Investimentos em ferrovia, atividades sustentáveis e compensações por redução de emissões de carbono podem ajudar a preservar a Amazônia
“Quanto mais dinheiro na Amazônia, menos floresta em pé”, diz Paulo Roberto Moutinho, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam)
A dinâmica do desmatamento é aparentemente simples. A alta do petróleo aumenta a pressão sobre o etanol. A demanda por etanol leva ao plantio de cana-de-açúcar em detrimento ao plantio de soja. A diminuição da oferta de soja aumenta o preço do grão, que por sua vez tem que ser plantado em algum lugar porque o preço está bom. A soja acaba sendo plantada na Amazônia, levando ao desmatamento da floresta. Daniela Amorim escreve de Campinas para o “JC e-mail“.
Essa é a explicação do pesquisador Paulo Roberto de Souza Moutinho, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), para uma das formas de exploração das terras amazônicas, dada durante simpósio na 60ª Reunião Anual da SBPC.
“Quanto mais dinheiro na Amazônia, menos floresta em pé”, disse Paulo Roberto Moutinho. “Uma simulação do desmatamento aponta que, em 2050, metade da Amazônia estará desmatada, ao lado de uma emissão de 32 bilhões de toneladas de carbono”.
O pesquisador Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) mostrou que os índices de desmatamento da Amazônia oscilam ao longo dos anos e estão estreitamente relacionados à economia.
“Essas oscilações no desmatamento são derivadas de momentos econômicos que afetam grandes produtores. Cai o preço das commodities, cai o desmatamento. Quando o preço da soja e da carne sobem, aumenta o desmatamento”, contou Fearnside.
A infra-estrutura também incentiva a derrubada da mata. “O desmatamento aumenta com o avanço das estradas para escoamento da produção”, falou o pesquisador do Inpa.
A abertura das estradas facilita a ação de madeireiros ilegais e fazendeiros desmatadores, contribuindo também para o surgimento de cidades em áreas antes ocupadas por florestas. Diante dessa constatação, Virgílio Maurício Viana, ex-secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas e hoje à frente da Fundação Amazonas Sustentável, tem defendido a construção de uma ferrovia que ligue a economia de Manaus ao Centro-Sul do Brasil. O investimento seria de R$ 2 bilhões, com retorno financeiro em 16 anos.
“O projeto seguiria o exemplo da ferrovia Curitiba-Paranaguá. Foi construída num ecossistema muito delicado, que, no entanto, permaneceu preservado. Não dá para parar o trem e desmatar. É uma forma de transporte que agride pouco o meio ambiente”, defendeu Virgílio.
Com ferrovias ou estradas, o fato é que a riqueza da região amazônica é um chamariz para o agronegócio. Segundo Paulo Roberto Moutinho, 40% das terras ainda cobertas por floresta tropical apropriadas para cultivo da cana, soja e pasto estão na Amazônia. Para evitar a tragédia da devastação da floresta, seria preciso investir em instrumentos econômicos para a conservação.
“Pensamos em estratégias básicas muito simples que quebrassem essa relação entre dinheiro e desmatamento. É preciso desenvolver e implementar mecanismos de mercado funcionais confiáveis que proporcionem incentivos financeiros para a conservação. Além de fazer políticas públicas que aumentem o incentivo à preservação”, explicou Moutinho.
Uma das saídas seria um sistema de compensação por redução de emissões, num acordo internacional. O país se comprometeria em reduzir o desmatamento, cortar a emissão de gases do efeito estufa e com isso seria abonado, criando um fundo para investir na região e distribuir o dinheiro entre os setores envolvidos na preservação da floresta.
“De 16% a 20% da emissão dos gases que provocam o aquecimento global vêm do desmatamento de florestas tropicais”, contou Moutinho. “Com o fundo, teríamos alguns bilhões para distribuir entre os povos da floresta, que têm papel fundamental na preservação; entre o governo, para possibilitar a governança; e entre os proprietários das terras com florestas, pelo custo de oportunidade, para que não desmatem e façam a manutenção da área natural”.
O trabalho com moradores para o extrativismo sustentável já começou a ser feito por algumas organizações. A Fundação Amazonas Sustentável é uma delas e criou a Bolsa Floresta Família para moradores de áreas de conservação que assinarem o compromisso de desmatamento zero.
“Eles passam por um curso sobre o aquecimento global e assinam o compromisso. Além disso, damos uma bolsa a associações de moradores, ajudamos na geração de negócios sustentáveis e investimos em saúde, educação e transporte”, disse Virgílio Maurício Viana.
Philip Fearnside concorda com a iniciativa de transformar os próprios moradores em guardiões da mata.
“O governo vai pagar guardas para proteger a floresta? Não, vai usar essas populações para guardar a floresta. Vai dar dinheiro? Não, vai dar condições de eles tirarem o seu sustento da floresta, em atividades sustentáveis”, concluiu o pesquisador.
Publicado pelo Jornal da Ciência, SBPC, JC e-mail 3555, de 16 de Julho de 2008.
[EcoDebate, 17/07/2008]