acesso a eles.
O representante da organização explicou que a FAO está tentando apoiar as ações emergenciais em pelo menos 78 países, mas também “fornecer os insumos importantes para assegurar a produção da agricultura familiar”. Entre os insumos distribuídos, estão sementes, fertilizantes, rações animais e mesmo ferramentas
No entanto, José Carlos Tubino destaca que o aumento da oferta não pode ficar concentrada apenas nos grandes produtores agrícolas. “Isso também é importante, mas a preocupação é que as próprias comunidades e os grupos vulneráveis tenham capacidade também de produzir seus próprios alimentos, já que eles muitas vezes não estão vinculados com o mercado”, disse.
Para a FAO, os problemas causados pelo aumento dos preços de alimentos em todo o mundo tornam quase inatingível a meta de reduzir à metade o percentual de pessoas que passam fome, em relação aos 842 milhões estimados em 1990-1992.
“Existe uma tendência para baixa [nos preços], mas ainda não está definida; nós achamos que se estabilizariam os preços num patamar menor, mas esse patamar estaria acima dos preços de 2006”, ponderou Tubino.
De acordo com ele, o mais importante agora é estabilizar a situação, assegurar que os preços não continuem disparando “e sobretudo que os benefícios da disparada dos preços sejam para os próprios produtores de alimentos e não fiquem nas mãos de especuladores ou intermediários”.
Matéria de Ana Luiza Zenker, da Agência Brasil, publicada no EcoDebate, 19/09/2008.