teor de enxofre no diesel: Sem acordo, artigo de Míriam Leitão
[O Globo] A partir do dia 1º de janeiro de 2009, não sairão ônibus e caminhões das fábricas brasileiras e a Petrobras terá de importar diesel. Culpa da ANP, da Petrobras e das montadoras, que ignoraram a resolução do Conama do diesel limpo. O ministro Carlos Minc garantiu que não vai propor o adiamento da resolução. O Ministério Público está processando a Petrobras, as montadoras, a ANP e o Ibama.
Para que os carros possam sair das fábricas, é necessária uma homologação do Ibama. Segundo Minc, o órgão não vai homologar. Os caminhões e ônibus teriam que já ter motores novos (o Euro 4); o diesel teria que ter 50 partes de enxofre por milhão (ppm) em vez dos atuais níveis, que vão de 500 ppm a 2.000 ppm. Isso foi a decisão do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) em 2002, que entra em vigor no primeiro dia de 2009.
O ministro Carlos Minc ligou ontem e garantiu que não aceitará fazer nenhum acordo para prorrogar a entrada em vigor do cumprimento da norma que reduz a poluição do diesel brasileiro. Ele culpa o próprio governo por omissão, neste caso.
– Todo mundo se omitiu. A ANP, as empresas e, inclusive, o Ministério do Meio Ambiente. A Marina não fez nada sobre isso, e a resolução está aí desde 2002. Foi um festival de omissão. As empresas fizeram joguinho de empurra para não se preparar. Eu chamei todos para conversar e nunca propus e nem aceitaria o adiamento. Enfrentei pressões fortes para ceder e não cedi – afirmou o ministro.
Carlos Minc ligou por causa da coluna de ontem, em que eu disse que ele estava coordenando um acordo para adiar a entrada em vigor do diesel com 50 ppm de enxofre. As empresas fariam compensações para ter esse adiamento. O ministro tem toda a razão em dizer que todos foram omissos e que só ele enfrentou o problema. Porém há relatos de pessoas que participaram da reunião garantindo que se tentava fazer um acordo. O ministro ontem garantiu que não fará acordo nenhum:
– Se as montadoras quiserem tirar seus carros do pátio, terão que conseguir liminar na Justiça. A questão está judicializada – disse.
Hoje o país está com seis a sete meses de fila de espera para entrega de caminhão e ônibus; e, a partir de 1º de janeiro, só sairão da fábrica se conseguirem autorização na Justiça. É o que confirma a procuradora da República Ana Cristina Lins:
– Entramos com uma ação civil pública contra as montadoras e o Ibama. O governo de São Paulo entrou com outra ação, e entramos juntos contra a Petrobras e a ANP, exigindo o cumprimento da resolução. Os réus estão fazendo uma proposta de modificação das normas, mas não estamos dispostos a aceitar. Em juízo, a Petrobras disse que pode fornecer o diesel S-50, mas apenas para os carros novos, e as montadoras disseram, também em juízo, que não têm condições de cumprir a resolução – contou a procuradora.
Formou-se a confusão. Tudo, insisto, por culpa de quem achou que não era para valer, de que era possível deixar como está para ver como é que fica; um velho vício nacional. A resolução do Conama, ao reduzir a poluição, salvará vidas humanas. Já devia estar em vigor. No entanto a ANP fingiu que não era com ela e adiou por cinco anos a sua obrigação, que era regulamentar tecnicamente a resolução, e só o fez quando foi ameaçada judicialmente.
Ademar Cantero, diretor de Relações Institucionais da Anfavea, afirma que estava havendo a negociação de um acordo. Segundo ele, um “conjunto de atores” – como o governo, o MPF, a Petrobras e as montadoras, em reuniões – “chegou num entendimento de se passar para a fase Euro 5 no fim de 2011, adotando medidas compensatórias para não entrar no Euro 4”. Essas medidas compensatórias, relata Ademar, foram apresentadas por montadoras, Petrobras e representantes do governo.
Ele se refere aqui à parte boa e à parte ruim da negociação. A boa é antecipar para 2012 uma queda ainda maior na poluição. O país passaria a usar apenas o diesel com 10 ppm e adotaria os motores que são usados atualmente na Europa. Isso foi uma proposta do ministro Carlos Minc. A parte ruim é se os tais “atores” aceitarem mesmo “não entrar no Euro 4”, o que significa adiar a redução da poluição nos níveis determinados pelo Conama.
O secretário de Meio Ambiente de São Paulo, Xico Graziano, acha que houve, por parte do governo federal, “um relaxamento completo”. Segundo ele, a triste realidade é que será impossível cumprir a resolução no prazo certo. Ele defende Carlos Minc.
– O ministro pegou esse touro à unha e teve a coragem de fazer o mea culpa do governo. Antes dele, ninguém tinha se preocupado com o problema, e a coisa só começou a andar porque nós entramos na Justiça – argumentou.
Xico Graziano admite que estava sendo negociado um acordo com a Petrobras e montadoras que implicaria adiar o cumprimento da resolução:
– Temos que ser realistas. A ANP não fez o que tinha de fazer na especificação, e isso atrasou o processo. O acordo melhoraria gradativamente a qualidade do ar. Seria feito um programa forte de regulagem dos motores com um enorme ganho. Mas acabo de saber que a Petrobras está recuando até desse acerto. Acha que 2012 é cedo e diz que é caro demais reduzir o enxofre do diesel.
Essa inacreditável história terá outros capítulos.
Artigo originalmente publicado no PANORAMA ECONÔMICO, do O Globo, 05/09/2008.
[EcoDebate, 08/09/2008]