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Notícia

Rebelião indígena na Amazônia peruana

O governo do Peru quer outorgar concessões petroleiras em zonas de selva protegidas e habitadas por comunidades indígenas e entregar vastas extensões de floresta aos empresários que exploram a indústria madeireira. E pedem que o Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos seja revogado. A reportagem é de Carlos Noriega, publicada no jornal Página/12, 20-08-2008. A tradução é do Cepat.

Os indígenas de 65 etnias da Amazônia peruana, que somam 350 mil pessoas, se levantaram em pé de guerra contra o governo de Alan García na defesa de suas terras, que temem perder para as transnacionais petroleiras e os exploradores de madeira. Os indígenas exigem a revogação de uma série de leis feitas pelo governo com a finalidade de promover a privatização das ancestrais terras de suas comunidades.

O governo, que quer outorgar concessões petroleiras em zonas de selva protegidas e habitadas por comunidades indígenas e entregar vastas extensões da Amazônia a investidores privados da indústria madeireira, aprovou recentemente estas leis ao amparo das faculdades legislativas outorgadas pelo Congresso para que adapte a legislação nacional ao Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos. Cerca de 65% da Amazônia peruana já foi entregue em concessão a empresas transnacionais, com um alto custo de desmatamento e poluição ambiental. As primeiras vítimas desta penetração foram as populações nativas.

Com os rostos pintados e armados com lanças e flechas, milhares de indígenas tomaram instalações petroleiras e bloquearam estradas e rios. Na segunda-feira passada, o governo respondeu declarando estado de emergência em quatro províncias, o que implica a suspensão das garantias individuais, como o direito de reunião, ao livre trânsito e à inviolabilidade do domicílio.

Os indígenas amazônicos qualificaram esta medida do governo como “uma declaração de guerra”. E o primeiro ministro, Jorge Del Castillo, o confirmou, advertindo, em tom ameaçador: “Guerra avisada não mata gente”. “Não temos medo. Os protestos vão continuar enquanto as nossas demandas para que se respeitem os nossos direitos não forem solucionados. Preferimos morrer a perder nossas terras”, respondeu Alberto Pizango, presidente da Associação Interétnica de Desenvolvimento da Selva Peruana (Aidesep), que encabeça os protestos indígenas.

Os tambores de guerra soam na selva peruana. Dois indígenas foram feridos a bala em enfrentamentos com a polícia e, segundo o governo, um capitão da polícia permanece refém dos indígenas há vários dias. Ontem, as forças de segurança assaltaram um estabelecimento da Aidesep no povoado de Bagua. Depois de um enfrentamento com a polícia, os indígenas desbloquearam uma ponte estratégica na região Amazônica, ao norte do Peru, mas outras vias, terrestres e fluviais, continuam bloqueadas.

Uma hidrelétrica, duas estações petroleiras da estatal Petro Perú e dois poços de gás explorados pela petroleira argentina Pluspetrol continuavam até ontem em poder dos indígenas. Oito embarcações da Pluspetrol, que também explora poços de petróleo na selva norte do país, ficaram bloqueadas num rio. Devido às manifestações, o governo teve que suspender o bombeamento de petróleo pelo oleoduto que leva a matéria-prima dos poços da Amazônia a uma refinaria na costa norte do Peru.

As manifestações dos indígenas começaram há cerca de dez dias e se agravaram a partir do fim de semana, quando o diálogo entre o governo e as comunidades nativas foi rompido. O governo exige que os indígenas se desmobilizem para retomar o diálogo, mas estes se negam a interromper os protestos se previamente não for solucionada a demanda para revogar as leis que afetam a propriedade de suas terras.

A situação encontra-se nesse ponto e a linguagem agressiva usada pelo governo para tentar desqualificar os protestos aumentou a tensão. O primeiro ministro Del Castillo acusou os indígenas de se deixarem manipular por “extremistas políticos” e de formar parte de “um complô para desestabilizar a democracia”.

Del Castillo indicou diretamente o líder do Partido Nacionalista (de oposição), Ollanta Humala, que apoiou as manifestações a partir de Lima, de estar por trás do levantamento indígena. “Não há nenhum político por trás de nossos protestos. Ninguém nos manipula. Estamos defendendo os nossos direitos”, assinalou o líder indígena Alberto Pizango, em resposta às acusações lançadas pelo governo.

No momento de concluir esta matéria, uma delegação dos indígenas estava dialogando com representantes do Congresso, a quem pediram a revogação das leis que estão na origem da guerra na selva peruana.

(www.ecodebate.com.br) publicado pelo IHU On-line, 21/08/2008 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

[EcoDebate, 22/08/2008]