Margusa/Suzano: Um licenciamento desencapado, artigo de Mayron Régis
A bem da verdade, todas as frases emplacadas ao longo dos últimos dias e abreviadas numa expressão “pré-sal” sobre a maior reserva petrolífera são dignas de fazerem presentes em qualquer traseira de caminhão ou estamparem as páginas das inúmeras revistas sem credibilidade que bóiam à frente das bancas de revistas.
Sim, Deus abençoou os brasileiros com o “pré-sal”, como já abençoara antes, por incontáveis vezes, ao esbanjar a luz solar sobre o solo pátrio o ano quase todo. Apelidara-se São Paulo de a “terra da garoa”, para muitos continua a “terra da garoa”, e um dos grupos mais populares da música brasileira era, justamente, os “Demônios da Garoa”, o que emprestava à cidade uma sensação de retiro e de encoberta. A industrialização fez com que ela perdesse o seu visual um tanto quanto aristocrático e fez com que ela adotasse um visual mais moderno, condizente com as próprias aspirações da burguesia paulista que se pretendia cosmopolita e vanguardista, apartada do restante do país.
“Que país é este”, cantou Renato Russo , nos anos oitenta, décadas depois à abolição por parte da burguesia paulista e da burguesia mineira de uma idéia de país litorâneo e brejeiro, incapaz de se adensar pelo interior e incapaz de se industrializar. A abolição da escravatura em 1888 embelezara toda uma prática que progrediria na textualidade da república – as reformas sociais se fazem por decretos, mas as reformas políticas e econômicas se fazem por acordos ou golpes de estado.
Na música “Que país é este”, como em outras, Renato Russo mal-disfarça o espanto ao tentar reaver um passado ou rever um passado inerte como os de São Paulo e o Rio de Janeiro nos séculos escravagistas e no começo do século XX, pois se os paulistas, os cariocas e os mineiros abortaram seus entusiasmos com um liberalismo democrático nos anos sessenta com o golpe militar, a cidade de Brasília, cidade natal de Renato Russo, na sua concepção, revida com o passado e expurga qualquer pretensão á participação popular.
Pode se perguntar: que tipo de liberalismo democrático as elites locais preconizavam para modernizar politicamente o Brasil? Quase certo que esse liberalismo imitava os ideais libertários discorridos nos países capitalistas desenvolvidos no final do século XVIII e começo do século XIX.
A imitação cumpre, com relação à original, o papel de eliminar a sua radicalidade. As contestações do sistema escravagista se deveram a pressões internacionais, principalmente, da parte da Inglaterra, contudo a forma de uso e ocupação do solo brasileiro permaneceu e permanece a mesma até hoje. Essa forma de uso e ocupação do solo que usurpa milhares de hectares para o plantio extensivo de monocultivos e para a criação de milhares de cabeça de gado ensejou várias crises de representação dentro da sociedade brasileira que acabaram transfigurando-a em uma medusa.
Qualquer tentativa de limitar a farra quanto ao uso dos recursos naturais logo é recolhida porque a irracionalidade do mito da benção divina sobre o solo e o mar pátrio deve ser mantida. Realinhou-se o licenciamento ambiental para que ele se adéqüe ao mito. O licenciamento das áreas da Suzano para reflorestamento com eucalipto no estado do Maranhão exemplifica bem isso e exemplifica bem mais. Áreas do Baixo Parnaíba foram usurpadas pela Marflora, nos idos dos anos 80, para projetos de manejo florestal. A Paineiras, subsidiária da Suzano, comprou os ativos da Marflora com intuito de fomentar experimentos com eucalipto e quem sabe solidificar um empreendimento de papel e celulose na região.
Pelo que dizem o empreendimento empacou na própria logística da região e na sua própria dimensão econômica. Quem sabe? O que antes eram áreas previstas para um empreendimento de papel e celulose foi revisto para um empreendimento de carvão vegetal com as áreas sendo arrendadas para o grupo Gerdau, maior acionista da Margusa, empresa de ferro-gusa sediada em Bacabeira, litoral maranhense. As comunidades que foram usurpadas em um intenso processo de grilagem na época da Marflora puseram barreiras ao empreendimento de mais de setenta mil hectares e tão intransponíveis que a Gerdau se retirou da Margusa no final de 2007. O processo de licenciamento continuou na Secretaria de Meio Ambiente e recentemente foi concedida a licença prévia.
O parecer técnico favorável ao licenciamento foi assinado por sete funcionários da SEMA e como sempre não consubstancia muita coisa sobre os impactos do empreendimento nos biomas Cerrado, Semi-Árido, Amazônia e Litoral e na vida das populações tradicionais que acumulam funções de agricultores e extrativistas nas áreas de Baixão e Chapada do Baixo Parnaíba maranhense. Isso faz recordar o tempo de pré-escolar e de primário quando se compeliam os alunos a entregarem os livros encapados. A licença prévia foi concedida sem a averbação dos setenta mil hectares e sim de vinte e oito mil. Por fim, a Paineiras/Suzano, após a desistência da Gerdau, retoma seus antigos projetos de papel e celulose com as bênçãos dos governos do Maranhão e do Piauí e da Vale do Rio Doce que arrendará 300 mil hectares de eucalipto no oeste do Maranhão e sudeste do Pará. O que antes era para carvão vegetal será revertido para papel e celulose.
Mayron Régis, jornalista Fórum Carajás
FÓRUM ON LINE, www.forumcarajas.org.br, ANO VII, Número 40. Publicação da Secretaria Executiva do Fórum Carajás
Edmilson Pinheiro – Secretário Executivo : edmilson@forumcarajas.org.br
Mayron Régis– Assessor de Comunicação: mayron@forumcarajas.org.br
[EcoDebate, 11/09/2008]
É possível ter acesso ao processo de licenciamento na Secretaria de Meio Ambiente e ao parecer dos técnicos da SEMA?