Ciberativismo: Projeto de Lei poderá permitir a derrubada de palmeira de babaçu, ameaçando as quebradeiras de côco
Palmeira do coco babaçu: ameaça vem do Maranhão. Foto Portal Piauí Hoje
Está em tramitação na Assembléia Legislativa do Estado do Maranhão o projeto de lei nº154/2008 que propoe a alteração do art.1º da Lei nº4734/86 que, proibe, em todo o Estado do Maranhão a derrubada de palmeiras de babaçu salvo para hipóteses específicas de interesse social. Pelo projeto apresentado, e aprovado na Comissão de Constituição e Justiça, essa exceção desapareceria nas áreas urbanas de municípios com mais de 500.000 habitantes. Por Henrique Cortez*, do EcoDebate.
Depois de receber parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça – com o voto contrário do deputado Rubens Pereira Júnior (PRTB) – o projeto, que autoriza a derrubada de palmeiras de babaçu em áreas urbanas de municípios com mais de 500 mil habitantes, agora está na Comissão do Meio Ambiente da Assembléia Legislativa. E terá como relator o mesmo Rubens Júnior.
Na Comissão de Meio Ambiente, a proposta já recebeu parecer favorável da consultoria da Casa, que propôs a inclusão de um dispositivo de compensação para aprovar a nova lei. Pela orientação da consultoria, os interessados na derrubada dos babaçuais, caso da Construtora Franere – que tenta construir um condomínio em área de preservação no Calhau – seriam obrigados a plantar áreas de babaçu na proporção de 1 para 1: cada hectare de babaçu derrubado garantiria outro hectare plantado em local diferente.
Outra proposta da consultoria permite a derrubada com a condição de plantio de espécies nativas da região, não necessariamente babaçu.
O problema é que a lei não estabelece como será feita a compensação e nem como será fiscalizado o cumprimento da cláusula. De qualquer forma, evidente já está que o projeto anti-babaçu, de autoria do líder do governo, Edivaldo Holanda (PTC), ameaça ser aprovado pela Assembléia.
O Promotor de Justiça de Meio Ambiente do MP do Maranhão, Luis Fernando Cabral Barreto Junior, esteve na Comissão de Meio Ambiente que, adiou para a próxima semana a votação do projeto de lei. Na oportunidade, foi entregue o ofício, transcrito no final desta matéria.
Os movimentos sociais das quebradeiras de côco e o GTA estiveram presentes a essa sessão e também se pronunciaram.
Precisamos alertar todos os estados brasileiros onde há extrativismo de babaçu (Tocantins, Pará, Maranhão e Piauí) para os riscos de um projeto dessa espécie.
Pedimos aos nossos leitores, efetivos militantes do desenvolvimento sustentável, que enviem mensagens aos deputados Chico Gomes (franciscogomes@al.ma.gov.br) Rubens Junior (rubenspereirajr@al.ma.gov.br), Victor Mendes (victormendes@al.ma.gov.br), Cleide Coutinho (cleidecoutinho@al.ma.gov.br), da comissão de meio ambiente, visando brecar essa proposta que, da forma como está, abre um perigoso precedente para a legislação florestal brasileira.
Leiam, logo abaixo, o ofício que foi entregue ao presidente da Comissão de Meio Ambiente, Dep. Chico Gomes e que detalha as inconstitucionalidades do projeto.
Ofício n.º 286/2008.
Da 3ª. PROMOTORIA DE JUSTIÇA ESPECIALIZADA NA PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE,URBANISMO E PATRIMÔNIO CULTURAL
Para DEP. Francisco de Assis Castro Gomes, Comissão de Meio Ambiente, Minas e Energia, Assembléia Legislativa do Estado do Maranhão
Senhor Deputado,
Conforme estabelece o art.127 da Constituição da República e o art.27, I, parágrafo único, IV da Lei Federal nº8.625/93, e considerando os diversos impactos negativos que a eventual aprovação e sanção do projeto de lei nº154/2008 trará à preservação ambiental do Município de São Luís, encaminho-lhe o presente ofício, com observações deste órgão de execução, as quais solicito sejam consideradas, na decisão que essa Digna Comissão de Meio Ambiente vier a adotar, na análise do citado projeto de lei.
Embora despiciendo, relembro que o projeto de lei nº154/2008 propõe modificação no caput do art.1º da Lei Estadual nº4734/86, para, de forma taxativa, excepcionar sua aplicação das áreas urbanas dos municípios maranhenses com mais de 500.000(quinhentos mil) habitantes e que integrem as regiões metropolitanas.
Ab initio, referido projeto cria uma exceção incomum à legislação ambiental brasileira, notadamente a florestal. Em regra, quando a legislação ambiental brasileira define hipóteses em que suas regras protetivas não deverão ser observadas, ela o faz para determinados tipos de atividades e obras, e não de acordo com o local. Assim, por exemplo, é como faz o art.4º do Código Florestal ao definir as hipóteses de supressão de vegetação em área de preservação permanente, quer urbana ou rural. A norma aponta situações em que a utilidade pública e o interesse social permitem o corte de vegetação relevante, em prol de interesses públicos.
Assim também faz a própria lei estadual nº4734/86, quando define as três situações em que o corte raso, ou o desbaste, da palmeira de babaçu é permitido, sempre com a ótica do interesse público e social. Portanto, o texto proposto é dissonante da técnica legislativa usada em leis ambientais, e cria situação que pode levar à total destruição dessa espécie vegetal, cujo exemplo pode ser seguido em relação a outras espécies importantes, também protegidas por interesse público.
O primeiro aspecto que nos revela a inconstitucionalidade da proposta é a sua incompatibilidade vertical com o art.30, VIII da Constituição Federal. O projeto disciplina matéria própria de leis municipais, por que retira a aplicação de uma lei estadual exclusivamente das áreas urbanas de municípios. Portanto, a lei continua sendo aplicável às zonas rurais, às zonas industriais e todas as outras dos municípios, sem que estes possam deliberar se isso atende suas diretrizes de desenvolvimento e de preservação. A aplicação da exceção criada dependerá da definição que a lei municipal de uso e ocupação der a cada região do município, independentemente dos usos que o próprio município decidir cabíveis.
Tal como proposto, se o município quiser proteger a espécie, mesmo nas suas “áreas urbanas”, não poderá, pois já existirá lei estadual lhe retirando a proteção. De outro lado, a expressão “áreas urbanas” não é sinônimo de “zonas urbanas”, não permitindo identificar um perímetro definido como de uso urbano distinto daquele de uso rural. Ou seja, qualquer aglomerado de casas poderá ser interpretado como “área urbana”, ainda que, para fins tributários e da lei municipal de zoneamento, uso e ocupação do solo, aquela seja uma “zona rural”. Pela lei estadual, o conflito de interpretação põe em risco a manutenção dos babaçuais, onde quer que estejam. Outro risco consistirá em que dado município resolva aprovar lei definido que todo o seu território é área urbana.
Detalhar a aplicação da lei estadual nº4734/86 para atender a assuntos de interesse local, definindo genericamente os tipos de zonas onde, e como, as exceções previstas devem ser aplicadas, é tarefa de lei municipal que suplementará a lei estadual. As exceções da lei estadual devem ser tomadas para obras e atividades específicas, cabendo aos municípios definir como essa legislação se amolda ao seu planejamento urbano, em cada zona da cidade. Data vênia, a proposta invade a autonomia dos municípios atingidos pela lei.
O segundo aspecto de inconstitucionalidade reside em que a proposta viola o princípio constitucional da “proibição de retrocesso1”, aceito por constitucionalistas brasileiros e pela jurisprudência constitucional brasileira2.
Tal violação acontece por que a exceção apresentada é diferente e desproporcional daquelas já existentes na própria lei estadual nº4734/86. A exceção criada não está fundamentada em objetivos sociais que, pela sua dimensão, justificariam o sacrifício do direito ao ambiente. Pelo projeto, qualquer interesse, ainda que puramente pessoal, ou por espírito de pura destruição, estará albergado nessa norma. Tal situação caracteriza retrocesso no que foi alcançado de direito social para a proteção do babaçu, cuja importância transcende os legítimos interesses do extrativismo.
Sendo o direito ao ambiente, um direito humano fundamental de terceira geração, assim reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal na ADIN 3540, a legislação superveniente não pode lhe conferir status de proteção inferior ao que já foi alcançado.
As exceções já existentes na lei nº4734/86 estão todas calcadas em objetivos sociais. Isso significa dizer que, fora esses objetivos, a derrubada da palmeira de babaçu é uma violação ao princípio da função social da propriedade. No caso concreto, se aprovada a lei, não há como identificar se o sacrifício das palmeiras está, ou não, vinculado a um objetivo social. A proposta ressuscita um modelo de direito de propriedade absoluto e, também por isso, incompatível com o art.5º, XXIII da Constituição Federal que trata da função social da propriedade.
O terceiro ponto a levantar sobre a inconstitucionalidade do projeto consiste na sua evidente desarmonia com o princípio da impessoalidade, podendo caracterizar, data vênia, desvio de poder legislativo. É que, de fato, a lei terá sua aplicabilidade mais intensa no município de São Luís, onde alguns empreendimentos enfrentam dificuldades de aprovação, por conta de babaçuais.
O Maranhão têm três regiões metropolitanas: São Luís, Timon e Imperatriz, mas só possui um município com mais de 500.000 habitantes, que é São Luís. Numa interpretação da norma proposta, se chega à conclusão de que o único município que preenche os dois pressupostos é São Luís, pois só ele tem mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes e está localizado em região metropolitana.
Admitindo, porém, que sejam dois tipos de municípios, os com mais de 500.000 habitantes ou que estejam em regiões metropolitanas, a situação se revela ainda mais estranha, pois, municípios como Caxias e Codó, que têm população muito maior que Raposa, Paço do Lumiar e João Lisboa, e que estão na região dos cocais, logo, onde, por haver mais babaçu, os impactos sócio-ambientais poderiam ser menores, não estão contemplados pela norma. Santa Inês e Bacabal, com população maior que Raposa e com população quase do tamanho de Paço do Lumiar e Ribamar também ficam fora dessa norma. Há uma evidente desproporcionalidade de tratamento entre municípios com realidades e conflitos semelhantes.
Portanto, há evidências de que essa lei atenderá apenas a problemas específicos de São Luís, não tendo, portanto, a capacidade de tratar indistintamente as questões ambientais em meio urbano, de todo o Estado do Maranhão, como lhe determina a Constituição Estadual. Nesse contexto, a proposta se incompatibiliza com o art.37,caput da Constituição Federal.
A necessidade de se aprimorar a lei nº4734/86, criando hipóteses outras de exceção ao corte raso dos babaçuais, deve, em nosso entender, abarcar os conflitos de uso existentes em todos os municípios do Estado do Maranhão em que a presença dos babaçuais pode significar dificuldades para o desenvolvimento urbano.
Além disso, novas exceções à regra do art.1º da Lei nº4734/86 devem constar dos incisos desse artigo, como estão as outras já existentes, e devem estar calcadas na definição de hipóteses de obras e atividades que, em dadas condições, justifiquem o corte dos babaçuais para dar lugar a empreendimentos geradores de emprego, renda e bem-estar social, de forma harmônica e sustentável, cabendo a cada município suplementar essa legislação para detalhar sua aplicação nas zonas urbanas, de expansão urbana e nas zonas rurais.
Outro ponto fundamental de uma nova lei é a previsão de medidas efetivamente compensatórias aos impactos ambientais gerados pela supressão das palmeiras, como o reflorestamento em unidades de conservação.
No atual contexto, a não-aprovação do projeto, por inconstitucionalidade e violação do interesse público, nos parece a medida mais acertada, sem prejuízo da apresentação de outros, oportunamente, que tratem da matéria com os contornos legais e constitucionais aplicáveis, além da oitiva da sociedade civil diretamente interessada, e última destinatária dos trabalhos dessa Augusta Casa Legislativa.
Atenciosamente,
Luís Fernando Cabral Barreto Júnior,
Promotor de Justiça.
* Com informações de Luis Fernando Cabral Barreto Junior, Promotor de Justiça de Meio Ambiente do MP do Maranhão e do Portal Piauí Hoje.
[EcoDebate, 04/09/2008]
Bom dia,
Gostaria de lembrar que as palmeiras representam número de espécies que frutificam quase todos os meses do ano, favorecendo a alimentação da fauna e gerando emprego para a população local, como açaí nos estados do pará e Amapá e o caso do babaçu no Maranhão.
Sou totalmente contra essa lei, no Brasil a fiscalização é muito precária e seria um desmatamento geral dessa espécie, por causa da burrice de querer mais lucro na costa da natureza.