vivissecção animal: Por uma legislação que signifique um avanço ético, jurídico e científico!
Carta aberta à imprensa e à população brasileira
No dia 06 de agosto de 2008, foi publicada na Agência Senado a seguinte notícia: “CCJ é favorável a projeto que minimiza dor de animais submetidos à pesquisa científica”.
Quando se lê esta manchete chega-se a conclusão de que os animais passam a ser mais protegidos de sofrerem em pesquisas científicas ou mesmo pode se concluir que eles não eram antes protegidos de excessos quando usados em experimentos científicos. Estes comentários são da Agência Senado sobre um projeto de lei que trata do uso dos animais no ensino e na ciência. Mas se alguém se detiver a estudar a história da legislação brasileira em relação aos animais ficaria surpreso com o histórico de retrocesso que esta lei assinala.
Ora, em 1934, um decreto já garantiu considerável proteção aos animais, e se compararmos a este novo projeto de lei, poderia se dizer que por ali já se previam cuidados que hoje não são tão detalhados por uma nova lei* que esta em fase final de votação! (Estou usando aqui a palavra lei muitas vezes genericamente para dizer Projetos de Lei e outros preceitos jurídicos).
Em 1934, por exemplo, a legislação brasileira previa que não se deviam alimentar aves de forma mecânica, nem submeter animais a tração com peso em demasia, ou submeter animal a trabalho sem descanso ou sem condições de alimento ou higiene. Há ainda muitos cuidados que são ali pensados para que a crueldade para com os animais fosse evitada. Em termos gerais a legislação proíbe que animais sofram nas mãos do homem. O decreto também impedia que se colocassem muitos animais juntos de forma a terem seus movimentos tolhidos. Isto foi criado em 1930 e a passou a vigorar em 1934. Além destes exemplos, há muitos outros artigos que o decreto de 1934 tratou de criar no sentido de “minimizar” e até mesmo evitar, o sofrimento dos animais. E pasmem, até os cavalos tinham descanso garantido e não poderiam trabalhar muitas horas seguidas. Com isto quero mostrar que já temos legislação que cuida do bem-estar animal no Brasil há uns 80 anos.
Depois disto outras leis vieram, mas essa lei de 1934 não foi revogada, nos dizem nossos mais caros especialistas da área do Direito. E se observarmos os vários artigos dessa lei veríamos que ali teríamos ferramentas para evitarmos no século XXI vários abusos cometidos contra animais, como até mesmo o que se vê na condução de carroças e outros como abandono de animais domésticos, infelizmente cenas comuns em muitas cidades brasileiras.
Em 1979, outra lei tentou dar conta de questões mais específicas como a vivissecção que é a “prática didático-científica da vivissecção de animais”. Não que a lei de 1934 não tivesse em si mecanismos que protegesse animais da crueldade humana mesmo se aplicados à vivissecção. A lei de 1979, Lei 6.638, se detém na vivissecção e o uso de animais em pesquisas e é específica no objetivo de regular a vivissecção e o uso de animais em testes, de certa forma permitindo-a, mas tenta coibir abusos e exige que sejam tomados cuidados como anestesia, SEMPRE, e somente em centros autorizados e com a supervisão de técnicos especialistas. Apesar de ocupar-se da vivisecção é uma lei que se ocupa de regular esta prática, mas trata que o animal não sofra e proíbe que menores assistam a vivissecção, ou seja, ela regula e restringe e prevê que os animais não sejam submetidos a crueldades. Esta lei não revoga a lei anterior, mas apenas as disposições em contrário, ou seja, ela mantém a legislação anterior, restringindo mais ainda a crueldade e o uso indiscriminado com os animais, principalmente aqueles que acarretem dor, mesmo no ensino ou pesquisa.
Em 1988 temos uma nova Constituição que em vários artigos nos diz que é função do Estado Preservar a fauna (art.23) e em especial o artigo 225, que trata do meio ambiente, principalmente no inciso sete, ao nos dizer que o Poder Público deve proteger a fauna e diz ser vedada a crueldade com animais. Na realidade, de 1934 até 1988 outras leis aos poucos foram sendo criadas especificando certas situações como ilícitas, restringindo cada vez mais a crueldade e exploração de animais, determinando sanções em caso da contravenção. Em 1998 a Lei 9605, Lei de Crimes Ambientais, diz no artigo 32 que é crime praticar abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar qualquer tipo de animais e como na Lei de 1934, dá as penas e multa para o caso da contravenção. Mas esta lei vai além, no inciso de número um, e diz ser crime “quem realiza experiência dolorosa ou cruel com animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos”.
Vejam que ali já elementos suficientes para protegermos os animais de maus tratos, mesmo para fins científicos. Há outros elementos a serem acrescentados a esta questão. A ANVISA, um órgão que tem como objetivo promover a saúde e o bem-estar social da população, exige a realização de testes pré-clínicos, ou seja, testes em animais em algumas substâncias como medicamentos, mas não obriga em outras como cosméticos e saneantes.Por outro lado estes testes em cosméticos e outros produtos que não tem a exigência legal da realização de testes , mas eles são permitidos. Ou seja, enquanto não existir na legislação brasileira algo que se oponha a testes, deve se partir desta premissa: há casos em que são obrigatórios. São obrigatórios testes em novas substâncias, ou em substâncias jamais testadas ou que não apresentem alternativas para testes em animais. E quanto à vivissecção ela era proibida no ensino fundamental e para menores, ou seja, a legislação até 2008 já apresentava mecanismos de restrição do sofrimento dos animais.
Em 1995 o deputado Sérgio Arouca propôs uma nova legislação que se detinha na questão dos testes em animais na ciência e pesquisa e o uso de animais no ensino. Não existia ainda a lei de Crimes Ambientais, mas já existia uma legislação federal que garantia que animais não sofressem maus tratos. Sem entrar em considerações a respeito do uso dos animais para consumo humano, gostaria de me deter nas questões da criação desta lei e esta manchete acima.
Vejam que de certa forma esta manchete foi copiada da lei, porque de fato esta lei prevê que haja a dor em nome da ciência e da pesquisa, já que ela usa a palavra “minimiza”, ou seja, ela passa a permitir a dor que antes não era mencionada. Ela prevê a dor e retira ou exclui a palavra que antes existia no caso da vivissecção: “não será permitida sem o emprego de anestesia”. E vejam que a lei de 1975 restringia o uso dos animais em experiências àquelas “recomendadas nos protocolos” e em algumas atividades de ensino. Aliás, os termos da notícia do Senado são justamente o que diz a lei que querem revogar: “A proposta determina ainda que os animais só poderão ser submetidos a intervenções desde que elas sejam recomendadas nos protocolos dos experimentos que constituem a pesquisa ou programa de aprendizado (Cláudio Bernardo / Agência Senado, dia 06-08-08). E a lei de 1979, Lei 6.638, artigo 4 diz: … o animal só poderá ser submetido às intervenções recomendadas nos protocolos das experiências que constituem a pesquisa, ou os programas de aprendizado cirúrgico, quando , durante ou após a vivissecção, receber cuidados especiais.” Ou seja, isto não é novo, é antigo.
E a lei de 1998 exige que as alternativas sejam realizadas, sempre que existirem.
A questão é que estas leis são gerais e não detalham várias situações como a lei de Arouca de 1995 propõe, mas isto não chega a ser um problema, porque a lei parte do permitido e do não permitido, cabendo às autoridades previstas pela lei avaliarem se há ou não ilicitude nas condutas. O que é ilícito, e neste caso crime, é o fato de haver ou não crueldade para com os animais, já que isto é proibido desde 1934 e se mantém proibido pela própria Constituição Federal de 1988.
A lei de Arouca elimina a restrição da vivissecção e no seu dizer de “regular” ela passa a permitir algumas condutas que causam dor e amplia o uso dos animais. Talvez seja por isto que ela utiliza-se de uma palavra que aparece na manchete: “minimiza”, pois ela de fato permite!
O que acontece é que o jornalista que relata apenas reproduz o que lhe dizem. Assim como ele, os cidadãos brasileiros subestimados com este tipo de manchete tranqüilizam-se ao ler e podem festejar o que outro grupo de perto critica, que são aqueles que tentam com muita dificuldade protegerem animais da crueldade no Brasil! No Brasil nem o animal é devidamente preservado de maus tratos nem os defensores de direitos dos animais são respeitados e sequer têm espaço para opinar ou sugerir.
Resta apresentar mais um elemento que desmente a manchete, porque se ela de fato minimizasse o sofrimento de animais mais do que a legislação anterior já prescreve, ela reforçaria o uso de alternativas, mas esta palavra aparece somente uma vez numa lei bastante extensa, com vários capítulos e muitos artigos ! E quando aparece ela não fala em investir em alternativas, mas em controlar alternativas !
O que a manchete não noticiou é o fato de ser uma lei que todos os defensores de animais se opõem. Vejam que ao contrário do personagem esteriotipadamente insensato que pintam dos que desejam respeito aos animais, há nestes grupos também cientistas que desejam o avanço da ciência como os demais. Também há respeitadíssimos Promotores de Justiça, Juízes e muitas pessoas que mereciam um espaço semelhante, mas não há no nosso grupo políticos para nos ouvir ou serem porta-vozes de nossos projetos (há muito poucos para suportarem a pressão dos donos de circo e zoológicos e dos cientistas de grandes agências e corporações e mesmo empresas poderosas).
E não nos opomos ao avanço da ciência, mas cabe aqui apenas denunciar simplesmente o fato de que está sendo afirmado algo que não coincide com a verdade. Este Projeto de Lei não diminui o sofrimento dos animais, ao contrário ele permite o uso de animais em situações que antes não eram permitidas e delega poderes que caberia ser do Estado na proteção e preservação da fauna.
Escrevo isto no intuito de solicitar aos jornalistas mais atenção e cuidados com os cidadãos brasileiros que precisam ser bem informados do que está sendo feito de seu voto. Afinal estamos em tempos de eleições é e preciso lembrar que precisamos estar bem atentos em quem estamos depositando nossa confiança e pedindo que defendam nossos interesses. Queremos transparência, Justiça e respeito também aos nossos ideais , mas queremos também transmitir às futuras gerações noções de respeito a todos, aos animais e à natureza.
Estes que votaram favoravelmente ao PLC 093/08 , a Lei de Arouca, na Câmara e no Senado Federal, com certeza não foram representantes da vontade de muita gente que gostaria que nossa legislação avançasse como é em outros países que sabem cuidar da ciência, da saúde e da qualidade de ensino da população sem esquecer-se da ética e mesmo da educação das futuras gerações.
Amanhã votarão mais uma vez neste projeto sem que tivesse havido participação de diferentes segmentos da população brasileira diretamente interessada na questão, além dos cientistas e pessoas ligadas à indústria farmacêutica que ansiosamente esperam a aprovação do Projeto de Lei. A única esperança que temos neste processo político é que sabemos que cada vez somos mais numerosos e nossa voz acabará por ser ouvida!
Se o projeto for aprovado espero que noticiem mais criteriosamente os fatos que esta legislação sugere e não afirmem que é uma lei que favorece aos animais !
Enquanto não podemos fazer parte deste processo democrático, pedimos pelo menos transparência, um pouco mais de respeito e que as notícias , além de estarem de acordo com os fatos, sejam neutras e não celebrem tanto a forma que nossa sociedade se permite usar dos animais.
Aos senadores e senadoras pedimos que nos escutem mais uma vez. Também somos brasileiros e brasileiras e gostaríamos que nossa opinião também fosse valorizada amanhã!
Eliane Carmanim Lima – poramoraosanimais@gmail.com
CRP 07/04567
Porto Alegre, 12 de agosto de 2008
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