Angra 3 e o lixo radioativo, artigo de Rebeca Lerer
[Folha de S.Paulo] O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, bem que tentou minimizar o custo político da emissão da licença para a usina nuclear Angra 3, alegando que a decisão do governo Lula já fora tomada quando ele assumiu o cargo em abril. Minc lembrou seu passado ambientalista, se declarou contra a energia nuclear e colocou Angra 3 na conta da sua antecessora Marina Silva para tentar escapar da contradição.
Tamanho esforço, porém, acabou inutilizado quando Roberto Messias, presidente do Ibama, em artigo publicado nesta seção no dia 5/8 (“Licenciar Angra 3: por quê?”), defendeu abertamente a sustentabilidade e a necessidade da geração nuclear no Brasil, tornando-se o novo porta-voz da indústria atômica -papel que não cabe à autoridade máxima do licenciamento ambiental brasileiro.
O estudo de impacto ambiental (EIA-Rima) apresentado pela Eletronuclear tem várias lacunas e falhas, que foram apontadas pelo Ministério Público Federal em recomendação encaminhada ao Ibama após o ciclo de audiências públicas do processo de licenciamento de Angra 3 realizadas em março de 2008.
Em vez de exigir a correção do EIA-Rima, o Ibama transformou as perguntas sem resposta em condicionantes listadas na licença prévia, sem nenhuma garantia de que elas serão cumpridas antes do início das obras de Angra 3.
Na licença prévia de Angra 3, chamou a atenção da mídia a condicionante 2.18, que dispõe sobre o destino final dos rejeitos radioativos de alta atividade, principal passivo ambiental da operação de uma usina nuclear.
Angra 1 e 2 geram por ano 13.775 metros cúbicos de rejeitos radioativos, e essa montanha de lixo nuclear vem sendo provisoriamente estocada dentro das próprias usinas. Com a construção de Angra 3, a situação deve se agravar.
Não existe, em nenhum lugar do mundo, solução definitiva para o lixo radioativo e, portanto, a definição sobre os parâmetros e a localização de depósitos para tais resíduos é complexa, demorada e de altíssimo custo político e econômico. É impossível resolver a questão até 1º/9, como deseja o ministro Edison Lobão (Minas e Energia), ou mesmo no prazo de 120 dias estipulado na licença prévia.
A reação do setor nuclear, em especial da Cnen (Comissão Nacional de Energia Nuclear), foi dizer que não é competência do Ibama ou mesmo da Eletronuclear encaminhar a questão do lixo radioativo.
Tudo indica que essa condicionante não será cumprida, tratando-se apenas de verniz de responsabilidade para amenizar as críticas à emissão da licença.
Licenças com condicionantes em aberto chegam a ser corriqueiras no Brasil, especialmente no caso de instalações nucleares. Um exemplo é a mina de urânio de Caetité (Bahia), operada pela estatal INB (Indústrias Nucleares do Brasil). Licenciada em 2002, até hoje a mina funciona com condicionantes em aberto relacionadas a monitoramento de impactos na saúde e na água.
Em seu artigo, Roberto Messias assusta ao relativizar os riscos de acidentes no complexo nuclear de Angra dos Reis. A tecnologia nuclear é reconhecidamente perigosa e não são necessários novos acidentes como Chernobyl para reiterar esse fato.
Em julho, na França, país que detém amplo parque atômico, foram constatados dois vazamentos de urânio, levantando dúvidas sobre a segurança nuclear daquele país. O artigo de Messias desinforma a sociedade ao levar a crer que ter eletricidade em casa depende da energia nuclear, que hoje responde por menos de 3% da matriz energética brasileira e não chegará a 4% mesmo com Angra 3 em pleno funcionamento.
Vale lembrar ainda que a usina nuclear não é relevante em um cenário de “apagão” em 2010-2011, como temem os setores produtivos nacionais, já que Angra 3 só entrará em operação em 2014.
O Brasil tem recursos renováveis como vento, sol e biomassa em abundância e pode garantir seu desenvolvimento sustentável e manter o crescimento econômico a partir de uma matriz estruturada em torno das fontes limpas e renováveis e de medidas de eficiência energética.
Essa opção, porém, parece não interessar ao governo federal. O presidente Lula e os ministros do PAC devem estar satisfeitos, já que, finalmente, encontraram um presidente para o Ibama que não precisa ser classificado como “entrave” aos planos conservadores e insustentáveis do setor elétrico brasileiro, porque abre mão de defender a legislação ambiental e o princípio da precaução.
O Messias chegou e trouxe más notícias, mas o pior certamente ainda está por vir. Resta saber como o ministro Carlos Minc vai se justificar daqui em diante.
Rebeca Lerer é jornalista e coordenadora da campanha de Energia do Greenpeace Brasil.
Artigo originalmente publicado pela Folha de S.Paulo, 12/08/2008.
[EcoDebate, 14/08/2008]
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