Relatório revela que, com exceção da Amazônia, os demais cinco biomas não têm áreas protegidas suficientemente para proporcionar a conservação da biodiversidade
Florestas abandonadas
As florestas brasileiras – não importa se federais, estaduais ou municipais – estão desamparadas. Faltam proteção, demarcação e infra-estrutura mínima que permitam uma fiscalização efetiva para evitar invasões, organizar pesquisas científicas e possibilitar visitas seguras. O diagnóstico catastrófico é do próprio Ministério do Meio Ambiente. Relatório elaborado ao longo de dois anos sob a coordenação do Departamento de Áreas Protegidas – concluído em dezembro e não divulgado – faz uma revelação preocupante: “O total de área protegida por bioma é insuficiente para a conservação da biodiversidade”. Resoluções do IV Congresso Internacional de Áreas Protegidas, assinadas pelo Brasil em 1992 no encontro da Venezuela, estabeleceram que, no mínimo, 10% de cada bioma devem ser integralmente protegidos para que haja a preservação das nascentes de água, reprodução de plantas e animais, além da estabilidade do clima. Por Leonel Rocha, da equipe do Correio Braziliense, 11/08/2008.
Dirigido pela Secretaria de Florestas do MMA, o trabalho cita o caso do Pantanal brasileiro – bioma que hoje abrange 250 mil km² espalhados pelos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul – que tem apenas 2% da sua área ideal definida como unidade de conservação. Dados oficiais mostram que a situação não é diferente nos outros cinco biomas. Com exceção da Amazônia, que tem 20% do seu território preservado (apesar de definir apenas 7,76% como unidades de proteção integral), os demais biomas estão com índice abaixo das recomendações internacionais. Da Caatinga, só restam 0,32% e do Pampa gaúcho, 2,59%. O Cerrado manteve 5%. Apenas 7% do que resta da Mata Atlântica original (1,3 milhão de km² ) ficaram preservados.
O diagnóstico é resultado do trabalho sobre a sustentabilidade financeira do Sistema Nacional de Unidade de Conservação (SNUC). Compõem o relatório outros dois capítulos que tratam sobre o monitoramento da biodiversidade e a gestão participativa das UCs. Os estudos foram determinados pelo Fórum Nacional de Áreas Protegidas e o resultado foi chancelado por gente importante como a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva e o então presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação (ICMBio) João Paulo Capobianco.
Chamado de “Pilares para o plano de sustentabilidade financeira para o SNUC”, o documento também é assinado pelo novo presidente do instituto, Rômulo Mello, que ocupava o cargo de diretor de Conservação da Biodiversidade da entidade quando o trabalho foi feito. A direção do Chico Mendes, encarregada de cuidar das UCs, não se manifestou sobre o diagnóstico e transferiu a responsabilidade pelo documento para o Ministério do Meio Ambiente.
Preparado com a participação de uma equipe com mais de 20 profissionais do setor, o relatório teve colaboração técnica de professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, USP e grandes organizações não-governamentais ambientalistas internacionais como The Nature Conservancy (TNC) Brasil, Fundo Mundial para a Natureza (WWF), além de agências como a de cooperação alemã GTZ e o Instituto Mundial para Conservação e Meio Ambiente (WICE), que participaram como instituições de apoio ao trabalho.
Legislação confusa
No mesmo diagnóstico, o relatório alerta para a falta de uma legislação unificada da União, estados e municípios sobre as áreas que devem ser protegidas, provocando atraso na consolidação de áreas definidas, por decreto, como unidades de conservação: “Muitas áreas já criadas ainda não foram efetivamente implementadas e ainda não se pode afirmar que atingiram integralmente os objetivos que motivaram a sua criação”. Quando o relatório foi concluído, existiam quase 600 unidades de conservação, 288 federais e 308 estaduais.
As 743 Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) inscritas no Cadastro Nacional de Unidades de Conservação não foram consideradas no estudo. Elas somavam mais de um milhão de quilômetros quadrados, protegendo pouco mais de 10% do território continental brasileiro. Atualmente, são 299 UCs federais e outras tantas estaduais. Com a criação em tempo recorde de tantas reservas, surgiu uma nova dificuldade detectada pelos analistas do ministério do Meio Ambiente: a carência de informações básicas dos próprios órgãos públicos encarregadas pela gestão das áreas criadas para serem protegidas e a ampliação das despesas para cuidar do patrimônio.
Riqueza natural ameaçada
Áreas de proteção integral não são suficientes para garantir a manutenção da biodiversidade brasileira, diz estudo do próprio Ministério do Meio Ambiente
PROTEÇÃO PRECÁRIA
Percentual de território preservado em unidades de conservação (por bioma)
Amazônia
20%
Mata Atlântica
7%
Cerrado
5%
Pampa Gaúcho
2,59%
Pantanal
2%
Caatinga
0,32%
Déficit de quase R$ 600 milhões
Para agravar ainda mais a situação, o estudo constata que, historicamente, o governo brasileiro tem reservado poucos recursos do orçamento da União para cuidar das reservas extrativistas e biológicas, florestas e parques nacionais, estações ecológicas, áreas de proteção ambiental e monumentos naturais. O estudo calculou em R$ 1,4 bilhão o custo mínimo para manter em bom estado todas essas unidades de conservação, inclusive as estaduais. Somente para despesas de custeio das áreas federais, o diagnóstico aponta a necessidade de R$ 466 milhões por ano. O recurso seria utilizado na fiscalização, organização, instalações e funcionamento administrativo das UCs para impedir invasões, evitar queimadas e derrubada de árvores. O custeio das florestas estaduais foi estimado em R$ 394,3 milhões.
Outros R$ 350 milhões seriam necessários, de acordo com as projeções financeiras do trabalho, para a parte da infra-estrutura das unidades que ainda não foram criadas ou para complementar os equipamentos já existentes, mas obsoletos ou defeituosos. Esse valor foi estabelecido pela equipe que analisou o SNUC considerando que já existem 70% da infra-estrutura destinada a administração e funcionamento das florestas. Mesmo com tantas necessidades, o governo ao elaborar o orçamento e o Congresso ao aprovar a lei orçamentária com emendas parlamentares só destinaram R$ 229,2 milhões para investimentos e custeio das unidades de conservação federais. Um déficit de quase R$ 600 milhões. (LR)
[EcoDebate, 13/08/2008]
Não é possível fazer conservação com unidades de conservação apenas. São necessárias outras estratégias de comprometimento da sociedade, da formação de pactos locais e regionais para a conservação.
No entanto, os gestores da conservação são muito distantes da realidade local e social rural das regiões sul, sudeste e centro-oeste e não tem interlocução para formar qualquer pacto para a conservação.
No caso do Paraná, a lei brasileira estabelece para quase todas as propriedades uma área de uns 6% como preservação permanente e outros 20% de unidades de conservação de uso misto (a reserva legal). Essas áreas deveriam ser devidamente consideradas como unidades de conservação e reconhecidas pelo poder público e sociedade.