Pará: Cilindro com 200 litros de produto tóxico foi achado por pescadores em alto mar
A vigilância sanitária da cidade de Bragança, no nordeste paraense, acionou a Capitania dos Portos, a Anvisa e o Instituto Médico Legal de Belém para que identifiquem a procedência de um produto tóxico encontrado dentro de um tambor, que foi achado por pescadores, em alto mar. Conforme informações levantadas junto a delegacia de polícia de Bragança, na tarde de domingo, 27, pescadores da embarcação denominada ‘Mister Han’, encontraram um tambor de 200 litros, boiando em alto mar, na altura do município de Vigia. Por Evandro Correa, com a redação do O Liberal, PA, Edição de 01/08/2008.
Sem saber que produto havia dentro do tambor, eles o amarraram à embarcação e trouxeram-no para a comunidade de Bacuriteua, distante cerca de 18 quilômetros da cidade de Bragança. No porto, os pescadores romperam o lacre do tambor e retiraram parte do líquido, colocando-o dentro de uma garrafa. Informações dão conta de que um dos pescadores, que teria ingerido bebida alcoólica, chegou a dizer para algumas pessoas que iria beber um pouco do produto.
Na manhã de segunda-feira, 28, o pescador Edson Luis Miranda, tripulante da embarcação Mister Han, procurou a Vigilância Sanitária de Bragança, levando a garrafa contendo amostras do material. Para os técnicos, o pescador contou que haviam encontrado o tambor e que não sabiam a procedência do produto. ‘Ele contou que a substância saía fogo’ disse Manoel Messias , diretor do Departamento de Vigilância em Saúde, em Bragança.
Três técnicos foram até a comunidade pesqueira de Bacuriteua para averiguar a situação. Lá, eles embarcaram o produto em uma viatura e trouxeram para a cidade de Bragança. Devido aos solavancos da viagem, o tambor acabou exalando um gás que atingiu os técnicos Manoel Messias Rebouças de Carvalho, Camilo de Oliveira Soares e Carlos Eduardo Costa. Eles passaram mal e foram levados para o Hospital Geral de Bragança, onde ficaram internados por dois dias.
Segundo Manoel Messias, os técnicos sentiram as mãos geladas logo após manusearem o tambor. Depois, passaram a sentir fortes dores de cabeça e náuseas.
Médicos de Bragança colheram amostras de sangue das três vítimas e enviaram para o Laboratório de Referência de Toxologia da Universidade Federal do Pará, para análise mais precisa.
Corpo de Bombeiros mandou oficial para avaliar contéudo do barril
No final da tarde de ontem, o Corpo de Bombeiros do Estado enviou para o local um oficial do Núcleo de Operações com Produtos Perigosos (NOPP) para tentar avaliar o conteúdo do barril encontrado pelos pescadores. Segundo o major Sarmanho, comandante do 12º sug-grupamento de Bragança, a princípio, o oficial se deslocou com alguns equipamentos específicos para colher amostra do material e tentar identificá-lo. Não há, de acordo com o comandante, previsão para que o tambor seja retirado de lá. Isso deve acontecer apenas depois que o material for identificado. Caso realmente se confirme a suspeita de se tratar de componente radioativo, o transporte provavelmente será feito pela empresa responsável pela fabricação do material, a qual deverá ser identificada posteriormente pelo governo federal.
O major confirmou que o conteúdo está sendo mantido isolado, dentro de um carro, em um prédio desativado. O veículo com o tambor foi deixado no local depois que os funcionários da secretaria de Saúde do município se sentiram mal após o produto ter vazado no interior do carro. O trabalho do oficial enviado de Belém deverá começar às 8 horas de hoje. ‘O oficial está traazendo alguns equipamentos específicos para esse tipo de operação, como a roupa adequada para manusear produtos químicos, radioativos ou corrosivos. Ele também terá o apoio dos técnicos do IML, que vão auxiliar na coleta do material’, explicou.
Depois de coletado, o produto deverá ser enviado para análises em Castanhal ou Belém. Assim que for identificado, as secretarias municipal e estadual do Meio Ambiente serão encarregadas de solicitar, junto ao governo federal, a procedência do material. Se for confirmada a radioatividade ou o alto teor tóxico, a empresa será obrigada a fazer o transporte para Belém. ‘Essa identificação é fundamental, pois essas empresas possuem toda a estrutura necessária para o manuseio desses produtos. Além disso, precisamos saber que tipo de perigo o material oferece, já que ele foi manejado por várias pessoas, inclusive os pescadores. Precisamos saber se a vedação está correta, se precisamos fazer um outro tipo de lacre, se ele reage ao calor ou não, enfim, há muitas dúvidas a serem esclarecidas’, destacou.
Monte Alegre já apresentou ocorrência de urânio há mais de dez anos
Há mais de dez anos, uma outra cidade do interior do Pará, Monte Alegre, no Baixo Amazonas, chamou a atenção do mundo quando levantamentos radiométricos e caracterizações geológicas realizados pela Companhia de Recursos Naturais (CPRM) revelaram ocorrências de urânio em uma área localizada a cerca de 20 quilômetros do município, onde foi instalado um assentamento agrícola na década de 50, denominado Inglês de Souza.
A presença do urânio na região foi investigada pela Nuclebrás, atual Indústrias Nucleares do Brasil (INB), com o objetivo de avaliar a viabilidade econômica do mesmo. A partir de 1982, a população da cidade fez a retirada de alguns fragmentos de rocha da área para a construção de calçadas, pisos e residências. Em 1995, equipes de geólogos e geofísicos da Universidade Federal do Pará (UFPA) iniciaram um projeto para investigar os níveis de radioatividade natural na cidade.
No mesmo ano, a equipe da UFPA solicitou a colaboração da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), para investigar um possível aumento da exposição à radioatividade natural da população de Monte Alegre. Na época, o órgão efetuou algumas medidas instantâneas de radiação e obteve valores da ordem daqueles observados, por exemplo, na cidade do Rio de Janeiro. Posteriormente, um grupo de técnicos da CNEN realizou amplo levantamento dos níveis de exposição ao radônio nas residências de Monte Alegre e do assentamento Inglês de Souza, concluindo não ser necessário recomendar nenhuma ação remediadora.
Segundo o órgão, as condições observadas em Monte Alegre não são únicas e existem em diversas localidades do Brasil e do mundo, com valores similares e até superiores. Os resultados dos estudos também não demonstraram nenhuma associação estatisticamente significante entre a incidência de câncer na população e a radiação natural aumentada.
A CNEN, integrante do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), é o órgão responsável no Brasil pela regulamentação e controle do setor nuclear.
Pesquisadora alerta para os problemas de sáude
‘A questão do lixo radioativo é muito séria. Mas mesmo depois de tudo o que aconteceu em Goiânia, isso parece que ainda não entrou na cabeça de muita gente’. A declaração é da pesquisadora Lúcia Sobral Sampaio, do departamento de Química da Universidade Federal do Pará (UFPA), que trabalha com radiação no laboratório do curso. Ela se referia ao acidente com o produto radioativo Césio-147, encontrado num lixo hospitalar, em Goiânia, em 1987, que causou a morte de várias pessoas.
Se se confirmar que o produto encontrado no mar e levado para Bragança é mesmo uma substância radioativa, a pesquisadora alerta para os problemas de saúde que as pessoas que tiveram contato com o produto poderão vir a ter. ‘Não tem como se retirar a radiação de uma pessoa, como se faz com vítimas de picada de cobra’, destaca a pesquisadora, lembrando que o paciente picado de cobra pode ser desintoxicado. Com a radiação, só resta à pessoa exposta tratar dos efeitos do produto químico sobre o corpo. ‘Todas as pessoas expostas podem vir a desenvolver câncer’, lamenta Lúcia Sampaio, frisando porém que somente a Comissão Nacional de Energia Nuclear pode atestar se realmente o produto encontrado é radioativo.
Outra pesquisadora que não quis se identificar disse que apesar da gravidade do assunto, o lobby em torno da questão nuclear no Brasil dificulta o controle sobre as substâncias radioativas. ‘Se esse produto é radioativo e foi encontrado no mar é porque foi perdido em algum local, e não se sabe como foi parar lá. Mas sabemos o fim dessa história. E o final é sempre triste’, destaca.
[EcoDebate, 02/08/2008]