armazenamento de resíduos nucleares: Eletronuclear propõe uso de cápsulas de aço
Para resolver o problema dos rejeitos atômicos gerados pelas usinas nucleares -, maior gargalo para o avanço do energético na matriz brasileira -, a estatal Eletronuclear começa a tirar do papel um projeto inédito no mundo: as cápsulas de aço. O material servirá para armazenar individualmente os componentes atômicos do lixo gerado pelas centrais nucleares. “O conceito é encapsular os elementos combustí-veis individualmente, depois de os insumos terem ficado por 10 anos nas piscinas de resfriamento”, afirma Leonam dos Santos Guimarães, assessor da presidência da Eletronuclear e que participou da reunião do Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro, em que foi apresentada a nova proposta. Por Roberta Scrivano, da Gazeta Mercantil, 27/08/2008.
Para a primeira fase do projeto, que objetiva o desenvolvimento do protótipo da cápsula até 2014, a Eletronuclear investirá R$ 50 milhões. “Esse é o investimento inicial. Depois vamos calcular quanto demandará a construção dos depósitos onde ficarão as cápsulas”, afirma Guimarães.
Na semana passada, após ter participado da reunião do Comitê, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, comentou que o Othon Luiz Pinheiro da Silva, presidente da Eletronuclear, falou sobre a possibilidade da utilização da cápsula de aço para armazenar o lixo nuclear, que, segundo ele, garante a segurança dos rejeitos por mais de 500 anos. A cápsula abrigaria o lixo nuclear da Usina de Angra 3, prevista para 2014, e das próximas que serão construídas no Brasil.
Segundo Guimarães, as propostas dos depósitos também são uma iniciativa inovadora. “A intenção é construir depósitos intermediários, já que as cápsulas poderão armazenar os rejeitos por até 500 anos”, diz o executivo. “Hoje, os diversos países que têm usinas nucleares reprocessam o lixo após o resfriamento, já que os rejeitos tem até 40% de combustível não aproveitado”, explica. Guimarães diz que, com as cápsulas, mesmo 500 anos depois, o Brasil poderá reprocessar os elementos para gerar energia
Guimarães adianta que os depósitos serão aberturas em rochas com estruturas de concreto dentro, como “uma espécie de ninho”. “Até 2020 devemos detectar o local onde serão os depósitos”, afirma. O especialista explica que ainda há tempo para escolher bem o local, já que as cápsulas só precisarão ser transportadas dez anos após a primeira geração de resíduos (tempo necessário para o resfriamento dos elementos). “Angra 3 entrará em operação em 2014, portanto temos um período ainda para decidir”, afirma o assessor.
Questionado sobre a segurança do transporte das cápsulas até os depósitos, Guimarães foi enfático: “A cápsula será mais uma barreira para os resíduos, já que ela será transportada num contêiner que pode armazenar 12 cápsulas”, explica.
Pouca informação
Porém, a proposta de armazenar os rejeitos atômicos em cápsulas de aço pode não ser tão eficiente como anunciaram o ministro de Minas e Energia e o asses-sor da Eletronuclear . Reynaldo Barros, presidente do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Rio de Janeiro (Crea-RJ), critica a falta de detalhes técnicos da proposta. “Não temos detalhes técnicos essenciais desta cápsula. Não dá para decidir qual a saída para os rejeitos atômicos do dia pra noite”, afirma Barros.
Segundo Barros, do Crea, para decidir um destino seguro para o lixo atômico das usinas nucleares, o Brasil deveria investir em estudos geológicos e não tomar a decisão rapidamente. “O nosso programa nuclear sofreu muito para se desenvolver. Se tivesse recebido os devidos investimentos, nós já teríamos uma solução segura”, acrescenta. Barros diz que o ideal seria identificar, por meio de estudos geológicos, locais desérticos no território nacional para que seja pesquisada a possibilidade de enterrar os rejeitos.
Procurada, a Organização Não Governamental (ONG) Greenpeace, combatente do setor, disse que não conhece a tecnologia da cápsula.
Barros classifica a idéia de guardar o lixo em cápsulas como “mirabolante”. “Essa sugestão saiu só porque o presidente Lula pressionou o Comitê para dar uma solução em 60 dias, mas não pode ser assim”, salienta.
Hoje, no Brasil, os rejeitos das duas usinas nucleares em funcionamento (Angra 1 e 2) são colocadas em contêineres de metal, guardados no terreno das centrais geradoras sob temperaturas baixíssimas e mantida sob monitoramento. “Precisamos analisar bastante a nova sugestão para concluirmos se é mais seguro que o método tradicional”, afirma Barros. “O grande problema é onde vão guardar as cápsulas”.
Apesar das dificuldades relacionadas ao armazenamentos do lixo radioativo, a emissão de carbono das plantas nucleares é zero e especialistas dizem que a operação é segura.
Proposta do Crea
O presidente do órgão afirma que o Crea encaminhou um documento para a audiência pública que a proposta será submetida “Pedimos sustentabilidade para o empreendimento (Angra 3, a próxima nuclear a ser construída no Brasil)”, diz Reynaldo Barros. Para ele, a usina de Angra 3 precisa levar em conta questões sociais. “Muito se fala em geração de emprego. Mas o que eles vão fazer com toda a mão-de-obra contratada para a construção da usina”, completa Barros.
Nuclear no Brasil
No início do segundo semestre de 2007, o governo federal aprovou a retomada de Angra 3, que irá gerar até 1,3 mil megawatts. Além disso, o governo estima construir, até 2030, quatro novas centrais nucleares. Essa proposta já fazia parte do chamado Plano Decenal, que deveria ser concluído em 2015. Pelo menos duas das novas unidades deverão ser construídas na região Nordeste do País e as outras duas na Sudeste. Até o momento, quatro estados se propuseram a abrigar as usinas: Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas.
Apesar dos fatores positivos, a grave crise econômica enfrentada pelo Brasil nas décadas de 1980 e 1990 e a forte reação contrária ao setor nuclear depois do acidente da usina de Chernobyl, na Ucrânia, foram alguns dos principais fatores responsáveis por afastar o País do programa que está sendo retomado. As dificuldades encontradas para operar as usinas em ritmo de normalidade também jogaram água em planos de expansão.
[EcoDebate, 28/08/2008]