Centros Integrados de Fiscalização da Amazônia, artigo de Rogério Grassetto Teixeira da Cunha
[Correio da Cidadania] Vou tentar aqui fugir da tentação de criticar ou analisar problemas ambientais (há tantos que é difícil tentar sair do foco pessimista) e esboçar uma sugestão. O tema é fiscalização da Amazônia, uma das ações necessárias para conter o desmatamento na região (outras, por exemplo, são uma maior presença do Estado como provedor de serviços e o estímulo a atividades produtivas pouco impactantes). Antes de mais nada, é bom que se esclareça que não sou ingênuo e sei que o problema da fiscalização falha na Amazônia é antes de tudo político e não técnico ou operacional. O IBAMA muitas vezes sabe de crimes ambientais em andamento e não tem poder bastante para coibi-los como deveria. É claro que em muitos casos, pelo número de funcionários reduzido, o IBAMA simplesmente não fica mesmo sabendo das irregularidades. Mas supondo que houvesse vontade política, a fiscalização seria relativamente simples e barata, como espero demonstrar a seguir.
A proposta é a criação de centros logísticos de fiscalização. Cada centro seria responsável por uma área média de 300 km de raio e, dessa forma, fiscalizaria aproximadamente 280.000 km². Como a Amazônia possui cerca de 4 milhões de km², com cerca de 14 unidades cobriríamos toda a região. Esses centros logísticos poderiam localizar-se nas grandes ou médias cidades da Amazônia. Sua forma precisa é uma questão menor, uma vez que a localização exata (e, portanto, a área de atuação) dependeria da disponibilidade de cidades.
A idéia apóia-se nas facilidades proporcionadas pelos satélites, na infra-estrutura e no know-how do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e da ONG Imazon. Ambos já possuem programas de monitoramento de desmatamento via satélite que seriam a fonte inicial de dados, além possivelmente dos dados obtidos pelo Sivam, programa que continua tão misterioso como quando começou.
Em termos de infra-estrutura, cada local deveria contar com um helicóptero. Como os helicópteros não precisam de pistas de pouso, podem descer em qualquer lugar, dado que possuem velocidade de cruzeiro entre 200 e 250 km/h, mesmo as áreas mais distantes de cada centro poderiam ser alcançadas em no máximo duas horas.
Paralelamente, e dependendo da situação de cada local, os centros deveriam contar ainda com picapes e voadeiras, para acesso a áreas mais próximas ou para complementar as abordagens iniciais feitas pelos helicópteros.
Imagino o funcionamento destes centros da seguinte forma: o órgão central do sistema, que poderia estar em Manaus, Belém ou Brasília e que teria amplo acesso às imagens fornecidas pelos satélites, ao detectar indícios de desmatamento em alguma região, acionaria o centro mais próximo do local, fornecendo as coordenadas geográficas. Uma equipe seria então deslocada até o local para averiguação. Mas as atividades dos centros não se resumiriam apenas a atuação na reação a problemas. A fiscalização poderia ser ativa, com patrulhamentos aéreos constantes (aqui sim, o sistema do SIVAM poderia auxiliar bastante). Deveriam ter ainda um trabalho de inteligência ativo, de mapeamento das propriedades, verificação tributária, acompanhamento da situação das propriedades que recebem empréstimos e financiamentos, detecção de tendências de desmatamento ou queimadas.
Em termos de pessoal, imagino que cada centro devesse contar com equipes da Polícia Federal para apoio e proteção nas operações. Para a fiscalização ou trabalhos nos centros, imagino cada um com equipes de diversos órgãos: IBAMA, para a fiscalização de irregularidades ambientais; Instituto Chico Mendes (ICMBio), caso existam unidades de conservação na área de abrangência do centro; Ministério do Trabalho, para a fiscalização do cumprimento de leis trabalhistas; Receita Federal, para a análise de irregularidades no pagamento de impostos das propriedades; INCRA, para a verificação de problemas fundiários. Todos juntos no mesmo local, trabalhando de forma integrada e coordenada. Poderia, quem sabe, haver até mesmo uma Delegacia de Polícia, para atuação imediata em alguns casos. Os centros poderiam ainda contar com membros do Ministério Público destacados para atuar nas diferentes frentes de trabalho dos mesmos (ambiental, trabalhista e fundiária). A presença do Poder Judiciário, com a finalidade de agilizar os processos, completaria um quadro ideal.
Tenho esperanças no trabalho dos novos profissionais que estão ingressando agora no serviço público por conhecer pessoalmente alguns das novas levas do IBAMA e do ICMBio, pessoas idealistas, comprometidas com a causa ambiental e que trabalham dura e seriamente. Também gosto da idéia de órgãos integrados, por imaginar que eles diminuem a burocracia e facilitam o diálogo e a interação.
Como todos os governos gostam de siglas, ótimas para efeito de marketing, proponho até um nome para os centros: CIFAs, Centros Integrados de Fiscalização da Amazônia. A fiscalização eficiente certamente não resolverá sozinha o complexo problema de desmatamento na Amazônia, mas é um passo fundamental. Pelo menos este esquema mostra que o que parecia uma tarefa impossível pode ser relativamente fácil, basta querer. Agora como conseguir que queiram, aí é que está a nossa luta.
Rogério Grassetto Teixeira da Cunha, biólogo, é doutor em Comportamento Animal pela Universidade de Saint Andrews.
Artigo enviado pelo Autor e originalmente publicado pelo Correio da Cidadania.
[EcoDebate, 27/08/2008]