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Enquanto cientistas debatem, público se perde nas notícias sobre o clima


Pesquisadores temem que população esteja confusa demais sobre o que já é certo. Revisões e redescobertas normais para cientistas são vistas com descrença pelo público.

Quando a ciência testa novas idéias, o resultado é geralmente uma briga intelectual entre equipes de pesquisa que competem entre si. Quando o trabalho aborda temas que preocupam o grande público, afetam a economia ou polarizam posições políticas, a mídia e defensores de todos os tipos mergulham nessa discussão. Sob constante observação, descobertas polêmicas podem fazer com que a cobertura da mídia passe de um extremo a outro, resultando em uma espécie de “chicotada jornalística” para o público. Por Andrew C. Revkin, do New York Times, no Portal G1, 31/07/2008 – 12h00.

Isso vem ocorrendo durante décadas em relação à cobertura de notícias sobre saúde. Mas ultimamente o fenômeno tem se tornado bastante evidente no que se refere às reportagens sobre o aquecimento global.

Descobertas polêmicas vieram uma atrás da outra. Com que rapidez a Groenlândia está vendo seu gelo desaparecer? Será que o aquecimento causado pelos humanos varreu os sapos dos trópicos americanos? O aquecimento aumentou a força dos furacões? Os oceanos pararam de esquentar? Essas questões perduram mesmo quando a teoria básica do aumento da influência humana sobre o clima se solidificou: o acúmulo de gases do efeito estufa irá aquecer o mundo, causar erosão em geleiras, aumentar o nível do mar e trazer grandes impactos em temas relacionados à fauna, à flora e aos seres humanos.

Cientistas vêem essas disputas persistentes como uma jornada normal, com avanços e tropeços, em direção ao entendimento mais profundo sobre como o mundo funciona. No entanto, muitas pessoas temem que essa trajetória irregular esteja distraindo o público dos princípios incontestáveis e, assim, impedindo mudanças.

“Uma das coisas que mais me incomoda é a publicação precipitada de resultados ainda sem confirmação em locais altamente visíveis, o que dá a impressão de que a comunidade científica não tem a mínima idéia do que está fazendo”, disse W. Tad Pfeffer, especialista em lençóis de gelo da Universidade do Colorado.

“Cada novo artigo nega ou repudia algo afirmado enfaticamente em um artigo anterior”, disse Pfeffer. “O público obviamente encara isso não como uma evolução do conhecimento científico objetivo, mas como uma proliferação de opiniões contraditórias”.

Vários especialistas sobre mídia e riscos disseram que um resultado pode ser desassociado da questão climática assim como especialistas estão dizendo cada vez com mais força que é necessário tomar medidas para limitar os piores riscos.

Pesquisas recentes nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha mostram que o público permanece substancialmente dividido e confuso em relação ao que está acontecendo e o que fazer. Alguns ambientalistas culpam as indústrias dependentes de energia e a mídia por impasses nas políticas climáticas, argumentando que eles perpetuam um falso senso de incerteza sobre o problema básico.

Mas os próprios cientistas às vezes não discriminam cuidadosamente o que já está bem compreendido e o que permanece incerto, disse Kimberly Thompson, professora associada de ciência de análise de riscos em Harvard.

Thompson disse ainda que o fluxo de informações das descobertas científicas desde o laboratório (ou geleiras) até as reportagens dos jornais enfrenta “labirintos” que podem amplificar pequenas distorções. Por exemplo, depois que cientistas descobriram que afirmações corretas, porém sutis, geralmente são deixadas de fora de reportagens jornalísticas, eles podem de antemão simplificar demais a descrição de alguma descoberta complexa.

Melhor, mas mais difícil, disse Thompson, seria trabalhar junto com o repórter para caracterizar o peso da evidência por trás do avanço da notícia e buscar inseri-la no contexto.

Em nome da clareza da informação, Stephen H. Schneider, climatologista de Stanford, ajudou a criar um glossário definindo o significado de expressões como “muito provável” (mais de 90% de certeza) em relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática. Com um universo de mídia onde a reportagem especializada está em declínio e uma confusão de opiniões e informações instantâneas na web, disse Schneider, é ainda mais importante que os cientistas assumam a responsabilidade de se comunicar de uma forma clara e, ao mesmo tempo, atenta aos fatos.

Thompson disse que a ciência do clima apresenta desafios particularmente difíceis, devido à grande diferença de tempo antes de os piores efeitos começarem e a incerteza persistente sobre a probabilidade de resultados catastróficos. Ela contou que a mídia muitas vezes exagerou na incerteza ao equilibrar visões conflitantes em uma matéria, sem caracterizar o nível de certeza de cada lado. E às vezes eles fazem o oposto, sacrificam a precisão para causar impacto, segundo Thompson.

“Palavras que nós, como cientistas, usamos para expressar incerteza rotineiramente são usadas para fazer com que as matérias tenham mais impacto e sejam mais chocantes”, e acrescentou que essas palavras são muito importantes porque “elas transmitem um significado para os leitores, não só para a matéria que estão lendo, mas sobre o fato de a ciência ser menos precisa do que é tipicamente transmitido”.

Departamentos de relações-públicas de importantes jornais científicos e centros de pesquisa também poderiam fazer mais para evitar o exagero dos resultados das pesquisas, disse Thompson e outros especialistas.

Donald Kennedy, professor emérito de Stanford e editor-chefe do jornal Science entre 2000 e o começo deste ano, disse que a quantidade de artigos sobre clima, glaciologia e ciências oceanográficas aumentou no período em que ocupou o cargo. “Eu acredito que desenvolvemos uma sensibilidade crescente sobre a necessidade da revisão crítica de artigos com tendência a iniciar ou continuar o tipo de controvérsia que resulta no efeito ‘chicote’”, disse Kennedy.

Roger A. Pielke Jr., cientista político da Universidade do Colorado, alertou que o foco do público e da mídia no desenvolvimento da ciência climática poderia tirar atenção da necessidade de políticas que hoje fizessem sentido, independente das incertezas. “O exemplo de reduzir as perdas a furacões é um bom exemplo”, disse Pielke, “onde as ações que fazem mais sentido são realmente independentes do debate sobre gases do efeito estufa e comportamentos de furacões.”

“O mesmo pode ser dito para muitos estudos de saúde sobre gordura, café e carboidratos”, ele disse. “A lição de especialistas é adotar uma dieta balanceada e praticar bastante exercício”, o que permanece sempre o mesmo, apesar das mais variadas disputas.

Ele disse que seu conselho para cientistas que queiram “enfraquecer o efeito chicote” é “discutir explicitamente as implicações de cada trabalho, em vez de deixar essa tarefa para defensores ou políticos, ou repórteres.”

Cada vez mais, cientistas estão dando seu recado diretamente ao público. Os sites da Internet Realclimate.org, Climatepolicy.org e Climateethics.org são alguns nos quais esses temas são abordados de forma contínua, em vez de simples respostas a notícias publicadas e artigos científicos. Outros sites, como ClimateCentral.org de Princeton e o Yale Forum on Climate Change and the Media, enfocam a melhoria da cobertura jornalística.

Robert J. Brulle, sociólogo da Drexel University, disse que é difícil ser otimista em relação a esses esforços. “Na esfera pública”, afirmou, “supõe-se que o melhor argumento, embasado em sólidas evidências científicas, irá prevalecer.” Ele disse que muitos estudos demonstraram que as pessoas tendem a verificar as fontes de informação para reforçar visões existentes.

Morris Ward, editor do yaleclimatemediaforum.org, de Yale, disse que está nas mãos do público a decisão de estar mais bem informado sobre assuntos do momento que não se encaixam no modelo normal de notícias ou que conflitam com sua visão arraigada de mundo. “Em algum momento”, diz ele, “o grande público tem que tomar uma atitude em relação à literatura política e científica, em relação ao comprometimento com a educação eficiente e liderança política forte, e em relação a seu próprio desenvolvimento geral”.

[EcoDebate, 01/08/2008]