Amazônia: Corrida por terras pode destruir a floresta
A titulação da terra na Amazônia se tornou um elemento essencial para a preservação da região. A falta de definição das áreas que pertencem à União e as de proprietários privados abre a porta para que rendeiros que ocupam terras de terceiros tenham suas áreas legalizadas. O risco de uma corrida para ocupação de glebas na região teria efeitos devastadores sobre a floresta. Por Jaime Soares de Assis, da Gazeta Mercantil, 17/07/2008.
“Existe uma necessidade urgente de resolver o problema de titulação das propriedades”, avalia Ricardo Abramovai, professor do Programa de Ciência Ambiental do Departamento de Economia da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP). Para Abramovai, é preciso distinguir “o que pode ser legalizado do que é terra de aventureiro, de origem criminosa”. A regra importante a ser seguida é a de que a ocupação seja feita pela lógica de cada um dos ecossistemas.
“A Amazônia tem que ser conjugada no plural”, afirma Abramovai. O arco do desmatamento existe e as áreas onde as atividades agropecuárias extensivas podem ser praticadas são diferentes das que mantêm ampla cobertura florestal. Por este motivo, uma política de desenvolvimento teria de contemplar vários aspectos da realidade da região e estabelecer onde as atividades extrativistas são viáveis, áreas de população escassa, que devem permanecer intocadas, e espaços onde pode-se cogitar a adoção de uma política de concessões florestais. Abramovai considera esta questão “um assunto sobre o qual não vai haver um modelo único ou um consenso”.
De acordo com o economista, a solução para a questão da região amazônica passa pela superação de preconceitos e paradigmas sociais. Este quadro expõe “algo que é muito forte no Brasil que é o conceito de que terra e riqueza não podem pertencer a índios, a este tipo de população”, comenta.
Segundo Abramovai, “existe a ilusão de que podemos adaptar a tecnologia de produção que temos ao ecossistema”. Na avaliação do economista, as técnicas normais de controle ambiental não são suficientes para livrar a região do risco de desertificação. “Os ecossistemas são frágeis, não resistirão”, declara. “Neste momento, o critério básico de exploração da Amazônia tem que ser a manutenção e a regeneração de ecossistemas degradados”.
O País tem marcos regulatórios e legislação suficientes para inibir crimes ambientais, mas enfrenta um problema grave de falta de governança, segundo o músico Rubens Gomes, do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), com sede em Brasília, e representante da Forest Stewardship Council (FSC), instituição que concede o selo verde de reconhecimento internacional. “Temos uma sociedade extremamente tolerante com crimes ambientais e que permite que o setor produtivo seja ilegal porque gera emprego”, comenta Gomes. A questão do controle ambiental está sendo encarada pela sociedade como impedimento do desenvolvimento, afirma.
“Entre 60% e 80% da produção de madeira da Amazônia tem origem duvidosa mas o mercado é garantido”, assinala. A produção anual de madeira na região amazônica chega a 24,5 milhões de metros cúbicos e somente 5% deste total tem origem comprovada por certificação do FSC. Uma parcela da madeira, que corresponde a 15% a 20% do total, permite comprovação e o restante tem origem duvidosa, diz Gomes. Uma fiscalização mais rigorosa ajudaria, mas “quem tem o poder de fiscalização e controle está muito longe e não tem pernas hoje para alcançar todos os cantos da Amazônia”.
O comportamento do consumidor e a linha de atuação das empresas que utilizam produtos florestais também precisa de ajustes, na opinião de Gomes. “Efetuar manejo florestal significa trabalhar com diversidade. O mercado não se interessa por isso e só opera com espécies conhecidas”, diz Gomes. Ele assinala que ocorre até mesmo uma contradição mesmo entre pessoas esclarecidas, que têm consciência ambiental, e no momento de adquirir um produto fazem questão de ter móveis de mogno e violão de jacarandá, comenta Gomes, que é músico e trabalha na Oficina Escola de Luthieria da Amazônia (Oela), onde 11 adolescentes aprendem a fazer violão de sete cordas, cavaquinho e bandolim e produzem 40 instrumentos por mês.
A questão fundiária é fundamental, de acordo com Gomes. No entanto, “não é fácil ser legal na Amazônia”, acrescenta. As pessoas que pretendem trabalhar na atividade extrativa perdem a safra se não conseguirem viabilizar a licença por conta da demora para se conseguir o cadastramento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Segundo o presidente do GTA, na época das chuvas a atividade extrativista não pode ser realizada. As Organizações Não-Governamentais (ONGs) que tentam convencer as comunidades a atuar de forma legalizada encontram dificuldades porque os moradores têm vizinhos que não acreditam na via legal, transitam com produtos, fazem suas compras no mercado e não são fiscalizados, enquanto eles esperam pelos documentos e recursos.
Para Gomes, “é possível que exista plano de manejo caducando nas mesas dos analistas ambientais porque o Incra não conversa com o Ibama (Instituto Brasileira do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis)” . Apesar da dificuldade de aprovação de planos de manejo, “não há falta de madeira no mercado”.
Posição “desconfortável”
Gomes entende que a perda de safras pelas comunidades deveria ser suficiente para a abertura de uma ação judicial de reparação econômica porque, “mesmo com planejamento ambiental, o produtor não cumpre o compromisso que assumiu no mercado porque não consegue viabilizar a documentação”. Segundo Gomes, “o mercado da ilegalidade também traz a mácula do trabalho precário e do trabalho infantil”.
Na avaliação de Abramovai, da FEA-USP, “o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, está em uma posição desconfortável porque ele apóia a proteção da Amazônia”. De acordo com o economista, estados como o Acre têm a intenção de estabelecer novas medidas de riqueza, porque o Produto Interno Bruto (PIB) não leva em conta o valor inerente da floresta em pé. No caso do Amazonas, há uma política de pagamento por serviços ambientais. “Vamos entrar em uma fase em que isso vai se tornar cada vez mais importante”, diz o professor Abramovai.
O mercado internacional também precisa criar barreiras contra os produtos ilegais. A Holanda quer chegar a 100% do consumo de madeira certificada e a Alemanha também caminha para isso, segundo o presidente do GTA. Os demais países ainda mantêm as compras de madeira ilegal vendida a um preço 30% menor que a certificada. “São frações que não fariam diferença nas planilhas de produção se levassem em consideração as mudanças climáticas e a degradação ambiental”, afirma.
[EcoDebate, 18/07/2008]