EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Artigo

Os riscos do clima para cada setor, artigo de Washington Novaes


[O Estado de S.Paulo] Enquanto em Acra (Gana), na África, se discutia, em mais uma reunião da Convenção do Clima, como chegar a um acordo que permita reduzir em pelo menos 50% as emissões de gases que intensificam o efeito estufa – principalmente no uso de combustíveis como o petróleo, o carvão mineral e o gás -, no Brasil ocupavam páginas e páginas dos jornais os debates sobre quem terá direito às vultosas receitas que se espera obter com a exploração do petróleo descoberto na camada pré-sal, como é chamada. Sem nenhuma palavra sobre os cenários para o petróleo nos próximos anos e décadas, em função do seu papel nas mudanças climáticas. E com grande parte das opiniões dando como favas contadas que o Brasil se tornará grande exportador de petróleo – sem levar em conta possíveis restrições globais.

Na África, o secretário-geral da convenção, Yvo De Boer, pediu ajuda à comunicação mundial, de modo a criar pressão política sobre os governos, já que vários relatórios indicam prazos cada vez mais curtos para se chegar a reduções efetivas nas emissões de gases. Tanto o presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), Rajendra Pashauri, como o ex-economista-chefe do Banco Mundial sir Nicholas Stern pensam que temos poucos anos para começar a reverter o quadro das emissões, sob pena de conseqüências muito graves.

Outro relatório, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, pede que todos os países deixem de subsidiar o uso de energia, porque esse caminho, além de não ajudar os pobres, desperdiça recursos e é ruim para o cenário do clima. Em alguns países, os subsídios à energia são maiores que os recursos destinados à educação e à saúde. Quem mais subsidia é a Rússia (US$ 40 bilhões anuais), seguida do Irã e do Afeganistão. Mas o Brasil não está fora, principalmente em setores como o dos eletrointensivos (alumínio, ferro gusa), que consome quase 30% da energia total no País, em grande parte na produção de bens exportados. Se todos os subsídios à energia fossem eliminados, diz o relatório, as emissões de gases cairiam 6% – o que não é pouco, em 2007 elas cresceram 2,8%. De Boer sugeriu também que os países comecem a inventariar suas emissões nas áreas da produção do cimento, do aço e do alumínio. Mas os países produtores protestaram, alegando que esse caminho dará margem a que os importadores imponham taxas na entrada desses produtos.

Um terceiro tema capital para nós foi a discussão em Acra sobre como reduzir as emissões de gases em conseqüência de desmatamento. São 130 milhões de hectares anuais desmatados no mundo, segundo a Organização para a Alimentação e a Agricultura, da ONU. E o desmatamento, juntamente com mudanças no uso do solo e queimadas, já responde por quase 20% das emissões totais. No Brasil (inventário de 1994) são 750 milhões de toneladas anuais de dióxido de carbono emitidas por esse caminho. Em Acra, discutiram-se formatos financeiros para incentivar a conservação de florestas, que podem custar entre US$ 20 bilhões e US$ 30 bilhões anuais, segundo o WWF – mas ainda sem acordo, principalmente para saber quem paga.

É um tema que precisa ser colocado em sua justa medida. Até aqui, em geral se considera que o problema brasileiro nessa área está todo na Amazônia. Mas, segundo a Secretaria de Mudanças Climáticas, ali ocorrem 59% das emissões desse tipo. Quase todo o restante, portanto, ocorre no Cerrado, onde se desmatam 22,1 mil quilômetros quadrados por ano. E uma das primeiras decisões do atual ministro do Meio Ambiente foi a de retirar municípios desmatadores do Cerrado na transição para a Amazônia da proibição de novos créditos oficiais.

Quase ao mesmo tempo que se discutia o clima em Acra, da Semana Internacional da Água, em Estocolmo, veio uma notícia surpreendente: o Brasil lidera a importação “virtual” de água no mundo, pois há mais uso do líquido implícito em produtos que importamos (commodities, tecidos e outros) do que nos itens que exportamos (principalmente carnes e grãos). Seriam 199 bilhões de metros cúbicos anuais importados, ante 91 bilhões exportados, com um saldo negativo de 107 bilhões de metros cúbicos anuais . Até aqui se argumentava que o Brasil era grande exportador virtual e deveria exigir compensação por isso dos países industrializados. Agora…

A discussão nessa área está acesa também na Alemanha, onde, segundo o Der Spiegel, o “lobby do agronegócio” tenta impedir uma discussão que os ambientalistas querem levar à frente, que é a das emissões de gases pela agropecuária no país – 133 milhões de toneladas anuais equivalentes de dióxido de carbono, provenientes do metano emitido pelo gado e das emissões da agricultura, inclusive orgânica (ante 152 milhões de toneladas/ano dos transportes). O Foodwatch, um organismo de proteção ao consumidor, quer eliminar subsídios agrícolas e taxar vários produtos, como queijo, leite, carne, além de proibir a importação de rações para o gado provenientes de áreas desflorestadas. É uma discussão tão difícil quanto a que se esboça no Brasil, onde o rebanho bovino (mais de 200 milhões de cabeças) responde pela emissão de mais de 10 milhões de toneladas anuais de metano (equivalentes a quase 250 milhões de toneladas de dióxido de carbono, tanto quanto os setores industrial e de transportes somados).

Enfim, essas e outras discussões evidenciam que não há como escapar à questão das emissões e sua relação com o clima em todos os setores, seja o do petróleo, do agronegócio, dos eletrointensivos ou qualquer outro. Recente relatório do Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, que reúne 200 corporações, afirma que esses problemas exigem novas estratégias, para permitir a sobrevivência de muitas empresas. Inclusive porque “os riscos são diferentes para cada setor”. É bom pensar.

Washington Novaes é jornalista E-mail: wlrnovaes@uol.com.br

Artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo, 05/09/2008

[EcoDebate, 08/09/2008]