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Artigo

Deixem os mortos do pré-sal em paz, artigo de Danilo Pretti Di Giorgi

[Correio da Cidadania] O ser humano é um animal mesmo muito curioso. Tudo neste momento da nossa história indica que devemos reduzir nossa dependência do petróleo e buscar, gradativamente que seja, fontes alternativas de energia e, mais que isso, reduzir mesmo a demanda e o consumo de energia, para estacioná-la em nível compatível com uma ocupação saudável do planeta. Todos os líderes mundiais já declaram isso abertamente, até mesmo figuras antes reticentes a tratar do tema, como George W. Bush.

Tudo muito bonito até descobrirem que tem um monte de petróleo de alta qualidade no fundo do mar, depois de grossa camada de sal. Aí todo mundo esquece essa conversa politicamente correta de ambientalista e passa a discutir apenas o que realmente interessa: como tirar de lá, quem vai ficar com a grana, se vai ter nova estatal para a exploração, se vai dar na mão da iniciativa privada, quem vai ganhar politicamente com isso. Nem o fato de o óleo estar em local quase inacessível desanima o povo. De repente fica todo mundo cego e não se fala em outra coisa. Muito menos se faz sentido despender esse esforço todo para tirar o petróleo de lá.

Como entender toda a festa em torno da descoberta do petróleo na área do pré-sal? Como aceitar que todas as infindáveis análises sobre o assunto estejam sempre desvinculadas do tema meio ambiente? Alguém já ouviu falar de aquecimento global? Será que ninguém mais está sabendo que a queima de combustíveis fósseis é a maior responsável pelo efeito estufa e que é urgente reduzir drasticamente seu consumo? Apesar da enxurrada de artigos e reportagens sobre o assunto, apenas aqui no Correio vi um texto que coloca a questão ambiental no centro da discussão: Pré-sal e aquecimento global, do Roberto Malvezzi.

Fora isso, um oceano de inexplicável silêncio sobre as conseqüências climáticas globais que podem advir da queima de todo aquele petróleo, hoje submerso. O governo, que até ontem se dizia muito preocupado com as conseqüências funestas do crescimento dos níveis de gás carbônico na atmosfera e que por isso defendia como idéia fixa os biocombustíveis, agora parece ter repentinamente se esquecido do aspecto ambiental. Lambe os beiços com a expectativa dos petrodólares e calcula investimentos que beiram um trilhão de dólares nos próximos 30 anos para buscar óleo quilômetros abaixo do fundo do oceano, nas ditas águas ultraprofundas, prometendo outros trilhões em retorno.

E o Protocolo de Kyoto, que teve a participação ativa de nossos cientistas defendendo as virtudes da nossa matriz energética limpa? E a Conferência das Partes? E as inúmeras tentativas de acordos internacionais para redução do consumo de petróleo em nome da sobrevivência da espécie humana? Não se fala mais nisso?

Minha proposta é de que deixemos as novas jazidas na região do pré-sal em paz, como estão há centenas de milhões de anos. Deixemos lá a descoberta e concentremos nossa energia criativa e nosso dinheiro não em como retirar petróleo de áreas de dificílimo acesso, mas sim em iniciativas mais úteis às próximas gerações. Não desperdicemos o escasso tempo que nos resta investindo num enriquecimento tão rápido para nós quanto nocivo para o planeta.

Na verdade, com coragem e mais visão estratégica, poderíamos até ganhar dinheiro deixando essas reservas em paz. Não existe a idéia dos créditos de carbono da floresta em pé? Então, quanto valeria uma decisão brasileira de não tocar no pré-sal? Quanta emissão de carbono não seria evitada? Alguém no governo ousaria defender seriamente esta idéia?

O petróleo, que depois que sobe para a superfície é queimado ou transformado em plástico, é um dos maiores vilões do meio ambiente. Vejamos: vamos ao fundo da terra, às vezes ultrapassando quilômetros de coluna d’água, às vezes quilômetros de terra e rocha, nesse caso ambas as coisas, para retirar um elemento que é formado por matéria orgânica acumulada ali há muito tempo. Geólogos estimam que o petróleo começou a se formar mais ou menos na mesma época em que apareceram por aqui as primeiras plantas e animais multicelulares, algo em torno de 700 milhões de anos atrás. Muito antes dos primeiros dinossauros.

Repare que curioso: estamos rapidamente deteriorando as condições de vida humana no planeta ao trazer para a superfície algo que é resultado do acúmulo de restos de animais e vegetais. Restos de vida passada. Uma energia extraordinária, proveniente da vida de antigos moradores desta imensa casa onde todos habitamos, que foram sendo cobertos com o passar dos séculos por camadas de sedimentos. É a história do planeta.

De repente descobrimos o poder desta substância e, em poucas décadas (décimos de segundo em tempo evolutivo), trouxemos quantidades imensas dela para a superfície e a transformamos em fumaça imunda e em sólidos que não se decompõem na natureza.

Além de poluição, o petróleo costuma gerar disputas (ver “A ecologia energética e a guerra no Oriente Médio”, também aqui do Correio). Algumas das mais sangrentas guerras tiveram como pano de fundo a luta pelo controle de grandes jazidas, que resultaram e ainda resultam na morte de milhões. Fica a questão: esse negócio de pré-sal é uma benção, como estão querendo nos fazer crer, ou uma maldição?

Danilo Pretti Di Giorgi é jornalista.

Artigo enviado pelo Autor e originalmente publicado pelo Correio da Cidadania.

[EcoDebate, 09/09/2008]