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Ibama, MP, Aneel e até CPI no caminho das térmicas da MPX

Às voltas com investigações da Polícia Federal e a suspeita de ter fraudado licitações no Amapá, o empresário Eike Batista enfrenta também a ira de procuradores e de ambientalistas, que questionam seus projetos no setor elétrico. Um dos casos mais polêmicos envolve a construção de uma térmica em São Luís (MA), alvo de pelo menos três ações do Ministério Público e que foi o estopim de uma comissão parlamentar de inquérito criada recentemente na Assembléia Legislativa local. Alguns a chamam maliciosamente de “CPI do Eike”. Por Daniel Rittner, de Brasília, do Valor Econômico, 05/08/2008.

Essa não é a única controvérsia. Causou indignação na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) o pedido apresentado pela Amapari Energia, da MPX, de construir uma termelétrica movida a óleo diesel no Amapá para fornecer energia à mineradora do grupo no Estado. A Aneel deu aval ao projeto, mas condenou a tentativa do grupo de beneficiar-se da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) – encargo cobrado nas contas de luz de todos os consumidores do país – numa espécie de “triangulação indevida” com a distribuidora local, segundo o órgão regulador.

Só o projeto da Termomaranhão – orçado em quase US$ 700 milhões, com potencial de 360 megawatts (MW) apenas na primeira fase e programado para funcionar a partir de 2011 – enfrenta três ações civis públicas. A polêmica envolvendo o licenciamento da obra levou à aprovação de uma CPI que tem a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) como foco. “Já existe o número regimental mínimo para a instalação da CPI, mas os partidos da base não fazem as indicações de seus representantes”, diz Guilherme Zagallo, coordenador do Movimento Reage São Luís, uma organização civil contrária à nova usina. “Fizeram procedimentos completamente ilegais.”

A licença prévia foi concedida em março de 2007, menos de dois meses após o pedido do empreendedor e sem a apresentação de estudo de impacto ambiental (EIA-Rima). Na época, o projeto da térmica ainda não estava nas mãos da MPX. A empresa de energia de Eike só entrou no empreendimento em outubro. Dois meses depois, assumiu 100% de participação. Quando licenciou a usina, a secretaria justificou a rapidez com base na resolução 279/2001 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que permite procedimentos simplificados para projetos de “pequeno potencial de impacto”.

Ocorre que outra norma do próprio Conama sugere que esses projetos não devem passar de 10 MW – a usina vai produzir 35 vezes mais energia do que o suposto limite. “Percebemos que o governo do Estado tem muito interesse em liberar o projeto, não importa como”, estranha o promotor de justiça Luís Fernando Barreto Jr., que tentou anular a licença prévia. Ele conseguiu uma liminar em primeira instância, já derrubada pelo Tribunal de Justiça.

Em outra ação, com pedido de liminar deferido e confirmado pelo TRF da 1ª Região, o Ministério Público Federal conseguiu tirar da Sema e transferir para o Ibama a responsabilidade pelas fases seguintes do licenciamento – incluindo a licença de instalação, que autoriza o início efetivo das obras. Números compilados pelo MPF e pelo Movimento Reage São Luís apontam que a poluição gerada pelos 360 MW planejados na primeira fase da usina é suficiente para aumentar em 30% (de 43 mil para mais de 56 mil toneladas anuais) a emissão de cinco dos principais gases do efeito estufa na capital maranhense.

Por esses cálculos, a termelétrica pode ampliar em 106% o lançamento de óxido de nitrogênio (NO) na atmosfera local. O MPF também demonstra preocupação com o volume de água a ser captada do mar para consumo na usina – por exemplo, para o sistema de resfriamento. Serão 1.514 metros cúbicos por hora, o equivalente a 23% do abastecimento hídrico de toda a ilha de São Luís, segundo o procurador da República Alexandre Silva Soares. “Observa-se ainda o risco de contaminação das águas costeiras pela descarga de efluentes, os quais, mesmo com tratamento, podem oferecer perigo, notadamente a partir da poluição térmica causada pelo seu lançamento nas águas em temperatura superior às marinhas”, destaca Soares, na ação movida em maio.

Na usina térmica Serra do Navio (AP), o problema não é ambiental, mas tem incomodado a Aneel. Na prática, a usina a óleo diesel terá o objetivo de atender a mineradora vizinha do grupo. O auto-fornecimento não constitui nenhum problema. A questão é que a termelétrica – de 23 MW – entregou à agência reguladora uma solicitação para estabelecer-se como produtora independente de energia e vender toda a sua produção à distribuidora estadual. Esse processo gerou estranheza na Aneel porque a demanda da mineradora é praticamente igual – cerca de 20 MW.

Ao fazer uma triangulação com a concessionária estadual de distribuição – vendendo a eletricidade produzida por uns R$ 600 por MWh e comprando quase a mesma quantidade em seguida por um terço do preço -, as empresas de Eike se beneficiariam duas vezes. A venda se daria a preços de mercado, mas a compra seria a valores subsidiados pela CCC. O encargo, que pesa sobre todos os consumidores do sistema interligado nacional, arrecadará R$ 3 bilhões neste ano.

“A finalidade da CCC é (…) evitar que a produção de energia nas referidas geradoras termelétricas onere em demasia as tarifas estabelecidas para o consumidor”, diz o relatório da Aneel que condenou o pedido de Eike. “Estaria a se legitimar um arranjo de comercialização voltado exclusivamente a atribuir aos demais consumidores do país parcela dos custos da implantação de uma mineradora no Norte do país, desvirtuando-se totalmente a finalidade da CCC”, concluiu o parecer técnico.

Na defesa apresentada à Aneel, a Amapari Energia alegou que estabelecer-se como auto-produtor é “faculdade, não obrigação” e citou o artigo 5º da Constituição: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. A argumentação provocou contrariedade no diretor-geral do órgão, Jerson Kelman. “Não fazemos julgamentos morais. Nosso papel, como regulador, é tão somente aplicar a legislação e as políticas públicas definidas pelo governo”, respondeu. O recurso da empresa de Eike à decisão da Aneel será analisado hoje. Se o pleito for aprovado, segundo a agência, haverá prejuízo de até R$ 60 milhões aos consumidores do sistema interligado, na forma de subsídios para essa operação.

Outros empreendimentos de Eike engrossam a lista de polêmicas. No Ceará, a construção de uma térmica no porto de Pecém atrasou mais de um mês por causa de liminar obtida pela Defensoria Pública do Estado, que contesta a qualidade do EIA-Rima. No Rio de Janeiro, a térmica de Porto do Açu recebeu licença prévia na semana passada, depois de muita negociação e um indisfarçável mal-estar com o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, ex-secretário do governo fluminense. Ambas as usinas serão movidas a carvão mineral. Antes de deixar o cargo no Rio, a última medida de Minc – que teve como inspiração a térmica de Eike – foi uma norma exigindo investimento de até 5 MW em energia renovável para cada 100 MW de produção de fontes sujas.

A relação de Eike com Minc e o Ibama ganhou outro ponto de conflito recente. Em apenas oito meses, desde dezembro do ano passado, o Ibama multou em mais de R$ 41 milhões a usina siderúrgica da MMX em Corumbá (MS) por ter comprado carvão nativo oriundo de desmatamento recente, segundo a autarquia ambiental. Em junho, a usina foi novamente autuada, em R$ 12,2 milhões, pelo consumo de 30 mil metros cúbicos de carvão vegetal sem comprovação de origem.

Matéria enviada por Mayron Régis, colaborador e articulista do EcoDebate.

[EcoDebate, 07/08/2008]