A batalha pela sobrevivência da biodiversidade da Amazônia diante das mudanças climáticas
No caso dos peixes que se adaptaram a águas com menos oxigênio, a maior exposição aos raios ultravioletas com o avanço do efeito estufa é inevitável e pode ser extremamente prejudicial. Daniela Amorim de Campinas para o “JC e-mail“:
As queimadas na Amazônia contribuem não apenas para o aumento da temperatura na Terra pela emissão de gases de efeito estufa, como também pela interrupção do ciclo de absorção do carbono. Sem as árvores, o ciclo de absorção é interrompido.
“Se não temos um ciclo que consiga absorver o carbono, temos um aumento da temperatura”, disse Adalberto Luis Val, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), durante um simpósio na 60ª Reunião Anual da SBPC.
Adalberto Luis Val contou que a temperatura da Terra começou a apresentar um aumento crescente na primeira metade do século passado. Apesar de algumas teorias insistirem na existência de um fenômeno natural, o diretor do Inpa é categórico: é a ação do homem a principal causadora do problema.
“As mudanças climáticas estão acontecendo e o homem está contribuindo para isso. Não é parte de um ciclo natural. O aquecimento atual não é apenas pela atividade solar ou fatores naturais. A diferença de temperatura não seria tão alta, não aumentaria tão rapidamente. Se continuar a emissão de gases do efeito estufa, o aquecimento continuará. E quanto mais demorar a redução, mais difícil será reverter esse quadro”, alertou.
O pesquisador falou sobre mitos de que os organismos das regiões mais quentes não seriam afetados pelo aumento da temperatura, assim como pela maior incidência de raios ultravioleta.
“Se aumentarmos a temperatura, todos os organismos sofrerão efeitos, mesmo os de ambientes quentes. O efeito da radiação ultravioleta também terá impacto nesses organismos”, afirmou. “Uma das primeiras conseqüências das mudanças climáticas é a alteração da profundidade do lençol freático em lugares que não têm rios. O impacto seria enorme nessas regiões da Amazônia”.
A Amazônia se estende por todos os países do norte da América do Sul. A parte brasileira concentrada 10% da população do país, cerca de 20 milhões de habitantes, incluindo 180 povos indígenas, centenas de quilombolas e inúmeras comunidades ribeirinhas que atuam na economia da região.
Quanto às características naturais, a diversidade vai da floresta tropical ao cerrado, passando por campina e interflúvios. A região é cortada por rios e o maior deles, o Rio Amazonas, recebe 78% de seu volume de água em território brasileiro. O volume de descarga média no oceano é de 18 bilhões de metros cúbicos por dia. O número representa 20% de toda a água doce entrando no oceano.
Especialista em peixes, Adalberto Luis Val vai além nas informações sobre a biodiversidade da região.
“Já catalogamos cerca de três mil espécies diferentes de peixes. Algumas têm mais de 2 metros e meio de comprimento. Só espécies de várzeas são 400”, revelou. “E em uma distância de apenas 10 km, de uma várzea para outra, muda totalmente a ocorrência das espécies. Nós sequer conhecemos o número de espécies que existem na região. Os gráficos mostram um crescente número de descobertas da fauna e da flora nos últimos anos. Não conseguimos amostras de tudo ainda, por isso é impossível fazer qualquer generalização na Amazônia. Não dá para considerar a Amazônia como um todo. Cada pedaço é diferente do outro”.
O aquecimento global tem estimulado essas diferenças. Felizmente, as espécies animais e vegetais são altamente adaptáveis às mudanças na natureza. A queda de umidade em um determinado local, por exemplo, faz rapidamente algumas espécies migrarem para outras regiões que proporcionem maior conforto.
“Na França, um experimento mostrou que algumas espécies de plantas estão subindo montanhas geladas na busca por temperaturas mais baixas. Antes elas ocorriam na base, agora migram pela encosta, algum dia poderão chegar ao topo. No dia em que até no topo estiver quente, elas desaparecerão”, explicou Adalberto.
O mesmo fenômeno acontece com espécies de vegetais e peixes brasileiros na Amazônia. Com a escassez de oxigênio na água, as espécies se adaptaram até para recolher oxigênio da atmosfera. Esses ajustes podem ser comportamentais, morfológicos ou fisiológicos e bioquímicos.
“Os ajustes comportamentais são a migração. Os peixes migram para dentro da floresta em busca de comida e voltam para os rios quando o ambiente parece mais favorável. Eles estão sempre atrás de oxigênio e alimentos”, disse o especialista. “Já os ajustes morfológicos podem ser no pulmão, estômago e intestino, para captar o ar. Os fisiológicos e bioquímicos são as mudanças no sangue, por exemplo”.
No caso dos peixes que se adaptaram a águas com menos oxigênio, a maior exposição aos raios ultravioletas com o avanço do efeito estufa é inevitável e pode ser extremamente prejudicial.
“A exposição ao ultravioleta modifica o DNA das espécies de peixes, principalmente os que absorvem oxigênio da atmosfera”, contou.
O aquecimento da atmosfera e a redução da umidade também podem ser catastróficos.
“Os fungos são vitais no processo de ciclagem de nutrientes, mas muito sensíveis à redução da umidade. Quando desaparecem, diminui o número de espécies”, disse.
Outra preocupação do pesquisador é em relação ao desmatamento e o conseqüente efeito de borda. Nas novas bordas da floresta os ventos mudam, o ambiente fica mais seco, mais quente, com menos sombra, árvores morrem e espécies animais desaparecem. As espécies de árvores são trocadas por outras mais jovens e mais frágeis, com pouca capacidade de absorção de carbono.
“O efeito de borda é um dos mais devastadores para a floresta hoje. A cada vez que se abre uma estrada, criam-se duas bordas. Quando abrem mais um ramal, são mais duas bordas. E a gente vai criando um volume enorme de bordas”, afirmou Adalberto Luis Val, alertando ainda para a importância da manutenção da floresta intacta na manutenção do clima em todo o Brasil. “O desmatamento da Amazônia afeta o volume de águas no sul do país. As chuvas dependem da floresta. A Amazônia tem um efeito muito significativo no clima do continente”.
O orçamento do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia vem aumentando nos últimos anos e chegou a R$ 24 milhões em 2008, sem levar em consideração a folha de pagamento. Mas o quadro ainda é pequeno. Atualmente, o instituto conta com 151 doutores para pesquisas, o que é considerado um número baixo para o tamanho e complexidade da região.
“No novo concurso fomos autorizados a contratar apenas mais cinco doutores. É um número desalentador e as conseqüências são desastrosas para o país. Não conseguimos atender a demanda por informações da região”, lamentou o diretor do instituto.
“O Brasil forma cerca de dez mil doutores por ano. Nos nove estados que integram a Amazônia, há dez universidades federais, cinco universidades estaduais e três institutos de pesquisa federais. Em todas essas instituições juntas, há três mil doutores, sendo a idade média de 50 anos. É uma situação extremamente frágil e crítica”, concluiu.
Publicado pelo Jornal da Ciência, SBPC, JC e-mail 3555, de 16 de Julho de 2008.
[EcoDebate, 17/07/2008]