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Precisamos nos livrar do petróleo, entrevista com Amory Lovins, cientista-chefe do Instituto das Montanhas Rochosas


Pesquisador americano diz que podemos resolver a crise energética sem abrir mão do conforto

O instituto onde Amory Lovins trabalha com sua equipe está num vale rochoso a 2.000 metros de altitude. No inverno, a temperatura cai para 40 graus negativos. Mesmo assim, os prédios com paredes de pedra do instituto usam apenas duas lareiras. As janelas captam o calor do sol. É suficiente para cultivar abacaxis e bananeiras. É ali que Lovins, um dos pesquisadores mais respeitados na área de energia, desenvolve soluções para combater as mudanças climáticas, provocadas pela queima de combustíveis fósseis. “Problemas complexos têm soluções simples, como as energias renováveis”, diz em entrevista a ÉPOCA. Por Juliana Arini, na revista ÉPOCA, n° 0534.

ENTREVISTA – AMORY LOVINS

QUEM É
Presidente e cientista-chefe do Instituto das Montanhas Rochosas. Foi um dos primeiros cientistas a defender a eficiência e as energias renováveis como solução para a crise energética mundial, em 1975. É consultor de empresas como Wal-Mart, Shell, Xerox e Mitsubishi

O QUE FEZ
Estudou Física Experimental na Universidade Harvard, nos EUA. Trabalhou na Universidade de Oxford, na Inglaterra. Foi um dos principais colaboradores da organização não-governamental Amigos da Terra e responsável pelos primeiros estudos sobre eficiência energética da instituição

ÉPOCA – É verdade que o senhor foi convidado por Barack Obama para ser secretário de Energia dos Estados Unidos?
Amory Lovins – Não. Tudo sobre o futuro presidente tem de ser comentado com cuidado, independentemente de quem vai vencer as eleições. Mas, na verdade, quem começou essa conversa foi o presidente anterior (Bill Clinton). O problema é que o Departamento de Energia dos EUA está ligado ao Departamento de Guerra (antigo nome do Departamento de Defesa). São eles que fazem as bombas atômicas a partir do lixo das usinas nucleares. Eu não quero me envolver com a questão da segurança. Só aceitaria trabalhar num departamento civil focado apenas na geração de energia. E esse foi o fim da minha conversa na época. Mas não acredito que seria uma boa idéia a dele (risos).

ÉPOCA – O que o senhor recomendaria ao futuro presidente dos EUA?
Lovins – Diria para ele voltar sua atenção para uma política de eficiência energética e mudar nossa forma de gerar energia o mais rápido possível. Precisamos nos livrar do petróleo, mesmo porque o barril já custa US$ 100. Também devemos reduzir a dependência de energia nuclear, que não é uma boa opção para resolver os problemas com o clima. A saída é investir em energia renovável. Devemos seguir o que as empresas já estão fazendo. É o que eu batizei de Caminho Suave para a Energia.

ÉPOCA – Que caminho é esse?
Lovins – É uma abordagem que desenvolvi na década de 70, quando houve a primeira grande crise mundial do petróleo. O problema da energia começa na forma como ela é gerada. Na verdade, as pessoas não querem queimar petróleo ou carvão. O que elas desejam é ter uma cerveja gelada, a casa aquecida no inverno e refrigerada no verão. O importante para elas é o conforto da energia. Aí eu me perguntei qual é o mínimo de energia necessário para gerar esse conforto. E quanto eu posso reduzir no desperdício e nos impactos ambientais. Esse é o Caminho Suave para a Energia. Ele se baseia em múltiplas fontes renováveis, como a biomassa, a eólica e a energia geotérmica. O Caminho Duro, em contraste, seria a geração de energia centralizada em um só modelo, com fontes como petróleo, carvão ou nuclear, que geram problemas de resíduos. E com carros de baixa eficiência e movidos a gasolina e diesel.

ÉPOCA – Esse Caminho Suave é viável?
Lovins – Claro. O primeiro passo é investir em eficiência. Projetar um carro que consuma menos é mais fácil que criar um novo combustível. Depois, é preciso desenvolver novas tecnologias. A experiência brasileira foi um exemplo de que isso é possível para o mundo todo. Vocês são líderes no uso dos biocombustíveis e agora com os carros flex. Foi o país que teve uma saída criativa para a primeira crise mundial do petróleo. A eficiência também traz benefícios na matriz energética brasileira. Isso foi bem intenso em 1999 (o ano do medo do apagão), quando aumentaram os programas de eficiência energética no Brasil. Mas vocês ainda podem melhorar muito. Os chuveiros elétricos sobrecarregam o sistema nos horários de pico. Se mudassem para aquecimento solar ou aquecedores a gás, isso liberaria energia de quase uma Itaipu. Essa é a lógica da eficiência energética. Usar menos, gerar de forma limpa e depender menos de uma fonte exclusiva.

ÉPOCA – Existem países que já seguem esse caminho?
Lovins – A Alemanha está investindo em uma matriz energética variada, com uso de energia solar, eólica e biomassa, e, principalmente, na eficiência do sistema todo. Há vilas, como Dardesheim, que estão perto de gerar 100% do que consomem com fontes renováveis. Há projetos parecidos nos EUA também. O problema é que existe uma forte campanha para desacreditar a eficiência dessas fontes. Esse lobby é feito com força pela indústria nuclear.

ÉPOCA – Como o senhor vê a energia nuclear?
Lovins – É uma das gerações mais caras do mundo. Se você retirar os subsídios embutidos, ela não se sustenta. Pode ajudar a reduzir a dependência de carvão. Mas a longo prazo esbarraria na viabilidade econômica. O mercado global já sabe disso e está indo para direções diferentes. As novas plantas de usinas nucleares vão custar de duas a quatro vezes mais do que foi divulgado há dois anos. As usinas antigas também são um problema para a segurança dos países. Sem os subsídios, as fontes como a eólica têm um retorno maior que a energia nuclear. Existe uma ilusão sobre a solução nuclear. Mas esse renascimento nuclear de que ouvimos falar não está acontecendo.

ÉPOCA – Mas a China divulgou um grande investimento em usinas nucleares.
Lovins – Eles anunciaram isso em 2006. Mas, no ano seguinte, investiram sete vezes mais em energias renováveis. Isso também aconteceu nos EUA e na Espanha. No ano passado, eles investiram mais em energia eólica que em nuclear. Em 2007, o investimento mundial em fontes renováveis, excluindo as grandes hidrelétricas, foi de US$ 71 bilhões. No mesmo ano, o investimento de capital privado em nuclear foi zero. O gasto com nuclear foi todo feito com dinheiro público.

“O renascimento nuclear de que ouvimos falar não está acontecendo”

ÉPOCA – Os biocombustíveis são vilões ou aliados nesse Caminho Suave para a Energia?
Lovins – Eles podem ser os dois. Se você opta por fazer a geração sem responsabilidade social ou ambiental, os biocombustíveis são um problema. Existem muitas fontes de geração, como o milho na América ou a cana-de-açúcar do Brasil. A palma (dendê) da Indonésia é mais produtiva que a cana-de-açúcar. Mas também só é sustentável se sua plantação não exigir desmatamento. A Indonésia tem tido sucesso na restauração de florestas com essa cultura. É um bom caminho para geração de energia.

ÉPOCA – No caso dos EUA, o uso de grãos para biocombustíveis é acusado de fazer o preço da comida subir. Isso é sustentável?
Lovins – Isso já está mudando. O aumento no preço da comida aconteceu porque os produtores ignoraram que usar o milho e a soja para fazer o etanol afetaria as áreas usadas para plantação de alimentos. Não foi uma boa escolha. Mas, hoje, a nova direção é desenvolver a produção a partir de outras matérias-primas que não afetem as áreas usadas para alimentos. O etanol extraído a partir da madeira já está em processo avançado de pesquisas. Também estão estudando o uso de grãos não-comestíveis. Plantas de crescimento rápido e que não afetem a área de produção de alimentos. Mas isso é só parte da história. O outro lado é buscar soluções para gastarmos menos.

ÉPOCA – Como usar menos energia sem desligar o ar-condicionado?
Lovins – As pessoas vão continuar querendo energia para tornar a vida mais confortável. Mas um exemplo de mudança é o que conseguimos fazer no Instituto das Montanhas Rochosas. Apenas com mexidas no projeto conseguimos manter uma temperatura interna do prédio bem agradável, enquanto lá fora pode estar abaixo de zero. Temos até bananeiras e outras plantas tropicais. Se eu fosse construir minha casa hoje, ela, além de ser auto-suficiente, poderia gerar energia para fora. Acredito que os grandes problemas da humanidade com o clima e a energia podem ser resolvidos com soluções simples, a partir de pesquisa e uso de energia eficiente.

[EcoDebate, 14/08/2008]

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