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Direitos dos índios não são ameaça, artigo de James Anaya


Os povos e indivíduos indígenas, suas culturas e modos de vida estão à altura de todos os outros em dignidade e valor

[Folha de S.Paulo] HÁ UM ano, no dia 13 de setembro de 2007, a Assembléia Geral da ONU adotou a Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas, marcando o fim de anos de estudos e trabalhos conjuntos entre governos, povos indígenas e especialistas de todo o mundo.

Ao adotar a declaração, a mais importante instituição de sociedade organizada do mundo -as Nações Unidas- proclamou o que deveria ter sido afirmado há muito tempo, mas não era amplamente aceito: que os povos e indivíduos indígenas, suas culturas e modos de vida estão à altura de todos os outros em dignidade e valor.

A declaração não estabelece novos direitos exclusivos para os povos indígenas, mas simplesmente toma princípios básicos de direitos humanos, que são aplicáveis a todos, e os detalha dentro do contexto histórico, cultural, político e social específico dos povos indígenas. Ela visa superar a marginalização e a discriminação que os povos indígenas têm enfrentado em todo o mundo como resultado dos históricos processos de colonização, conquista e desapossamento.

A declaração é também um lembrete de que a opressão contra os povos indígenas infelizmente persiste até hoje e convoca os governos e a comunidade internacional a colocar um fim nessa opressão e a adotar medidas afirmativas para implementar os direitos humanos que têm sido negados aos povos indígenas. O Brasil é um dos 143 países cujos governos votaram pela adoção da declaração na Assembléia Geral da ONU, integrando um consenso global que tem sido construído ao longo dos anos. Apenas os governos de quatro países votaram contra a declaração e 11 se abstiveram.

É importante observar que cada um dos países que votaram contra a declaração -Austrália, Canadá, Estados Unidos e Nova Zelândia- explicou seu voto à Assembléia Geral, expressando apoio aos princípios fundamentais da declaração, mas apontando apenas para algumas disposições que eram vistas como problemáticas ou para imperfeições no processo que levou à adoção da declaração.

Muitos dos Estados que se abstiveram deram explicações semelhantes.

Nenhum governo manifestou oposição aos aspectos essenciais da declaração nem a enxergou como em conflito com suas Constituições ou sistemas políticos. Pelo contrário, a visão predominante, expressa pelos governos de todo o mundo ao votar a favor da declaração, foi a de que ela fortaleceria a construção de sociedades democráticas e de unidade nacional, com base no respeito à diversidade. A declaração avança um modelo de inclusão dos povos indígenas com o tecido social maior dos Estados que respeita padrões culturais distintos, sistemas de autoridade e formas de ocupação de terras tradicionais.

Esse modelo, em geral, é visto no mundo não apenas como compatível, mas também necessário para a construção de sistemas políticos e jurídicos democráticos fortes nos países em que os povos indígenas vivem.

O direito dos povos indígenas à “autodeterminação”, como previsto na declaração, simplesmente significa que eles têm direito de controlar suas vidas e comunidades e de participar em todas as decisões que os afetem, dentro da estrutura vigente de unidade nacional e de integridade territorial de cada país.

O termo “territórios”, também usado na declaração, é uma referência aos espaços geográficos nos quais os povos indígenas viveram e ainda buscam seguir vivendo e não tem nada a ver com uma possível soberania alternativa que afete a soberania nacional.

A referência da declaração aos grupos indígenas como “nações” ou “povos” serve para reconhecer seu caráter e existência como comunidades que transcendem gerações, com coesão política e cultural significativa, que eles procuram manter e desenvolver. Esses termos são usados no sentido de que nações e povos indígenas são distintos, mas também fazem integralmente parte da nação maior e do povo dos países em que vivem.
No mundo, as inquietações acerca da declaração com foco nesses termos estão diminuindo e é provável que desapareçam por completo, significando que a declaração e seus fundamentos de direitos humanos são mais bem compreendidos.

A tendência atual é acolher integralmente a declaração e dedicar-se à tarefa de fazer de seus termos uma realidade, bem como de construir ordens sociais e constitucionais mais justas para todos.

JAMES ANAYA , 49, professor do Programa de Direito e Política Indígena da Universidade do Arizona (EUA), é o relator especial das Nações Unidas para Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas. Esteve em missão no Brasil em agosto deste ano.

Artigo originalmente publicado na Folha de S. Paulo, 15/09/2008.

Sobre James Anaya leiam, também:

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[EcoDebate, 16/09/2008]