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Artigo

Microalgas e a produção de biodiesel, artigo de Wanderley de Souza

“É preciso estar atento a uma outra avenida que se abre, com grande potencial teórico. Refiro-me a utilização de microalgas, área em que outros países vem investindo milhões de dólares nos últimos dois anos”

[Monitor Mercantil] Com o aumento do preço do petróleo, cresce em todo o mundo o interesse pelos biocombustíveis. Nesta área, o Brasil ocupa uma posição privilegiada e de liderança. O agronegócio de cana-de-açúcar movimenta R$ 40 bilhões por ano, com uma safra prevista de 547 milhões de toneladas. Com isto, o Brasil se constitui no segundo produtor mundial de etanol, perdendo apenas para os Estados Unidos que produzem o etanol a partir do milho.

No que se refere ao biodiesel, há também grandes expectativas, já que pode ser obtido de fontes renováveis e pode reduzir em cerca de 80% as emissões de gás carbônico e em 90% as emissões de fumaça, além de praticamente eliminar as emissões de enxofre.

Tudo isto torna o biodiesel, obtido de plantas oleaginosas como dendê, babaçu, mamona, pinhão manso, amendoim, girassol, soja etc., altamente atraente do ponto de vista da preservação ambiental.

O Brasil já produz cerca de 1 bilhão de litros de biodiesel, permitindo a utilização de 2% do combustível renovável na mistura de diesel (mistura B2) com planos de passarmos para a mistura B5 entre 2010 e 2013. Cabe lembrar que o Brasil consome, anualmente, cerca de 40 bilhões de litros de óleo diesel. Só no Rio de Janeiro são 2 bilhões de litros.

Como indicado acima, a principal fonte atual de biodiesel é constituída por um conjunto de plantas oleaginosas. Em sua fase inicial, a política do Governo Federal tem sido incentivar sua produção a partir da semente de mamona, sobretudo no semi-árido nordestino.

No entanto, atualmente, cerca de 75% da produção brasileira de biodiesel é baseada na extração do óleo a partir da soja. Este é, obviamente, um fator de complicação no cenário internacional, já que é cada vez mais forte, sobretudo na Europa, as campanhas contra a produção de combustíveis a partir de fontes de alimentos tradicionais.

Logo, se quisermos apostar no biodiesel como elemento de produção para consumo interno e para exportação, é fundamental explorarmos cada vez mais as fontes que não façam parte da cadeia alimentar humana e de produção de ração animal. No campo vegetal, existem várias alternativas como as mencionadas acima. No entanto, devemos estar atentos a outras fontes potenciais.

O Estado do Rio de Janeiro sempre esteve em uma posição de vanguarda na área do biodiesel. Agora, é preciso estar atento a uma outra avenida que se abre, com grande potencial teórico. Refiro-me a utilização de microalgas, área em que outros países vem investindo milhões de dólares nos últimos dois anos.

Microalgas são microorganismos procariontes (as cianobactérias) e eucariontes encontrados nos mais diversos ambientes aquáticos, em diferentes temperaturas e condições ambientais. Mais de 40 mil espécies de microalgas já foram descritas.

Uma característica importante de muitas espécies é a de crescer a grandes velocidades e em meios relativamente simples, duplicando sua biomassa em 24 horas. Um componente fundamental para o seu crescimento consiste em um eficiente sistema de fotossíntese, o que requer iluminação, fator vantajoso no Brasil.

Estudos comparativos mostram que o crescimento de biomassa de microalgas é cerca de 50 vezes maior do que nas plantas geralmente utilizadas como fontes de energia. Mais importante, as microalgas são capazes de sintetizar e armazenar lipídeos que alcançam, em condições normais, cerca de 20% do peso seco da biomassa. A manipulação das condições de cultivo pode dobrar este valor.

Cabe lembrar que o biodiesel é obtido a partir de uma reação química de trans-esterificação de triglicerídeos. Logo, os lipídeos extraídos das microalgas podem ser facilmente transformados em biodiesel.

Alguns estudos teóricos que levam em consideração a eficiência fotossintética das microalgas e seu potencial de crescimento projetam uma produção anual de cerca de 200 barris de biodiesel por hectare de terra usada para cultivo das microalgas, um valor cerca de 100 vezes maior que o obtido a partir de soja.

Um outro dado que aponta as microalgas como modelos de estudo na produção de biocombustíveis é a produção, por algumas espécies, de quantidades significativas de hidrocarbonetos de cadeia longa, como C40, semelhante ao que se encontra no petróleo.

Por tudo isto, e visando manter o Rio de Janeiro na vanguarda do estudo de biocombustíveis, é fundamental que a Fundação Carlos Chagas Filho de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) estimule a comunidade científica e tecnológica fluminense a estudar as microalgas.

Wanderley de Souza é professor da UFRJ e diretor de Programas do Inmetro.

Artigo originalmente publicado no Monitor Mercantil, 25/08/2008.

Nota do Ecodebate

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