submédio São Francisco: Trabalho aponta potencial cancerígeno em agrotóxicos utilizados na fruticultura
Os agricultores estão expostos a altos níveis de intoxicação (Foto: Lara Ramos)
Nas últimas duas décadas, a região do submédio São Francisco, que abrange áreas da Bahia e de Pernambuco, vêm se destacando como importantes pólos fruticultores do país. No entanto, o desenvolvimento econômico veio atrelado à adoção de modelos tecnológicos que utilizam grande quantidade e variedade de agrotóxicos. Um estudo feito pela Fiocruz Pernambuco investigou o potencial de desenvolvimento de tumores malignos (carcinogênicos) a partir do uso dos agrotóxicos empregados na fruticultura da região e concluiu que os trabalhadores rurais envolvidos na atividade estão expostos a riscos inaceitáveis de intoxicação. Por Rita Vasconcelos, da Agência Fiocruz de Notícias.
Segundo o estudo, desenvolvido pela biomédica Cheila Bedor como trabalho de conclusão do doutorado em saúde pública da Fiocruz Pernambuco, dos 43 ingredientes ativos pesquisados, presentes nos agrotóxicos usados na região, 35 deles (81%) foram classificados como potencialmente carcinogênicos, 3 (7%) apresentaram potencial pré-carcinogênico (espécies que podem se transformar em substâncias cancerígenas) e 5 (12%) não foram passíveis de classificação. “Estes resultados demonstram o quanto a população, principalmente a rural, de uma região tão próspera economicamente pelas atividades agrícolas, está exposta aos riscos causados pelos agrotóxicos”, afirma a pesquisadora.
Para avaliar o potencial carcinogênico das substâncias, Cheila utilizou uma ferramenta de baixo custo e de resultado rápido, desenvolvida pelos químicos Antônio Carlos Pavão e Marcelo Brito Carneiro Leão, das universidades Federal e Federal Rural de Pernambuco, respectivamente. A técnica é baseada no método químico-quântico computacional que possibilita identificar o potencial carcinogênico da substância. Isto se dá por meio do uso de um software que permite verificar a possibilidade do DNA humano (ao entrar em contato com a substância química) sofrer alteração, vindo a desenvolver células cancerígenas.
Para a pesquisadora do Departamento de Saúde Coletiva da Fiocruz Pernambuco e orientadora do trabalho, Lia Giraldo, a vantagem da técnica está no fato de poder predizer o potencial carcinogênico de uma substância sem precisar submeter o ser humano ou animais de experimentação a agentes tóxicos para verificar seu dano à saúde, sendo, assim, muito útil à vigilância à saúde.
Além da análise do potencial carcinogênico dos agrotóxicos, fez-se um estudo descritivo da avaliação do processo produtivo, ocupacional e ambiental da região. Para isso foram entrevistados 283 agricultores do Vale do São Francisco, com idades variando entre 15 e 79 anos. A maioria (83%) é do sexo masculino e possui escolaridade baixa – 12% são analfabetos e 64% têm o ensino fundamental incompleto. “O que os leva a uma vulnerabilidade maior, para as situações de risco, pelo fato de implicar na dificuldade de leitura dos rótulos dos agrotóxicos”, explica Cheila.
Para a pesquisadora, os registros de agrotóxicos no Brasil devem ser revistos devido à quantidade de substâncias carcinogênicas e/ou mutagênicas (substâncias químicas capazes de provocar mutações) que são utilizadas no país. “Embora a Portaria n°84/96, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), no seu capítulo sexto, preveja o banimento desse tipo de produto em situações de risco que não sejam passíveis de prevenção ou remediação, isso não vem acontecendo na prática”, comenta.
Segundo Cheila, os registros dos agrotóxicos, assim como a escolha deles para os programas integrados de frutas, não levam em conta o princípio da precaução. “Falta uma política efetiva de fiscalização no acompanhamento técnico e no controle de agrotóxicos na região. Bem como uma organização de serviços integrados de saúde do trabalhador para a vigilância e assistência sanitária, articulando os aspectos ambientais, epidemiológicos, clínico e de educação na promoção e proteção da saúde e do meio ambiente”, ressalta. A pesquisa faz parte da linha de investigação do Laboratório de Saúde, Ambiente e Trabalho, que vem fazendo diversos estudos sobre a nocividade dos agrotóxicos em Pernambuco para a saúde humana desde 1996.
[EcoDebate, 16/09/2008]