Nota dos movimentos sociais: O juiz federal de Marabá e os interesses da Vale
O juiz federal de Marabá, Carlos Henrique Haddad, através de duas sentenças proferidas nos últimos dias, deixou clara mais uma vez a intenção de criminalizar as lideranças dos movimentos sociais que atuam na região e proteger os interesses da Companhia Vale do Rio Doce, a VALE.
Na primeira decisão, publicada em 21.07.08, o juiz condenou Eurival Martins Carvalho, Raimundo Benigno e Luiz Salomé, lideranças dos MST e do MTM, ao pagamento de uma multa de R$ 5.200.000,00 (cinco milhões e duzentos mil reais), em conseqüência da ocupação da Estrada de Ferro Carajás nos meses de abril e maio. Além de ser uma decisão absurda, através dela o juiz deixou evidente sua intenção de condenar os trabalhadores, justamente por serem lideranças dos referidos movimentos.
Quando o juiz deferiu a liminar requerida pela VALE, proibindo a ocupação da ferrovia, ele arbitrou uma multa de R$ 3.000,00 (três mil reais) por dia, a cada pessoa que desobedecesse a decisão. Numa segunda decisão ele elevou a multa para R$ 10.000,00 (dez mil reais) em razão da desobediência. Os advogados da VALE criaram um número hipotético de trabalhadores que teriam participado das ocupações da ferrovia (870 trabalhadores) e multiplicaram pelos valores mencionados, chegando ao total de R$ 5.200.000,00. Portanto, a multa devia sem imposta a cada um dos trabalhadores que participou das ocupações. No entanto, não foi isso que o juiz fez, ele imputou o total das multas às três lideranças, usando o seguinte argumento: “os réus lideraram diversas pessoas na invasão da estrada de ferro e, por esta razão, devem responder pela totalidade dos danos causados, como também arcar com a multa imposta caso a turbação ocorresse”. Nem os advogados da VALE ousaram fazer esse pedido! Além de contrariar a qualquer bom senso, a decisão é flagrantemente ilegal e imoral. Atribuir crime a pessoas em razão de elas serem lideranças é um absurdo jurídico e fere de morte a democracia.
Na segunda decisão, proferida em 24.07.08, o juiz não acatou a denúncia oferecida pela Procuradora Nacional do INCRA contra a VALE, através de uma Ação Civil Pública que discorre sobre os abusos cometidos pela empresa contra as famílias assentadas nos Projetos de Assentamentos Campos Altos e Tucumã, em Ourilândia do Norte e São Felix do Xingu durante a instalação do projeto de MINERAÇÃO ONÇA PUMA. O juiz determinou o seguimento do processo apenas por parte dos trabalhadores contra a MINERAÇÃO ONÇA PUMA (MOP), excluindo a VALE da relação processual. É fato que a MOP foi adquirida pela VALE, e é a VALE que administra o projeto e controla o capital social da empresa, mesmo assim, o juiz diz que não é a VALE que deve responder juridicamente pelos supostos crimes ali cometidos.
Na decisão o magistrado faz um juízo de valor baseado quase que exclusivamente nas informações da empresa, desqualifica a pretensão do INCRA e faz críticas aos assentamentos. Dentre as argumentações usadas pelo juiz para fundamentar sua decisão, dois fatores causam particular estranheza: a afirmação de que há grande desarticulação dos projetos de assentamentos implantados, e a de que os investimentos já feitos pela MOP superam 1 bilhão de dólares e envolve a contratação de 7 mil empregados, enquanto que o INCRA teria investido nos assentamentos apenas algo em torno de 1% do valor investido pela MOP. Mesmo reconhecendo em sua decisão que a mineradora agiu de forma totalmente irregular ao implantar um projeto em área de assentamento e comprar lotes de reforma agrária sem a anuência do INCRA, o juiz não acatou nenhum dos pedidos feitos pela Procuradora Nacional do INCRA para reparação imediata dos danos causados ao patrimônio público e à vida dos assentados. E o que e mais grave ainda, parece deixar claro que o que determina a legalidade ou a ilegalidade do empreendimento é o valor investido, independente de ser totalmente irregular. A decisão deixa transparecer que a destruição do patrimônio público e os prejuízos causados ao meio ambiente e a vida das pessoas não são suficientes para parar o funcionamento do projeto da VALE. Nada pode parar a VALE e ninguém pode contrariar seus interesses!
É também neste contexto que se insere a condenação imposta pelo mesmo juiz a José Batista Gonçalves Afonso, advogado da CPT de Marabá que atua na defensa dos direitos humanos e do meio ambiente. Por ser uma liderança expressiva na região e por defender os interesses dos trabalhadores contra os desmandos da VALE e dos grandes fazendeiros da região que o juiz entendeu que ele sequer poderia ser merecedor do benefício de uma pena alternativa.
As suspeitas levantadas pelos movimentos sociais de uma possível parcialidade do juiz Carlos Henrique Haddad ao julgar ações contra as lideranças dos movimentos sociais, ficam cada vez mais evidentes depois dessas duas últimas decisões. São decisões que abrem caminho para grandes grupos econômicos e latifundiários da região continuem praticando crimes contra os trabalhadores rurais e contra a natureza como vem ocorrendo há décadas na região. Ao que tudo indica, o juiz entende que é criminalizando as lideranças dos movimentos sociais que irá resolver os graves problemas sociais e a violência no campo, presentes na região em função da concentração da terra e das riquezas minerais nas mãos de latifundiários e da companhia VALE.
Em que pese a escandalosa decisão que condenou as lideranças do MST e do MTM ao pagamento de multa de mais de 5 milhões, os advogados desses movimentos vão ingressar com recurso perante o Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF1) em Brasília, com o objetivo de cassar essa vergonhosa decisão do juiz de Marabá.
Marabá-PA, 28 de julho de 2008.
Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST.
Comissão Pastoral da Terra – CPT.
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB.
Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA.
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH.
Federação dos Trabalhadores na Agricultura – FETAGRI.