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Câmara definirá de quem é a responsabilidade pelo lixo urbano


Depois de 17 anos de tramitação, a Câmara dos Deputados poderá aprovar a lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), marco regulatório que pretende atribuir responsabilidades a consumidores, comerciantes e produtores sobre a destinação do lixo urbano. Além disso, a proposta padroniza e regulamenta o acondicionamento, coleta, tratamento, transporte e a destinação final dos rejeitos. O tema está em 140 projetos de lei em tramitação na Casa. Por Thiago Vitale Jayme, do Valor Econômico, 11/08/2008.

O texto que balizará os debates deverá ser o Projeto de Lei 1991, de 2007, enviado pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva ao Congresso . Dessa proposta sairá o substitutivo do relator, deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP), que deverá ter dois pilares básicos: a responsabilidade compartilhada pela destinação final dos rejeitos sólidos – a ser divida entre a indústria, os consumidores e o comércio – e a criação de incentivos fiscais e tributários para quem participar ativamente das soluções sustentáveis para os rejeitos.

O texto do governo institui a logística reversa, pela qual o setor produtivo será responsável por “trazer de volta” os produtos comercializados para reutilização, destinação final e reciclagem. Esse ponto é o de maior resistência da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Segundo números do Ministério do Meio Ambiente, o país produz diariamente 154 mil toneladas de resíduos, dos quais 78% lixo doméstico. Os 524 municípios com mais de 50 mil habitantes do país geram 80% do total desse lixo, sendo que as 13 maiores cidades brasileiras são responsáveis por 32% do total. Hoje, 59% das cidades brasileiras colocam esses rejeitos em lixões. Apenas 13% dos municípios têm aterros sanitários. O país possui um vácuo jurídico-legislativo na questão. O que existem são legislações no âmbito do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) sobre produtos específicos, como pneus e pilhas.

Na definição dos responsáveis pelos rejeitos, dois modelos estão em vigor no mundo. A União Européia optou por responsabilizar o setor produtivo -cabe à indústria recolher, reciclar, dar destinação final ou reutilizar o lixo produzidos por seus produtos. Isso significa que um fabricante de geladeiras é responsável pelo destino final a ser dado por seus refrigeradores . Nos Estados Unidos, o modelo é compartilhado: consumidores, comerciantes e produtores são responsáveis pelos resíduos sólidos.

A CNI aprova o modelo compartilhado e descarta apoiar uma proposta semelhante à européia. “É preciso que se observem as etapas de todo processo, desde o produtor o consumidor”, diz Grace Dalla Pria, gerente ambiental da CNI. “Nós não temos governança sobre os consumidores. Não há nada que obrigue a pessoa a dar uma destinação final ao produto”, completa. “Se uma pilha é jogada no lago, a indústria é punida. Essa não é a logística reversa, é a logística perversa.”

O relatório final a ser elaborado por Jardim deverá se basear no texto do governo, mas tornando mais clara a responsabilidade compartilhada. “Ainda não sabemos como vamos regular. É um ponto em aberto que ainda teremos de encontrar uma solução de consenso”, diz o deputado. A CNI quer que o projeto seja mais explícito em definir as responsabilidades como compartilhadas. A avaliação da entidade é de que o texto ainda é frágil nesse aspecto e deixa brechas para que, na regulamentação da lei, o setor produtivo possa ser responsabilizado totalmente.

Incluindo a responsabilidade compartilhada, a segunda aposta de Jardim para trazer a indústria para o lado do projeto é a criação dos incentivos fiscais e tributários. O deputado sabe que, sem o apoio da indústria, dificilmente o texto tramitará na Câmara. “Não tem sentido, por exemplo, o papel reciclado custar mais caro que o papel comum”, argumenta Jardim.

Sua idéia é finalizar seu relatório até setembro e aprová-lo no grupo de trabalho até outubro. Assim, o texto poderia ir a plenário após o segundo turno das eleições. O primeiro projeto a tramitar na Câmara surgiu em 1991, quando pressões do setor privado impediram a aprovação de uma política nacional. Em 2006, uma nova tentativa foi feita, e uma comissão especial chegou a aprovar um relatório final sobre a questão. Mais uma vez, o lobby do setor produtivo impediu o avanço.

Em junho, o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP) criou um grupo de trabalho para organizar os mais de 140 projetos de lei que surgiram sobre resíduos sólidos desde 1991. Entre eles, o texto mais importante é o PL nº 1991, de 2007, enviado ao Congresso Nacional pelo governo federal. Foi a primeira vez que o Executivo fez a opção de participar do debate legislativo do assunto.

Arnaldo Jardim (PPS-SP) aponta três fatores que anteriormente impediram o avanço das normas. O primeiro era a ausência do Executivo no debate, que tirava o compromisso dos partidos de dar suporte às propostas apresentadas. O segundo ponto era o desentendimento do setor produtivo sobre a questão, com alguns atores tendo uma posição bastante radical contrária ao texto, como o de pneus e toda a polêmica sobre importação de pneumáticos usados. “Mas a questão mais importante era a omissão, nos textos apresentados, de instrumentos fiscais e tributários para incentivar a atuação da indústria e do comércio na reutilização, na reciclagem e na destinação final dos rejeitos”, diz Jardim.

[EcoDebate, 12/08/2008]