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Artigo

Agroecologia no Baixo Tocantins: Águas de Acapoteua, artigo de Rogério Almeida


[EcoDebate] As águas comandam os dias e as noites dos que vivem no universo amazônico. Não somente por conta de nascentes, furos, igarapés e rios-mar. As marés das regiões estuarinas indicam o melhor horário de sair ou voltar para casa a cada seis horas.

As águas do inverno alteram até o índice de desmatamento, engasgam os tratores com lama, empacam os caminhões. As viagens a comunidades mais distantes ganham em dificuldades, mas agiganta a beleza e alivia a alma. Ao menos aos olhos do viajante ocasional.

Em dias de sol chegar até Acapoteua dura cerca de 60 minutos. Já nos dias de chuva, a viagem só é possível através de barcos. Cinco horas separam a comunidade banhada pelo rio Cupijó da sede do município de Cametá. Os pô, pô, pôs – apelido dos barcos por conta do ruído do motor- se emprenham de redes. Uma ao lado da outra. Uma sobre a outra.

O município de Cametá fica no Baixo Tocantins, nordeste do Pará. O rio Tocantins é o principal da região. O Tocantins só perde em importância para o Amazonas. A região é considerada de colonização antiga. A cidade de Cametá, por exemplo, rivaliza com a capital Belém e a cidade de Vigia como as mais antigas.

A Cabanagem, uma das insurreições mais importantes do país teve com cenário a região, berço de um campesinato considerado um dos mais antigos. Nos dias recentes a história registra a constante inquietação da categoria em torno dos seus direitos. A categoria confrontou grileiros de terras, o que descortinou o movimento de resistência conhecido como Anilzinho.

No inverno as viagens até a comunidade de Acapoteua são realizadas de barco. Os bandecos –prato feito- são devorados entre bagagens, mercadorias e uma ou outra criança que insiste em não dormir. Frango assado e farinha da boa aliviam a família. E como são grandes as famílias por aqui. Há casos de um casal ter produzido mais de 10 crias. Um jovem nativo de 28 anos já é pai de quatro filhos. Há terra e floresta para todos/as?

A comunidade fica próxima à barragem de Tucuruí, mas não é atendida pelo serviço de energia elétrica. A hidrelétrica foi erguida para alimentar as grandes corporações de produção de alumínio. A energia é o principal insumo desse modelo de fábrica, deveras caro ao meio ambiente. Do empreendimento os nativos só conhecem os impactos ambientais, como a redução do pescado, uma das principais fontes de proteínas do lugar.

Acapoteua é região de terra firme. A mandioca é a principal produção. O arbusto integra a cultua indígena. Dela se faz a farinha, polvilho e se extrai o tucupi. Uma espécie de vinho admirado na culinária regional. Fácil de encontrar em qualquer feira do estado. Pato no tucupi, prato dileto do Círio de Nazaré é o mais célebre.

Açaizais e buritizeiros espocam das várzeas, onde também pode se encontrar o miriti. A criação de pequenos animais, a criação de peixes em tanques em áreas já devastadas ajuda na diversificação da produção e segurança alimentar. Ainda assim a precariedade inebria a vida do lugar.

Borracha, cacau e pimenta do reino são os ciclos econômicos vivenciados no Baixo Tocantins, inserido no nordeste paraense. Aqui a Igreja Católica predomina. Ela foi uma das principais mediadoras no processo de organização dos sindicatos de trabalhadores rurais da região.

Uma ONG, a Associação Paraense de Apoio às Comunidades Carentes (APACC), incentiva um processo de transição da agricultura tradicional para o modelo baseado na agroecologia faz sete anos. Em resumo a metodologia consiste em motivar a troca de conhecimentos entre os camponeses e a equipe técnica na busca de novos modelos de produção no sentido da busca da diversidade da unidade produtiva camponesa.

Além de incrementar a renda familiar, garantir uma base de proteína diversificada o trabalho da ONG ambiciona motivar a emancipação da categoria. A intervenção de sete anos da APACC nos municípios de Cametá, Oeiras do Pará e Limoeiro do Ajuru desaguou na construção de uma rede agricultores-multiplicadores em agroecologia, que se organiza no sentido de efetivar os princípios do modelo de desenvolvimento nas políticas públicas locais e estaduais.

Ao longo das atividades da APACC os exercícios foram divididos entre a troca de informações e a construção de unidades de produção em caráter experimental através da criação de pequenos animais, manejo do açaí, recuperação de práticas tradicionais de fitoterapia, entre outras.

Os grupos de camponeses e as equipes técnicas avaliam o desempenho das unidades e decidem conjuntamente o que deve ser implantado nas comunidades. Os resultados serão debatidos no fim de agosto no município de Cametá e em breve um resumo da experiência estará disponível no site da ONG. Existe algo mais além das tragédias na fronteira amazônica.

*Rogério Almeida é colaborador da rede www.forumcarajas.org.br, articulista do IBASE e Ecodebate.

[EcoDebate, 19/08/2008]