EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Artigo

Parque Nacional do Iguaçu: Os 70 anos de nosso atraso, artigo Marcos Sá Corrêa


Foto: UHE de Itaipú

[O Estado de S.Paulo] O Parque Nacional do Iguaçu prepara a festa de seus 70 anos. Ele merece. Mas, como toda a data redonda na história das unidades de conservação brasileiras, seu aniversário é também a medida de nosso atraso na preservação da natureza.

O parque teria 132 anos se o País tivesse levado a sério, no Segundo Reinado, a sugestão do engenheiro André Rebouças, quando ainda havia tempo para juntá-lo às Sete Quedas no Rio Paraná, cobrindo de ponta a ponta o que era então a fronteira selvagem do oeste paranaense.

É difícil contar tudo o que se perdeu nesses 62 anos de corpo mole. Ficou impossível criá-lo como Rebouças queria, “com todas as gradações do belo ao sublime, do pitoresco ao assombroso”, antes que as Sete Quedas afundassem no reservatório de Itaipu e a soja inundasse o resto. E não foi por falta de avisos insistentes.

Em 1890, o capitão Edmundo de Barros percorreu de ponta a ponta, com um destacamento militar, o “Parque Nacional do Guaíra” – ou seja, o de Rebouças – como se ele existisse. Voltou convencido “de haver realizado a mais bela viagem circular que se pode fazer neste mundo”.

Vinte e seis anos depois, Alberto Santos Dumont, levado às cataratas como celebridade internacional por Frederico Engel Rios, pioneiro da hotelaria local, encontrou as cachoeiras nas mãos do latifundiário espanhol Jesus de Val. Escandalizou-se a ponto de convencer o presidente da província, Affonso de Alves Camargo, a comprar as terras.

Daí à decretação do parque, em janeiro de 1939, foi um pulo de 23 anos. A essa altura, do outro lado do Rio Iguaçu, os argentinos já tinham feito o seu parque, desde 1934. E os brasileiros, como sempre, não quiseram ficar muito atrás deles.

Foi durante essa interminável gestação que passou por ali o paranaense Manuel Azevedo de Silveira Neto, funcionário do Ministério da Fazenda com vocação literária. Em 1905, ele viajou à cidade de Foz do Iguaçu, para implantar um escritório do fisco na cidade de 2 mil habitantes, com “5 prédios federais e 2 estaduais”. De Foz, ele visitou as cataratas, em lombo de cavalo.

Silveira Neto não deixou de registrar, com circunlóquios poéticos, suas impressões dos “luares límpidos e ermos, como aquarelas de um sonho” ou das borboletas “em nuvem multicor”. Mas era um funcionário público, clínico nas sangrias da renda nacional. Na viagem rio acima, viu que as clareiras abertas à margem do Paraná atestavam, já naquela época, “a larga e anárquica devastação que tem lavrado na floresta pelos exportadores de madeira”.

Não que passasse por sua cabeça a fantasia de “conservar a selva intangível”, para “o gozo platônico do viandante”. Queria apenas o “aproveitamento metódico dessa riqueza”, com exploração comercial de resinas ou essências medicinais, a regularização do clima e a “distribuição das águas”. Em outras palavras ? ou pior, nas mesmas palavras ? Silveira Neto disse, há 103 anos, tudo o que se diz hoje da Amazônia. Com os mesmos resultados.

Da mata que ele conheceu sobrou estritamente a que fica dentro do parque nacional, confinada em seus 185 mil hectares pelos campos arados de 14 municípios. Seu contorno, traçado em linhas retas pelas cercas, é a prova tardia de que Rebouças tinha razão.

O que é mais um motivo para festejar o parque nacional, como, em Foz do Iguaçu, a pesquisadora Mônica Ferreira Laurito anda fazendo. Ela juntou 120 entrevistas com antigos moradores e 2 mil fotografias de álbuns familiares. Se a relação da natureza com a ocupação humana é delicada, nada como aprender a história do que deu certo.

Marcos Sá Corrêa é jornalista e editor do site O Eco (http://www.oeco.com.br).

Artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo, 13/08/2008.

[EcoDebate, 15/08/2008]