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Mais exigências para Angra 3


Prefeitura quer investimentos em infra-estrutura, escolas e hospitais para receber usina

Enquanto a discussão sobre o local para um depósito definitivo para o lixo nuclear de Angra 3 ameaça atrasar a construção da nova usina, a prefeitura local já impõe exigências para conceder sua licença de autorização das obras. A definição desse depósito foi uma das 60 restrições que o Ibama impôs ao conceder a licença prévia do projeto, na última quarta-feira. Por Liana Melo, do O Globo, 26/07/2008.

O prefeito de Angra, Fernando Jordão, alega que serão necessários investimentos além dos previstos em infraestrutura, saneamento, construção de escolas e hospitais, bem como na criação de centros de treinamento profissional. Teme-se que, a exemplo do que ocorreu quando da construção de Angra 1 e 2, os operários contratados permaneçam na região, formando bolsões de pobreza.

Ontem, o prefeito assinou decreto criando uma comissão para preparar um relatório técnico com as exigências do município para emitir a licença. Segundo Jordão, a cidade precisa de recursos da ordem de R$ 300 milhões para atender a suas necessidades de infra-estrutura.

— Somente com saneamento, vamos precisar de muito mais, cerca de R$ 150 milhões (hoje estão previstos R$ 50 milhões) — disse o prefeito, lembrando que, hoje, apenas 35% da população de Angra, de aproximadamente 150 mil habitantes, têm acesso a tratamento de esgoto.

A obrigatoriedade de escolher um local definitivo para os rejeitos radioativos de Angra 3 põe em risco a meta do governo federal de colocar a usina em operacão em 2014. A chance de as obras, paradas há 22 anos, sofrerem novos atrasos é temida tanto por seus defensores como opositores em Angra dos Reis. O prefeito diz que, se a Eletronuclear tiver de escolher o local, a usina não será construída.

— Sou a favor do projeto, até porque será uma forma de o governo federal quitar parte de uma dívida socioambiental que tem com a região desde que construiu Angra 1 e Angra 2, na época dos governos militares.
Mas, se o Ibama mantiver a exigência de escolha do local definitivo, a usina não sai — disse Jordão.

Licença de instalação ainda leva 120 dias

A Eletronuclear tem um longo caminho a percorrer antes de iniciar as obras de concretagem de Angra 3. Nos próximos 120 dias, ela terá de detalhar ao Ibama como vai cumprir todas as exigências. Só depois este vai conceder a licença de instalação. E ainda falta a licença da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen). A Eletronuclear espera receber ambas até o fim do ano.

O Brasil, assim como a maioria dos países que têm usinas nucleares, ainda não tem um local definitivo para guardar o lixo atômico. A questão é muito delicada e polêmica: os governos locais se opõem a abrigar esses rejeitos.

Atualmente, os rejeitos de baixa e média radioatividade de Angra 1 e 2 são armazenados no próprio local das usinas, em três galpões com vigilância máxima. Os de alta radioatividade, que fazem parte do elemento combustível queimado no reator das usinas, estão armazenados em piscinas dentro das usinas, como determina a legislação internacional. Eles têm de ficar lá por, no mínimo, dez anos.

— Mesmo que o Brasil já tivesse um local definitivo para os rejeitos, eles ainda não poderiam ser levados para lá, pois têm de permanecer por um período nessas piscinas — explicou o assistente da presidência da Eletronuclear, Leonan dos Santos Guimarães.

Ele ressaltou que os três galpões são suficientes para armazenar os rejeitos de baixa e média radioatividade até 2020. Os de baixa radioatividade consistem de roupas, luvas, aventais e pequenos materiais levemente contaminados, que são prensados e guardados em caixas metálicas. Nos tambores de aço com concreto são colocados os rejeitos de média radioatividade, como filtros.

Guimarães explicou que, hoje, já é possível reprocessar boa parte dos rejeitos de alta radioatividade, e apenas entre 5% e 10% não são reaproveitados. Segundo ele, França, Japão e a Inglaterra já fazem o reprocessamento do combustível queimado. A maior parte do urânio e plutônio pode servir novamente como combustível para as usinas.

Além das obras de saneamento básico, Angra dos Reis adianta que não vai abrir mão de duas questões: o aproveitamento da mão-de-obra local e um cinturão para impedir a invasão do Parque Nacional da Serra da Bocaina.

Aluguéis estão mais caros na cidade

Em Paraty, que não tem saneamento básico, a prefeitura fez uma lista de reivindicações ao governo federal, que inclui ajuda para melhorar hospital e escolas, recursos para educação e urgência na pavimentação da estrada-parque Paraty-Cunha: — Recebemos muito pouco como compensação pelos impactos provocados pelas usinas. Tememos que Angra 3 crie bolsões de pobreza na nossa cidade — disse o secretário municipal de Meio Ambiente, Marco Antonio de Paula Silva.

Mesmo antes de começarem, as obras da usina já provocam impacto na economia de Angra dos Reis. Nos últimos meses, aumentaram o valor dos aluguéis e a procura por imóveis em condomínios de luxo. Os novos moradores são técnicos das empresas que já trabalham nos projetos da usina. Lojas comerciais e restaurantes fechados há anos estão reabrindo. (Ramona Ordoñez e Paulo Roberto Araújo)

Comissão vê ingerência em suas atribuições

A exigência do Ibama para um novo e mais seguro depósito para o lixo nuclear de Angra 3 criou uma polêmica com a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen). Ainda que tente pôr panos quentes, o presidente da Cnen, Odair Dias Gonçalves, vai chamar o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, para uma conversa a portas fechadas, ainda sem data.

A decisão do Ibama de exigir um depósito nuclear para Angra 3 está sendo considerada uma ingerência nas atribuições da Cnen. — Temos que conversar — disse Gonçalves. Segundo ele, está previsto na Constituição que a atribuição e a responsabilidade sobre os depósitos definitivos de rejeitos nucleares é da Cnen.

O presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben), Francisco Rondinelli, foi mais incisivo na sua crítica: — O Ibama extrapolou e criou um conflito de competência com a Cnen, a quem cabe, em última instância, definir condições técnicas e local para a instalação de um depósito desses rejeitos.

Tanto Rondinelli quanto Gonçalves estão de acordo que a exigência feita pelo Ibama é prematura. Para ambos, a data de instalação de um depósito definitivo para rejeitos nucleares só deve ser tomada daqui a 50 anos. Até lá, é preciso armazená-los em piscinas.

— Essa discussão só cabe quando o país tiver noção clara do tamanho do seu parque nuclear. Não sabemos ainda quantas centrais nucleares o país pretende ter no futuro — comentou Gonçalves.

Para o diretor de Políticas Públicas do Greenpeace, Sérgio Leitão, a polêmica sobre atribuições é a prova de que o programa nuclear brasileiro é contrário a todo e qualquer tipo de controle externo.

— É uma firula jurídica essa discussão de que o Ibama e o Ministério do Meio Ambiente não têm competência para fazer exigências nessa área — cutucou o ambientalista, convencido de que, da lista de 60 exigências do Ibama é a única que, de fato, impõe restrições. As demais são “compensações ambientais”.

[EcoDebate, 29/07/2008]