Conferência Internacional de Áreas Úmidas: Carta de Cuiabá alerta para a necessidade de preservação das áreas úmidas
A 8ª edição da Intecol – Conferência Internacional de Áreas Úmidas, terminou nesta sexta-feira, 25, em Cuiabá, Mato Grosso, com um alerta para governos, organizações nacionais e internacionais e tomadores de decisão: é preciso reconhecer o valor sócio-ambiental destes ecossistemas e se organizar para criar políticas públicas de preservação, conservação e recuperação. As recomendações estão na “Carta de Cuiabá”, um documento redigido pelos participantes do evento e que será entregue a todas as autoridades mundiais ligadas ao meio ambiente. “As áreas úmidas prestam serviços ambientais inestimáveis em todo o mundo. Filtram e redistribuem a água, estocam carbono, ajudam a regular o clima e precisam ser preservadas para a manutenção da qualidade de vida das populações de todos os países”, afirmou o pesquisador Paulo Teixeira de Sousa Jr., secretário-executivo do Centro de Pesquisas do Pantanal – CPP, entidade que organizou o evento em parceria com a Associação Internacional de Ecologia, a Universidade Federal de Mato Grosso, e com a co-promoção do SESC Pantanal, Banco do Brasil e Governo do Estado.
A Conferência reuniu cerca de 750 pesquisadores de 28 países. Eles concordaram que estes biomas estão sob fortes ameaças provocadas pela intervenção humana feita de forma não sustentável. “Nós pedimos medidas de proteção para reverter os impactos negativos causados pela política de biocombustíveis, o gerenciamento inadequado de águas, o uso incorreto do solo e as mudanças climáticas globais”, diz o documento. Projetos de drenagem e irrigação e a instalação de usinas hidrelétricas feitos sem a correta avaliação de impacto ambiental também são grandes perigos para áreas úmidas. Ainda há grande preocupação com a crise mundial de alimentos que pode forçar a abertura de áreas de forma irregular, comprometendo ainda mais a já deficiente conservação.
As áreas úmidas cobrem pelo menos 5% do globo e a estimativa é que estoquem 771 bilhões de toneladas de gases do efeito estufa. Um total em CO2 equivalente ao carbono contido na atmosfera hoje e que, se liberado, pode ter graves conseqüências para o clima global. Os cientistas pedem que a Convenção de Ramsar, um acordo mundial de proteção de áreas úmidas, seja efetivamente seguida pelos 158 países signatários – o que não está acontecendo hoje. “É necessário que os governos e as sociedades se mobilizem e trabalhem sem pensar em fronteiras. É uma preocupação que deve ser de todos nós”, reafirmou Paulo Teixeira de Sousa Jr.
Para aqueles que buscam a preservação destes biomas, que ficam na interface entre água e terra, a Conferência trouxe muitos resultados positivos. Durante o encontro, o Ministério da Ciência e Tecnologia anunciou o investimento de R$ 8 milhões num instituto que será construído em Cuiabá, com terreno cedido pela Universidade Federal de Mato Grosso: o Centro Nacional de Pesquisas do Pantanal.
Os pesquisadores também alertaram o governador do estado, Blairo Maggi, sobre a necessidade da revisão da lei de Gestão do Pantanal. “Hoje, ela considera o território alagado em época de seca para efeito de proteção. Essa área não corresponde à realidade do Pantanal, é preciso definir a preservação da área territorial durante a cheia, que é um espaço bem maior. Vamos manter as conversações para que essa alteração seja feita”, contou Cátia Nunes, pesquisadora do Centro de Pesquisas do Pantanal – CPP.
Outra boa notícia foi a formação de uma Sociedade Sul-americana de Áreas Úmidas. “Hoje, existe uma lacuna. Precisamos estimular o desenvolvimento de pesquisadores que trabalhem com áreas úmidas. Isso vai fortalecer nossos esforços para garantir sua preservação”, disse o professor Wolfgang Junk, do Instituto Max-Plank de Limnologia, da Alemanha.
A edição brasileira da Intecol também conseguiu grande ressonância ao conscientizar pessoas do mundo inteiro sobre a importância do equilíbrio ambiental. “Temos que procurar a todo custo conciliar a busca por desenvolvimento econômico com a necessidade de preservação. É preciso lembrar que sem recursos naturais não há como viver no planeta terra. É um custo que nenhum enriquecimento pode pagar”, afirmou Eugene Turner, Presidente da Associação Internacional de Ecologia.
A 8ª Edição da Intecol foi organizada pelo Centro de Pesquisa do Pantanal, Associação Internacional para a Ecologia e Universidade Federal de Mato Grosso, com a co-promoção do Banco do Brasil, SESC Pantanal e Governo do Estado e patrocínio da Universidade das Nações Unidas, Programa Regional Ambiental do Pantanal, Confederação Nacional da Indústria, Instituto Ciência Hoje, The Nature Conservancy, WWF Brasil, TV Brasil, Cinemateca Brasileira, Centro Técnico Audiovisual, Fundo Setorial de Recursos Hídricos, FINEP, CNPQ, Capes, Fapemat, Escola Livre Porto, Academia Brasileira de Ciências, Petrobrás e os ministérios da Cultura, Meio Ambiente e Ciência e Tecnologia.
Abaixo, segue a “Carta de Cuiabá” na íntegra:
Declaração de Cuiabá sobre as áreas Úmidas
O Estado das Áreas Úmidas e seu Papel num Mundo em meio a Mudanças Climáticas Globais
Esta Declaração é direcionada aos governos, organizações nacionais e internacionais e tomadores de decisão. Ela chama a atenção para o estado ecológico e legal das áreas úmidas e sua importância para os humanos e para a biodiversidade no mundo inteiro de acordo com as considerações especiais dos cenários de mudança de clima global.
Considerando:
1. As áreas úmidas estão situadas numa interface: terra de um lado e ecossistemas de água doce ou marinha do outro. Elas cobrem uma parte considerável da superfície do globo e abrangem diferentes ecossistemas que são permanentemente ou periodicamente molhados, como os mangues, pântanos marinhos, turfeiras, brejos, planícies alagáveis, zonas ribeirinhas, lagos salgados, e outros. Alguns deles são sistemas altamente produtivos, que são largamente utilizados pelos humanos. As áreas úmidas ajudam as pessoas e a biodiversidade e elas são parte de nosso futuro em comum sujeito à mudança climática global.
2. A atual falta de conhecimento básico em relação à extensão global das áreas úmidas é inaceitável. Técnicas efetivas para concluir um inventário global sobre áreas úmidas foram demonstradas. Um levantamento sistemático de dados de sensoreamento remoto ótico e de microondas é essencial para identificar e caracterizar as áreas úmidas dentro da estrutura da Convenção de Ramsar e para outros vários propósitos.
3. As áreas úmidas sofrem um número de impactos das atividades humanas, principalmente da agricultura, incluindo pecuária, aqüicultura, regulação de água e infra-estrutura, descarte de lixo e espécies invasivas. Turfeiras sofrem pela extração de turfa em larga escala, planícies alagáveis são afetadas pela construção de represas para a geração de energia hidrelétrica e por diques laterais que modificam o regime das águas e o fluxo de materiais sólidos e dissolvidos, e também racham as ligações ao longo dos rios e entre rios e suas planícies alagáveis.
4. A biodiversidade da água doce está diminuindo mais rapidamente do que a biodiversidade terrestre ou marinha e as espécies de áreas úmidas estão especialmente propensas a definhar e à extinção.
5. Os aumentos nos preço da energia estão conduzindo ao cultivo de plantas em larga escala para bio-combustíveis. Além dos problemas do aumento do preço dos alimentos, o aumento na demanda de bio-combustíveis estimulará uma expansão da plantação de culturas capazes de gerar energia ao preço da devastação das áreas cobertas pela vegetação natural. Nós chamamos a atenção para o perigo para os impactos negativos diretos nas áreas úmidas pelo aterramento e drenagem, e para os impactos indiretos que causaram o aumento da absorção de sedimentos, fertilizantes e pesticidas das áreas de cultivo ao redor. O aumento dos preços da energia também estimula o uso de energia hidrelétrica. Nós chamamos a atenção para o pesado impacto da instalação de grandes e pequenas hidrelétricas nas áreas úmidas e seus prejuízos para as populações locais. Decisões sábias de políticas sociais requerem uma análise de custo benefício que inclua parâmetros sociais e ambientais para adaptar este mega-projetos a padrões econômicos, ecológicos e sociais adequados antes da construção ser iniciada, porque a mitigação dos seus muitos efeitos colaterais não é possível.
6. Muitas áreas úmidas fornecem habitação e sustento para muitas pessoas. Há muitos fatores de estresse que afetam seriamente muitos serviços ecológicos importantes prestados pelas áreas úmidas, como armazenamento e purificação de água, recarga de aqüíferos subterrâneos, diminuição de impacto das descargas de água, manutenção da heterogeneidade da paisagem e da biodiversidade, armazenamento de carbono e a produção de recursos naturais renováveis como peixes, pastagem, madeira, vida selvagem e outros.
7. Cenários da mudança global de clima para o próximo século prevêem que a temperatura global vai aumentar de 2º a 6º c, o que vai provocar um aumento no nível do mar entre 20-40cm e mudanças consideráveis na quantidade total e na distribuição sazonal de chuvas. A transformação de queda de neve para chuva e a aceleração do derretimento de geleiras em partes de alguns continentes vai reduzir a capacidade de retenção de água no inverto e modificar os padrões de descarga em cursos d´água e rios. Vai haver um aumento de eventos climáticos extremos, como grandes tempestades, cheias e secas severas. Essas mudanças vão afetar com intensidade variável as diferentes eco-regiões do globo e vão colocar em risco os importantes serviços que as áreas úmidas prestam aos humanos e à biodiversidade. Eles também vão aumentar o risco em algumas áreas de espalhar vetores de doenças afetando a saúde humana.
8. Áreas Úmidas intactas podem amortecer os impactos das mudanças climáticas globais através do ciclo hidrológico e da manutenção da biodiversidade, e reduzir efeitos negativos para a economia, a ecologia e a sociedade.
9. A preservação e a recuperação de áreas úmidas são necessárias para reduzir a emissão de gases do efeito estufa. A importância das áreas úmidas no ciclo global do carbono precisa ser melhor avaliada e integrada dentro dos modelos climáticos globais e dos esforços políticos para negociar os créditos de carbono.
10. A destruição em larga escala das áreas úmidas continua como conseqüência de políticas de desenvolvimento nacional inadequadas, falta de implementação das leis existentes e a falta de um planejamento de longo termo para o uso da terra. Isso afeta negativamente as áreas úmidas em propriedades públicas e privadas. Mudanças futuras no clima global vão piorar seriamente a situação atual.
11. No mundo inteiro, a população humana está se concentrando de forma crescente nas áreas urbanas. Áreas úmidas locais e regionais têm um valor excepcional pra armazenamento, purificação e redistribuição da água, mas elas estão sob crescente ameaça provocada pela poluição e processos de aterramento.
12. Uma política moderna para áreas úmidas, baseada em conhecimento científico e capaz de conciliar desenvolvimento econômico com proteção ambiental e bem estar social é necessária em todos os países. Esta política deve reconhecer o valor das áreas úmidas e dos seus ecológicos assim como sua importância para a biodiversidade global. Alguns países têm padrões altos de gerenciamento, restauração e proteção de áreas úmidas, no entanto, muitos outros estão bastante atrasados.
13. Há 158 países que são signatários da Convenção de Ramsar, que regula o gerenciamento e a proteção das áreas úmidas no mundo todo. A Convenção requisita que os signatários estabeleçam e implementem uma política específica para áreas úmidas, que preparem um inventário nacional de áreas úmidas e mantenham o caráter ecológico de todas elas através do uso sábio e sustentável.
Portanto:
1. Nós recomendamos que as partes contratadas da Convenção de Ramsar e outras iniciativas de apoio que aproveitem as tecnologias de sensoreamento remoto global e de técnicas que para mapear correta e coerentemente a extensão das áreas úmidas, dinâmicas e variabilidades. Nós encorajamos os provedores de tecnologias de sensoreamento retomo que assegurem uma continuidade a longo prazo destas fontes cruciais de informação.
2. Nós clamamos por medidas de proteção apropriadas e efetivas que revertam rapidamente os impactos negativos que afetam a qualidade e a quantidade de áreas úmidas, incluindo a política de bio-diesel, manejo inapropriado da água, uso da terra e mudança climática.
3. Nós chamamos a atenção para a necessidade urgente de intensificar imediatamente os muitos esforços nacionais e internacionais de estudo, proteção e manejo inteligente de todas as áreas úmidas. Nós apoiamos o aumento do fundo de pesquisas e a implementação dos resultados científicos que são urgentemente necessários para reduzir a vulnerabilidade das áreas úmidas em relação às mudanças climáticas, mitigar as causas da mudança climática e adaptar os ecossistemas as suas conseqüências.
4. Nós recomendamos que deva ser dada a maior prioridade à proteção da área úmida para manter os seus serviços em benefício das populações locais e globais.
5. Nós enfatizamos que os esforços conjuntos que ultrapassem as fronteiras políticas são necessários para otimizar todos os nossos esforços para deter e reverter a perda e degradação das áreas úmidas. Políticas e ações efetivas são necessárias agora.
6. Nós chamamos atenção de que muitos signatários da Convenção Ramsar ainda não preencheram os requisitos para estabelecer e implementar uma política específica para áreas úmidas, para preparar o inventário nacional de áreas úmidas e para manter o caráter ecológico de todas as áreas úmidas através do uso sustentável. Nos pedimos por ações imediatas dos governantes para cumprir seus acordos na Convenção de Ramsar. Nós encorajamos os não-membros a integrar a Convenção de Ramsar e fortalecer os esforços globais necessários para o gerenciamento sustentável das áreas úmidas.
Fonte: Studio Press Comunicação
[EcoDebate, 28/07/2008]